Mulheres indígenas das comunidades Krahô, em Tocantins, formaram um grupo de vigilância para proteger seu território ancestral contra invasores.
As treze guardiãs receberam treinamento em vigilância e realizam operações durante 15 dias por mês.
Elas planejam e implementam ações de proteção territorial com base nas tradições e nos modos de vida Krahô.
A Terra Indígena Kraolândia está sob pressão de madeireiros, caçadores, carvoarias e agroindústrias que cercam o território.
Em toda a América do Sul, as comunidades indígenas costumam considerar a proteção territorial como responsabilidade dos homens, enquanto as mulheres geralmente assumem papéis de cuidadoras da casa, da família e da comunidade. No entanto, em Tocantins, as mulheres indígenas das comunidades Krahô formaram um grupo de vigilância exclusivamente feminino para proteger seu território contra invasores — uma raridade na região.
Desde o início das operações, a guarda, denominada Mē Hoprê Catêjê, conseguiu identificar e comunicar à Funai uma ameaça relacionada a uma invasão de seu território.
A Terra Indígena Kraolândia, com 303 mil hectares, está localizada no Cerrado, nos municípios de Goiatins e Itacajá. Está sob imensa pressão de madeireiros, caçadores, agronegócio e carvoarias. As águas do povo Krahô foram contaminadas por agrotóxicos aplicados nas plantações de soja e algodão próximas.
O grupo, que conta com o apoio da Funai, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e da empresa de tecnologia Awana Digital, foi criado durante uma reunião de defesa territorial das mulheres em setembro do ano passado. Durante oito dias, as mulheres Krahô se reuniram com outras guardiãs indígenas, incluindo as Guajajara de Arariboia e as Guajajara de Caru, para compartilhar ideias e experiências.
“No passado, as mulheres não podiam fazer parte de nenhuma liderança”, disse à Mongabay Luzia Krahô, ou Kruw, uma das 13 integrantes do grupo recém-formado. “As mulheres ficavam em casa para cuidar da família e dos filhos. Mas hoje em dia vejo mudanças. Temos a coragem de enfrentar os perigos para proteger nosso território.”
Seus planos e protocolos de gestão territorial são baseados nas tradições e nos modos de vida Krahô. As ações de vigilância envolvem caminhar pelo território para procurar sinais de invasão ou outras ameaças. As mulheres não estão armadas. Se elas se depararem com uma ameaça, devem entrar em contato com a Funai.
No entanto, a resposta é lenta. A agência geralmente leva de dois a três meses para responder, diz Kruw.
Um estudo realizado pela IUCN em parceria com a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID) constatou que as mulheres indígenas que defendem o meio ambiente também podem enfrentar ameaças relacionadas ao gênero, como intimidação, estupro, tortura ou prisão, para silenciar seu trabalho.

As mulheres que são mães enfrentam um “fardo duplo”, pois são estigmatizadas, condenadas ao ostracismo em suas comunidades e rotuladas como “más mães” por deixarem seus filhos em casa quando saem para realizar ações, segundo o relatório.
Kruw e suas colegas estão familiarizadas com isso. “Recebemos muitas críticas, reclamações e desrespeito”, disse ela, afirmando que são tentativas de enfraquecer e desencorajar o grupo. “Mas continuamos firmes e fortes. Todos os dias, vamos dormir e acordamos com pensamentos positivos para enfrentar todas as coisas ruins. A vida de uma guerreira não é fácil.”
Múltiplas ameaças
Cerca de 3 mil pessoas da etnia Krahô vivem em 16 aldeias na Terra Indígena Kraolândia. Dezenas de seus antepassados foram massacrados por fazendeiros no início da década de 1940. Apesar do reconhecimento de seu território em 1990, os Krahô continuaram enfrentando ameaças de grandes produtores de soja e algodão, pecuaristas e outros invasores, que continuam até hoje.
De acordo com um relatório de 2020 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a expansão do agronegócio na região causou danos ambientais, como a degradação da terra e a perda de biodiversidade, bem como o aumento dos conflitos de terra e da violência contra os Krahô.
Kruw disse à Mongabay que a guarda feminina Krahô já recebeu várias ameaças de fazendeiros e outras pessoas que operam nas fronteiras de seu território. “Há muito risco nesse trabalho”, disse ela. “Mas não podemos desistir por medo dessas coisas. Elas vêm ocorrendo há muito tempo e estão nos destruindo.”
De acordo com a Global Forest Watch, a região perdeu 1,26 milhão de hectares de cobertura de árvores na última década. Kraolândia também é uma das terras indígenas mais afetadas por incêndios. Por isso, os membros da comunidade formaram brigadas indígenas para defender o território.

Mulheres como cuidadoras territoriais
Na Kraolândia, há outros grupos de vigilância territorial liderados por homens. No entanto, segundo fontes, a ideia de formar um grupo só de mulheres foi motivada pelo reconhecimento de que os papéis de gênero das mulheres têm seus próprios pontos fortes e dinâmicas únicas que podem complementar o trabalho de vigilância dos homens.
De acordo com Kruw, o território é mais do que um espaço geográfico. É um ser vivo que sustenta e reflete seu bem-estar cultural, espiritual e físico. Como as mulheres são criadas para se tornarem cuidadoras dos vivos, ela acredita que elas também estão bem posicionadas para realizar o trabalho de proteção territorial.
Clarisse Raposo, chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Coordenação Regional Araguaia-Tocantins (CR-ATO), disse em um comunicado à imprensa da Funai que “as relações de sustentação mútua postas no cotidiano e a proteção do território são planos que estão intrinsecamente ligados. O envolvimento das mulheres Mehî [Krahô] nas ações de vigilância certamente irá contribuir com esse entendimento integrado”.
As mulheres realizam ações de vigilância durante 15 dias por mês. Elas são motivadas pela obrigação de cuidar das florestas, rios, pássaros e outros animais, como fizeram com seus ancestrais no passado. “Sem terra, não podemos viver, e sem água, não podemos sobreviver”, diz Kruw. “Todos os dias, mais e mais [invasores] estão tomando conta de nossas terras”, disse ela. “Não vamos permitir que eles o façam.”
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Imagem do banner: Mē Hoprê Catêjê, grupo de guardiãs territoriais Krahô. Foto cedida por Luzia Krahô (Kruw).