Autoridades do governo federal responsáveis pela proteção ambiental e pelo agronegócio têm posições opostas em relação à lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR).
Quando entrar em vigor em dezembro de 2025, a EUDR exigirá que os fornecedores comprovem que seus produtos exportados para a União Europeia (UE) não sejam provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020.
Enquanto os ministérios ligados à indústria e agricultura criticaram a lei e solicitaram seu adiamento, representantes do IBAMA e bancada ambientalista consideram a EUDR um instrumento importante para combater o desmatamento e uma oportunidade para que o agronegócio se torne mais transparente e sustentável.
BRASÍLIA — A lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em Inglês) tem provocado reações contrárias entre as autoridades do governo federal responsáveis pelo meio ambiente e pelo agronegócio. Enquanto os ministérios ligados à indústria e agricultura criticaram a lei e pressionaram a União Europeia (UE) para que ela fosse adiada por mais um ano, representantes do IBAMA e da bancada ambientalista consideram a EUDR um importante instrumento contra o desmatamento e uma oportunidade para que o agronegócio se torne mais rastreável, transparente e sustentável.
Quando entrar em vigor em dezembro de 2025, a EUDR exigirá que os fornecedores comprovem que seus produtos exportados para a UE não sejam provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. A legislação, que surgiu após o aumento de denúncias sobre produtos importados pela UE ligados ao desmatamento ilegal da Amazônia e de outras florestas tropicais, tem como alvo sete commodities: soja, gado, borracha, óleo de palma, café, cacau e madeira.
Para o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Rodrigo Agostinho, embora a EUDR deveria ter focado nos principais motores do desmatamento do país — soja e gado — a nova regulamentação é uma oportunidade para que os setores envolvidos transformem seu modelo de produção na Amazônia e em outros biomas. “Estão passando a investir muito em rastreabilidade e regularização ambiental, compliance, coisas que eles não faziam”, disse Agostinho à Mongabay na sede do IBAMA em Brasília.

Além da Europa, os novos requisitos servirão também para outros mercados externos e internos, acrescentou Agostinho. “Nos mercados consumidores do mundo inteiro, o consumidor quer saber se ele está deixando rastro de destruição, o consumidor quer saber se o produto que ele compra está destruindo a Amazônia, se está causando aquecimento do planeta. E eu acho que a gente, de fato, tem uma oportunidade de transformar isso”.
Embora algumas instituições vejam a EUDR como uma barreira comercial, Agostinho considera a lei uma grande oportunidade para o agronegócio adotar modelos de produção “com rastreabilidade, transparência, compliance, com respeito a direitos sociais e ao meio ambiente,” além de promover a regularização ambiental das fazendas.
Segundo ele, o IBAMA não tem interesse em embargar todos os negócios na Amazônia, mas sim fazer cumprir as leis ambientais. “Não é interesse do IBAMA que todo mundo na Amazônia esteja embargado. Eu prefiro que essas pessoas se regularizem, recuperem a sua APP[Área de Preservação Permanente], recuperem a sua Reserva Legal, que as pessoas façam as coisas de direito. E eu acho que a gente tem uma oportunidade aí”.

Para o deputado federal Nilto Tatto, que lidera a bancada ambientalista na Câmara dos Deputados, a EUDR deveria ter entrado em vigor imediatamente em 2024. “Eu acho que a gente não tem que brigar contra, a gente tem que fazer a nossa parte aqui”, disse ele à Mongabay em seu gabinete em Brasília. “Nós precisamos fazer a nossa lição de casa aqui do ponto de vista de proteção ambiental”.
A agricultura e a agropecuária são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, decorrente de um modelo de expansão agrícola e de ocupação de novas áreas praticado durante décadas, disse o deputado. “Não há necessidade de desmatar mais. É importante que tenha uma legislação que restrinja isso porque a gente sabe que já tem tecnologia para aproveitar melhor aquilo que o Brasil já tem de [área] desmatada para produzir inclusive muito mais”. Para Tatto, a EUDR representa um avanço no enfrentamento da crise climática em todo o mundo e particularmente no Brasil, que desempenha um papel fundamental na produção de alimentos.
A pressão que o agronegócio exerceu sobre o governo para solicitar o adiamento da EUDR demonstra o poder do setor, acrescentou Tatto. “Se você tivesse oportunidade de perguntar para o [presidente] Lula, ele [diria] que não vê problema nenhum para a legislação entrar [em vigor],” disse ele. “Mas não é assim [na prática]”.

Ele também destacou o poder do agronegócio no legislativo, que representa a maioria no Congresso Nacional. “Nesse tipo de pauta a gente tem problemas sérios aqui dentro. E aí acaba tendo uma pressão muito grande para cima do governo. É uma força real”.
Para Agostinho, o Brasil só conseguiu desempenhar um papel fundamental no adiamento da EUDR porque o governo retomou o combate ao desmatamento depois que o presidente Luís Inácio Lula da Silva assumiu o cargo em 2023. “Eu acho que tem uma mão forte aí do IBAMA nessa história. Não é o IBAMA que negocia a ampliação do prazo, mas é o IBAMA que combate o desmatamento”.

A taxa de desmatamento anual na Amazônia diminuiu 30,6% no período de agosto de 2023 a julho de 2024 em comparação ao registro anterior. Durante esse período, a Floresta Amazônica perdeu 6.288 quilômetros quadrados — aproximadamente o tamanho de Brasília — a menor perda anual desde 2015, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
“Eu particularmente acho que a diretiva europeia foi prorrogada por conta dos números de combate ao desmatamento, mas eu acho que pode ser uma oportunidade para as pessoas se regularizarem. Não dá para continuar assim”, disse Agostinho. “Precisamos ter rastreabilidade, precisamos ter origem dos produtos. Essa origem precisa ser lícita, precisa ser legal, precisa respeitar o ambiente, eu acho que esse é o grande desafio”.
Imgem do banner: Vista aérea de uma área desmatada na Amazônia para a criação de gado em Lábrea, no Amazonas, em 15 de setembro de 2021. Imagem © Victor Moriyama/Amazônia em Chamas.
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Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e é membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.