A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) divulgou recentemente imagens inéditas de um grupo de nove homens de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia.
As atividades de monitoramento da Funai também confirmaram a presença de grupos isolados na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso, onde os agentes também encontraram um acampamento ilegal no território, em uma área onde indígenas isolados já haviam sido registrados anteriormente.
Grupos defensores dos direitos indígenas dizem estar preocupados com a situação dos indígenas isolados no país, especialmente com os Kawahiva, cuja presença só foi confirmada oficialmente há 26 anos.
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal do final de 2024 determinou que a Funai estabelecesse um prazo para a conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, o que ainda não foi divulgado.
Imagens inéditas de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia, aumentaram a pressão por maior fiscalização para proteger os territórios dessas populações vulneráveis.
As imagens, divulgadas no início deste mês pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), revelaram um grupo de nove homens, com idades entre 20 e 40 anos. Uma câmera instalada em uma das trilhas do território indígena capturou as imagens em fevereiro de 2024, quando os homens estavam coletando facões e machados deixados por uma expedição de 2021, segundo a Funai. Ao verificar as imagens da câmera, os agentes encontraram “sem surpresa” armadilhas com estrepes deixadas pelo grupo na área antes de deixarem o local, acrescentou Funai.
“Nota-se que foi uma aproximação planejada e organizada, com um grupo de pessoas, somente homens, a maioria jovens, preparados com inúmeros estrepes confeccionados que foram colocados nos locais de presença do não indígena e na própria trilha por onde chegaram e retornaram, caso alguém os seguisse”, Altair Algayer, sertanista da Funai que há 30 anos monitora povos indígenas que vivem em isolamento voluntário, disse em um comunicado à imprensa.

Entre janeiro e abril de 2024, funcionários da Funai registraram vestígios e atividades de grupos isolados no território de Massaco. Além das armadilhas colocadas em trilhas e estradas nos limites do território, a presença dos grupos isolados também foi verificada em várias ocasiões por abrigos temporários, pontos de coleta de mel e outros alimentos e sinais de atividades de caça, de acordo com Algayer, que liderou a expedição.
Apesar da baixa qualidade das imagens em decorrência das condições climáticas, os registros são fundamentais para documentar as características físicas, o comportamento e outros aspectos desse grupo, disse a Funai. O equipamento fotográfico permaneceu intacto apesar de estar visível, o que significa que os indígenas nem sequer se aproximaram dele por curiosidade, acrescentou.
“A divulgação das imagens busca reafirmar a presença indígena nos territórios e reforçar a necessidade de proteção territorial contra ameaças à sua sobrevivência”, disse a Funai no comunicado.
A Terra Indígena (TI) Massaco se estende por 421.895 hectares e foi totalmente demarcada em 1998, destinada à ocupação exclusiva de povos indígenas de etnia ainda desconhecida que vivem em isolamento voluntário. De acordo com a Funai, 97,5% de sua área se sobrepõe à Reserva Biológica do Guaporé.
Nas expedições de 2024 à TI, a Funai disse que chamou a atenção de sua equipe a aproximação cada vez mais frequente dos indígenas nas bordas do território, devido à necessidade de expandir sua área de ocupação para buscar recursos para sua sobrevivência e também por causa do crescimento populacional, o que os expõe ao contato, tanto direto quanto indireto, com os não-indígenas.
“Outro alerta visto com preocupação é a mudança climática, que altera significativamente o ciclo dos recursos naturais, dos quais este povo depende para sobreviver”, disse Algayer. “Garantir a proteção integral dos recursos naturais deste território é fundamental para a sobrevivência deste povo”.
A Funai informou que monitora os isolados da TI Massaco há mais de 35 anos e que realiza expedições anuais que fazem levantamentos detalhados dos rastros deixados pelos isolados. Como resultado, a agência acumulou dados sobre como eles vivem e se desenvolvem e como administram sua ocupação do território, seu estilo de vida nômade e sua aptidão para caça e coleta.
“Esses dados coletados reafirmam a necessidade de proteger os isolados e o território onde vivem, reforçando a vigilância contra possíveis invasões e a importância de ações que garantam a sua integridade cultural e física, sempre respeitando a política de não contato”, disse a Funai.
Pressão crescente do agronegócio
Atividades de monitoramento da Funai em julho de 2024 também confirmaram a presença de indígenas isolados na TI Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso. A equipe encontrou “sinais claros” da presença indígena no local, incluindo pegadas, vestígios de coleta de mel e utensílios, como uma cumbuca feita da capemba (folha) da árvore paxiúba, de acordo com a Funai. Os agentes também confirmaram a presença de crianças por meio de pegadas, além de evidências de formação de novas famílias e crescimento populacional. Também houve relatos de tapiris (cabanas) abandonados e o deslocamento de indígenas para partes mais isoladas do território, disse a Funai.
Jair Candor, que liderou a expedição, disse que as atividades de monitoramento tinham como objetivo verificar as condições de vida do grupo sem se aproximar demais ou forçar o contato, respeitando sua autonomia.
“A intenção é recolher informações para elaborar e executar políticas públicas de proteção mais qualificadas para essa população”, explica o sertanista que faz o monitoramento de indígenas isolados há 36 anos.
Ao contrário da TI Massaco, a TI Kawahiva do Rio Pardo não foi totalmente demarcada, embora as fronteiras do território de 411.844 hectares já tenham sido oficialmente delineadas desde 2016.
“Encontramos sinais de invasão e uma pressão muito forte no entorno do território, evidenciando que a demarcação física da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo é mais do que uma urgência”, disse Candor no comunicado.
Segundo a Funai, os agentes encontraram um acampamento ilegal na TI — possivelmente de garimpeiros ou copaibeiros, que extraem óleo da árvore copaíba — em uma área onde a equipe havia registrado forte ocupação por indígenas isolados em expedições anteriores, o que reforçou a suspeita de que eles haviam se deslocado para outra parte do território.


A Funai disse que os agentes deixaram ferramentas, como machados e facões, em pontos estratégicos e instalaram câmeras acionadas por movimento para monitorar os indígenas sem interferir em suas rotinas. De acordo com Candor, há muita pressão de grileiros e madeireiros ilegais na área e, por isso, os indígenas isolados já tiveram contato com esses tipos de ferramentas no passado, que os ajudam em suas atividades diárias.
À medida que as ferramentas que eles têm se desgastam, há o risco de que tentem buscar novos instrumentos nas fazendas vizinhas, o que já aconteceu em outros lugares, colocando-os em sério risco de violência ou de contraírem doenças caso entrem em contato com não-indígenas, disse Candor. “Colocamos essas ferramentas, de anos em anos, no interior da floresta, a fim de evitar que eles as procurem nas fazendas”.
Preocupação com os isolados
Grupos de defesa dos direitos indígenas expressaram preocupação com a situação dos indígenas isolados no país, especialmente com os da TI Kawahiva do Rio Pardo. A ONG Survival International disse que faz campanha há décadas para a demarcação do território, onde a presença de grupos isolados foi confirmada oficialmente há 26 anos.
“Estamos muito preocupados com os Kawahiva”, Fiona Watson, diretora de pesquisa e defesa da Survival International, disse à Mongabay em uma entrevista em vídeo. A TI Kawahiva do Rio Pardo está localizada no município de Colniza, uma das áreas mais violentas do Brasil; 90% da renda de Colniza é gerada pela extração ilegal de madeira, disse a Survival International.
Segundo a organização, muitos indígenas da Kawahiva foram mortos por madeireiros e fazendeiros nas últimas décadas, enquanto outros morreram de doenças contraídas durante o contato com não-indígenas. “Os que sobrevivem são os últimos Kawahiva”, destacou a Survival.
Em outubro de 2024, uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou que a Funai estabelecesse um prazo para a conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo. O tribunal também determinou que a Funai apresentasse um cronograma para a realização de atividades de vigilância, fiscalização e proteção, com o objetivo de garantir a integridade das terras indígenas e evitar invasões.
“A Funai diz que a demarcação física será concluída até o final deste ano. Ela deve ser responsabilizada por isso, dadas as crescentes pressões sobre as terras dos Kawahiva e o fato de que a campanha pela demarcação já dura um quarto de século”, disse Watson.
“O lado bom é que temos um precedente para isso, que é justamente a TI Massaco”, acrescentou ela, observando que Massaco foi o primeiro território indígena no Brasil a ser demarcado para indígenas isolados.
Para Watson, a iniciativa foi “realmente bem-sucedida”, pois o território, em sua maior parte, permaneceu intacto. “Houve um pouco de invasão e há fazendas ao redor, portanto há um pouco de pressão. Mas, na verdade, de modo geral, está bem se compararmos com outros territórios”, disse ela.
A Funai não respondeu aos pedidos de resposta da Mongabay sobre o prazo para a demarcação da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo nem sobre as medidas de proteção às terras indígenas com grupos isolados.
O trabalho da Funai de identificação de povos indígenas isolados e de recente contato e a divulgação dessas informações é fundamental para protegê-los, disse Guenter Francisco Loebens, membro da equipe voltada para povos isolados e de recente contato do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
“Infelizmente, tem uma necessidade ainda muito grande para que, de fato, as pessoas acreditem que esses povos existam. Essas informações divulgadas pela Funai acabam ajudando para isso”, Loebens disse à Mongabay em uma entrevista por telefone.
Dado o intenso interesse econômico nessas áreas, ele acrescentou, uma das estratégias usadas pelos grileiros que visam as terras de povos isolados é justamente essa: negar que eles existam. “E, infelizmente, tem acontecido. Inclusive, casos aí — e a história tem muitos deles — em que, de fato, esses interesses econômicos acabaram com todos os vestígios da existência, justamente para poder se apropriar das terras desses povos”.

Nos estados de Mato Grosso e Rondônia, comunidades indígenas inteiras desapareceram e até foram massacradas devido a essa estratégia de torná-las invisíveis, disse Loebens. “Esse é um risco iminente para esses grupos, sobretudo aqueles não reconhecidos oficialmente pelo Estado brasileiro. E aí que está a grande demanda em termos de proteção desses povos.”
Informações mais consistentes sobre a presença desses povos são fundamentais para pressionar o governo a tomar medidas para proteger esses grupos vulneráveis, acrescentou Loebens. De acordo com ele, mais de 80 grupos indígenas isolados foram registrados e ainda não foram reconhecidos pelo governo.
Imagem do banner: A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) divulgou recentemente imagens inéditas de um grupo de nove homens de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
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Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e é membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.