Diferentemente dos países vizinhos, a migração na Amazônia colombiana não foi um projeto estatal, mas uma consequência do conflito armado do exército com as FARC e do surgimento do tráfico de drogas que cresceu à sua sombra.
Embora o chamado processo de paz tenha começado em 2017, Killeen acredita que as mudanças ocorridas desde então deram origem a novos grupos criminosos após a erradicação das guerrilhas.
No caso da Venezuela e das Guianas, o grande Escudo das Guianas tem sido seu grande trunfo econômico e a razão pela qual populações de diferentes latitudes passaram a povoar as regiões vizinhas. O Suriname também está conectado aos dois países por meio de um corredor que chega até o Brasil.
Apesar disso, o desmatamento nesses países é menor do que nos outros países amazônicos. Entretanto, o impacto da migração é sentido por meio da mineração de ouro, onde há mais de 20.000 minas de pequena escala.
A história moderna da migração interna na Colômbia começou de maneira semelhante aos processos organizados pelos governos do Brasil, e de outros países andinos, na década de 1960 e no início da década de 1970. Entretanto, esse processo foi prejudicado primeiro por uma guerra civil e, posteriormente, pela produção de drogas ilícitas, em grande parte devido às táticas adotadas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). O conflito efetivamente suprimiu o investimento estatal em infraestrutura e congelou a aquisição de terras por famílias de classe média e investidores. Ao mesmo tempo, porém, alimentou a migração de camponeses deslocados, que optaram por cultivar coca sob a proteção das FARC.
O conflito terminou oficialmente em 2017 por meio do chamado Processo de Paz, que trouxe mudanças importantes para a Amazônia colombiana. As FARC não existem mais como uma entidade militar organizada, porém foram substituídas por grupos criminosos compostos por guerrilheiros desmobilizados e membros de milícias. Infelizmente, o Estado não estabeleceu uma presença significativa na região e a cessação das hostilidades desencadeou uma corrida por terras impulsionada pelo comércio de drogas e pelo setor pecuário.
Rotas migratórias
Antes da guerra civil, a administração do presidente Carlos Lleras Restrepo (1966-1970) criou o Instituto Nacional de Colonización (INCOR) em uma tentativa de atender à demanda de terras por parte da população rural pobre. A estratégia foi apoiada por vários subsídios do Banco Mundial, incluindo o Projeto de Colonização de Terras de Caquetá, que buscava expandir, organizar e apoiar o processo de colonização espontânea dos colonos que se mudaram de Huila nas duas décadas anteriores. Infelizmente, esses projetos não foram particularmente bem-sucedidos, embora o apoio do governo tenha consolidado o agora predominante modelo de produção de gado.
Na década de 1980, Caquetá era tanto uma origem quanto um destino de refugiados, pois as pessoas se deslocavam dentro do país para escapar da violência. Durante as décadas de 1990 e 2000, o departamento foi uma fonte contínua de migrantes, pois cerca de 100.000 pessoas foram forçadas a desocupar aproximadamente 450.000 hectares de terra. Muitos se mudaram para Bogotá. Em 2020, o Departamento de Caquetá tinha uma população de cerca de 300.000 habitantes, 99% dos quais eram descendentes de imigrantes que haviam se mudado para a região nos últimos 50 anos.
Uma história semelhante explica o processo de assentamento do Putumayo colombiano, que ocorreu originalmente em paralelo com o surgimento da exploração de petróleo e foi alimentado pelo fluxo de indivíduos das terras altas andinas adjacentes. Embora a criação de gado ocupe a maior área espacial, o desmatamento foi amplamente impulsionado pelo cultivo de coca durante a maior parte das décadas de 1990 e 2000. Como em Caquetá, os fazendeiros consolidam propriedades menores que foram originalmente estabelecidas por produtores de coca.
A migração para as regiões de Meta e Guaviare nas décadas de 1990 e 2000 estava quase totalmente ligada à produção de folha de coca e aos esforços das FARC, bem como de outras milícias, para estender sua influência sobre as paisagens no limite da fronteira agrícola. Ondas sucessivas de colonos camponeses ocuparam as terras ao redor do Parque Nacional Natural Sierra de la Macarena, que é usado pelas FARC como área de preparação e refúgio desde a década de 1960.
Suas táticas operacionais mudaram na década de 1980, quando adotaram o comércio de drogas ilícitas como fonte de renda e protegeram ativamente os camponeses que cultivavam folha de coca. Não existiam estradas na fronteira florestal, nem era vantajoso para os plantadores de coca colonizar paisagens acessíveis por transporte veicular. Consequentemente, os plantadores de coca e a influência das FARC se expandiram usando trilhas na floresta e redes fluviais.
O processo de paz mudou radicalmente essa dinâmica. Os especuladores de terras estão financiando a realocação de pequenos agricultores, que são incentivados a “seguir adiante,” à medida que suas propriedades originais são consolidadas em fazendas de gado que agora estão acumulando valor com a abertura da região para investimentos. O governo central espera limitar o desenvolvimento nas zonas de amortecimento em torno dos parques nacionais Macarena e Chiribiquete e restringiu seu investimento em infraestrutura a um número limitado de artérias principais; no entanto, as autoridades locais e os especuladores de terras têm construído estradas secundárias e terciárias em um ritmo alarmante.
A Venezuela e as Guianas
Os sucessivos governos venezuelanos têm considerado os recursos naturais do Escudo das Guianas como um ativo econômico que deve ser usado para o desenvolvimento nacional. Essa estratégia foi formulada em meados do século XX e levou à criação de uma empresa estatal, a Corporación Venezolana de Guayana (CVG), para desenvolver recursos minerais e hidrológicos. Esse conglomerado estatal descentralizado foi estabelecido na década de 1960 e criou várias subsidiárias dedicadas à mineração e ao processamento de minério de ferro e aço, bauxita e alumínio, além do desenvolvimento de carvão e energia hidrelétrica. A presença do estado se consolidou ainda mais no início da década de 1970, quando o presidente Rafael Caldera (1969-1974, 1994-1999) construiu uma moderna rodovia através da região sudeste da Gran Sabana para conectar essa região à BR-174, que ligava a Venezuela à Amazônia brasileira.
Originalmente, a maioria das subsidiárias da CVG eram produtoras eficientes e competiam com sucesso nos mercados internacionais de minerais; no entanto, sua viabilidade como empresas comerciais diminuiu à medida que suas minas envelheceram, os ativos industriais se depreciaram e a competitividade nacional foi corroída devido à má administração. As administrações do presidente Hugo Chávez (1999-2013) e de seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro (2013-atual), levaram à falência a maioria dessas empresas estatais. No entanto, a migração para a região continuou devido ao fascínio da corrida do ouro em andamento, que está sendo facilitada pelas autoridades militares que agora supervisionam o desenvolvimento no estado de Bolívar, no sudeste do país.
A Guiana e o Suriname são países costeiros com laços históricos e culturais com as nações insulares do Caribe. Economicamente, eles são muito dependentes de seus recursos minerais e, aparentemente, veem seus territórios amazônicos como um recurso natural a ser explorado quando as oportunidades surgirem. Nenhum dos países designou grandes áreas para proteção, e seus respectivos sistemas territoriais indígenas são relativamente reduzidos. A maior parte das terras é mantida em uma reserva florestal não alocada. Recentemente, o governo da Guiana procurou desenvolver um corredor de transporte internacional que ligaria as paisagens agrícolas emergentes de Roraima, no Brasil, às instalações portuárias de Georgetown. Isso poderia mudar a dinâmica do uso da terra ao longo dessa estrada, à medida que os colonos criassem postos avançados para fornecer serviços essenciais ao setor de transportes.
As fronteiras entre a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa foram administradas diplomaticamente entre as autoridades coloniais e os estados independentes que as sucederam. Nenhum desses estados parece genuinamente interessado em colonizar suas províncias do interior. A fronteira entre a Venezuela e a Guiana é a única fronteira terrestre contestada remanescente no Hemisfério Ocidental. A disputa de longa data sobre o Essequibo, região da Guiana rica em minerais, a qual nunca levou a um conflito armado, voltou a se acender após a descoberta, em 2015, de um depósito de petróleo offshore potencialmente avaliado em centenas de bilhões de dólares.
Rotas migratórias
O Escudo das Guianas escapou da colonização e do desmatamento em larga escala que caracterizam o Brasil amazônico e os países andinos. Isso não significa, entretanto, que não tenha sofrido o impacto da migração. A região é o lar de dezenas de milhares de garimpeiros que exploram recursos minerais no interior pouco povoado da Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Esses garimpeiros são uma combinação de habitantes locais e imigrantes em busca de fortuna, principalmente brasileiros, cujos contingentes flutuam em resposta às mudanças no preço do ouro. O governo do Suriname estima que o país tenha cerca de 20.000 operações de mineração em pequena escala, cada uma das quais provavelmente emprega entre cinco e dez pessoas. A maioria dos proprietários de minas são quilombolas nativos que empregam milhares de garimpeiros brasileiros.
É muito difícil saber exatamente o que está acontecendo na Venezuela devido à governança caótica que caracterizou o país na última década. De acordo com o censo nacional de 2011, o município de Sifontes tinha uma população de 51.000 habitantes, no entanto, relatórios recentes sugerem que esse número pode ter aumentado para mais de 400.000 em 2016. A região de mineração de ouro é controlada pelos militares, que operam várias minas por meio de joint ventures com empresários venezuelanos.
No entanto, muitos desses imigrantes podem não ser garimpeiros, mas simplesmente indivíduos importando produtos escassos provenientes do Brasil ou buscando emigrar. No final de 2022, aproximadamente 70.000 venezuelanos residiam em Roraima e no Amazonas, sendo que cerca de 33.000 viviam em abrigos e acampamentos improvisados. A maioria, se não todos, sobrevive trabalhando na economia informal.
Imagem em destaque: O Rio Cauca, um dos rios mais importantes da Colômbia, nasce no Maciço Colombiano. Foto: Gustavo Pisso Flórez.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 6 aqui:
Capítulo 6. Cultura e demografia definem o presente
- A cultura e os grupos humanos que definem o presente da Pan-Amazônia Setembro 18, 2024
- A demografia da Pan-Amazônia Outubro 4,2024
- A comunidade indígena da floresta amazônica luta por seu pleno reconhecimento Outubro 8, 2024
- O surgimento de cidades ao redor da Amazônia Outubro 17, 2024