À frente do IBAMA há dois anos, Rodrigo Agostinho detalhou à Mongabay os avanços na sua gestão e os desafios do órgão para proteger os biomas brasileiros depois de quatro anos de sucateamento e desmantelamento do órgão na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista à Mongabay na sede do IBAMA em Brasília, Agostinho destacou os planos para fortalecer o órgão e antecipar a meta de desmatamento zero prevista para 2030, com investimentos em tecnologia de ponta e inteligência artificial: “o IBAMA tinha ficado quatro anos sem fazer os embargos usando imagens de satélite. A gente retomou isso com força total”.
Agostinho também ressaltou os planos de reestruturação do órgão, com a abertura de escritórios na Amazônia e a importância de medidas pelo Banco Central para proibir o financiamento das áreas embargadas: “a gente autua o embargo de desmatamento e essa pessoa simplesmente não consegue mais financiamento agrícola”.
BRASÍLIA — “Atuar no regime de acupuntura”. Essa tem sido a estratégia-chave usada por Rodrigo Agostinho, à frente do IBAMA há dois anos, para reduzir o desmatamento na Amazônia e combater crimes ambientais em pontos estratégicos de todo o país. “Eu não consigo estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Eu não posso simplesmente falar assim: vou cuidar da Amazônia e esquecer do resto do Brasil. Então a gente foi definindo a ideia de municípios prioritários, áreas com maior taxa de desmatamento, passamos a definir os alvos prioritários,” disse Agostinho à Mongabay em seu gabinete na sede do IBAMA em Brasília.
Em uma hora de entrevista, Agostinho detalhou os avanços na sua gestão e os desafios do órgão para proteger os biomas brasileiros depois de quatro anos de sucateamento e desmantelamento do órgão na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ele destacou a aprovação de medidas junto ao Banco Central e ao Conselho Monetário Nacional para proibir a concessão de financiamento para áreas embargadas. “A gente autua o embargo de desmatamento e essa pessoa simplesmente não consegue mais financiamento agrícola”.
Agostinho também revelou à Mongabay os planos para fortalecer o órgão e antecipar a meta de desmatamento zero prevista para 2030, com investimentos em tecnologia de ponta e inteligência artificial para dar conta do monitoramento em um país de dimensões continentais que detém a maior floresta tropical do mundo. “O IBAMA tinha ficado quatro anos sem fazer os embargos usando imagens de satélite. A gente retomou isso com força total”.

Rodrigo Agostinho conversou com Karla Mendes, repórter investigativa da Mongabay, no final de 2024. Confira os principais trechos da entrevista feita no final de 2024, editada para fins de clareza.
Mongabay: Eu gostaria que você fizesse um balanço desses quase dois anos de gestão depois de quatro anos de desmantelamento do IBAMA e de um cenário de apoio aos desmatadores. Quais foram e quais são os principais avanços e desafios?
Rodrigo Agostinho: O IBAMA existe há 35 anos. Alguns dos projetos do IBAMA são mais velhos do que o próprio IBAMA porque o IBAMA foi formado meio que num arremedo ali de várias instituições. Então juntaram o antigo IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal], a antiga Sudepe, que era a Superintendência [do Desenvolvimento] da Pesca, a antiga Sudeb, que era Superintendência [Defesa] da Borracha, e a antiga Sema — Secretaria Especial do Meio Ambiente — que era o embrião do que hoje é o Ministério do Meio Ambiente. Juntaram tudo e formaram o IBAMA, num ano em que a gente estava com altas taxas de desmatamento.
Num finzinho de 1988, houve o assassinato do Chico Mendes. O governo foi provocado a fazer alguma coisa, o mundo inteiro cobrando redução do desmatamento, o desmatamento expulsando muitas populações tradicionais na Amazônia, muito conflito social. Aí surgiu o IBAMA. O IBAMA chegou a ter 6.300 servidores, hoje tem 2.600 e mil [estão] se aposentando. Na última década, nós perdemos 89 escritórios por falta de gente. Não tinha mais gente para manter [os escritórios], poucos concursos.
E aí eu chego aqui no IBAMA o ano passado [2023] depois de quatro anos de também muito desmonte aqui dentro. Então, as primeiras coisas que a gente fez foi [pensar]: como que a gente coloca de novo o IBAMA para atuar, para reduzir desmatamento, reduzir os crimes ambientais, mas, ao mesmo tempo, como é que eu crio uma agenda de fortalecimento institucional? Então essas duas agendas de retomar a presença do IBAMA — as ações, a fiscalização, comando e controle, licenciamento — e, ao mesmo tempo, como é que eu fortaleço a instituição? Porque se eu não tenho uma instituição forte, com estrutura, eu não consigo dar o passo adiante.
Então começamos a reorganizar a casa. Fizemos, ainda no período de transição, um esforço muito grande para melhorar o nosso orçamento, para fortalecer algumas estruturas internas aqui na instituição. Como a gente não tem gente, a gente passou, desde o começo do ano passado, a atuar no regime de acupuntura. Eu não consigo estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Eu não posso simplesmente falar assim: vou cuidar da Amazônia, vou esquecer do resto do Brasil. Então a gente foi definindo a ideia de municípios prioritários, áreas com maior taxa de desmatamento, passamos a definir os alvos prioritários. Retomamos o uso da tecnologia. O IBAMA tinha ficado quatro anos sem fazer os embargos usando imagens de satélite. Então a gente retomou isso com força total.
Estamos usando muita tecnologia, estamos começando a usar inteligência artificial para detectar desmatamento, inteligência artificial para detectar a infração ambiental, a gente está começando a entrar no que tem de mais moderno. Nós estamos com parcerias, inclusive internacionais, muito boas. A gente está com uma parceria com a agência espacial japonesa para detectar desmatamento mesmo quando o céu está coberto por nuvens, com imagens de radar. É uma coisa nova, que o IBAMA não está acostumado a fazer. Então a gente está correndo atrás.
A gente dobrou o número de viaturas, dobrou o número de helicópteros, a estrutura aqui melhorou muito. Renovamos todo o parque de computadores esse ano.
Conseguimos, junto ao Ministério [do Meio Ambiente], aprovar medidas junto ao Banco Central, ao Conselho Monetário Nacional, para proibir o financiamento das áreas embargadas. Então a gente autua o embargo de desmatamento, e essa pessoa simplesmente não consegue mais financiamento agrícola. Ela não consegue financiamento para comprar gado, ela não consegue financiamento para comprar semente, ela não consegue financiamento para comprar uma caminhonete que seja. Isso acabou dando muito resultado, porque as multas as pessoas vão protelando.

Quando [a gente] chegou aqui no IBAMA, tinha R$ 29 bilhões de multas jogados na lata do lixo. Nós resgatamos essas multas, botamos as pessoas para julgar as multas de novo. Fizemos a revisão do entendimento da administração passada. Os autuados foram à justiça, e a gente ganhou na justiça a validade dessas multas.
Ao mesmo tempo, a gente começou a atuar também naquelas outras áreas que o IBAMA estava acostumado a atuar e que tinham sido deixadas de lado. Em março [de 2023] a gente entrou na Terra Indígena Yanomami, que estava com proliferação de garimpo, uma estimativa de quase 30 mil garimpeiros lá dentro. Por conta da crise humanitária, a gente conseguiu antecipar mais de 40 dias essa operação. Fomos para lá, começamos a destruir garimpo. E agora nós estamos nesse exato momento, passado dois anos, destruindo o penúltimo garimpo. E a gente espera no começo do ano que vem destruir o último grande epicentro de garimpo. Então a gente está destruindo [garimpo] agora [na Terra Indígena] Munduruku e logo a gente vai entrar no garimpo dos Kayapó [Terra Indígena Kayapó] e é assustador as coisas que a gente vai encontrando nos garimpos. A gente está encontrando muito crime organizado urbano infiltrado nos garimpos, lavando dinheiro de droga, lavando dinheiro de milícia no ouro. A gente tem sido recebido à bala.
Começamos a fazer ações um pouco mais estratégicas. Por exemplo, eu não tenho gente para fiscalizar todas as serrarias da Amazônia. Então comecei o ano passado fiscalizando serrarias daqui, do próprio IBAMA, no sistema do próprio IBAMA. O IBAMA tem um sistema de rastreabilidade de madeira que é conhecido no mundo inteiro, é um sistema muito bom, mas a gente colocou muita gente trabalhando na inteligência do sistema e detectou, dentro do sistema do IBAMA, 100 mil caminhões de madeira ilegal. É um número assustador, foi a Operação Metaverso, nós derrubamos todos esses créditos podres. Foi assustador o número a que a gente chegou e, este ano, nós fizemos a continuidade disso. E aí bloqueamos todos os créditos, a nossa equipe visitou todas as serrarias que apresentaram fraudes.
Mas antes a gente fez um trabalho de triagem. Serrarias que o sistema não conseguiu detectar nenhuma fraude acabaram ficando para um segundo momento. Mas o que a gente percebeu? A gente ainda não conseguiu recuperar toda a nossa força de trabalho, [mas] a gente precisava agir. Então retomamos o combate ao desmatamento, e os números vieram. Num primeiro momento, só na Amazônia, agora os números no Cerrado também vieram. Ainda no ano passado, conseguimos baixar também [o desmatamento] na Caatinga, no Pantanal, na Mata Atlântica. Lá no Pampa que a gente ainda não tem os números bem detalhados, mas a gente acredita que a gente conseguiu baixar o desmatamento no Brasil inteiro.
Retomamos o combate à mineração ilegal, à extração ilegal de madeira, à caça, à pesca ilegal, ao tráfico de animais. A gente apreendeu no ano passado o número recorde de 94.000 animais. É assustadora a quantidade de bicho que está saindo das nossas matas. E tivemos uma decisão acertada, ainda no ano passado, de estruturar o PrevFogo[Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais]. Porque senão a gente teria levado uma surra ainda maior do que foram as queimadas deste ano [2024]. Foi uma crise assustadora. E se a gente não tivesse estruturado aqui o ano passado, comprado muito equipamento, contratado bastante gente, a coisa teria sido ainda pior.
Conseguimos, ao longo desse período, a nova estrutura da instituição. A instituição ganhou uma nova estrutura, vai ganhar agora no final do ano um novo regimento. No começo do ano que vem [2025] vai ter o nosso concurso. Conseguimos contratar o remanescente já do último concurso, conseguimos capacitar mais 160 fiscais e estamos num processo agora de rever a nossa regulação, uma parte das regras internas, dos planejamentos, que eram de quase 20 anos atrás. No ano passado, aprovamos um grande planejamento estratégico para a instituição.
Então, assim, eu acho que a gente tem um salto grande. Os números ainda não são números que a gente gosta. Eu falo assim: “ah, reduzimos muito o desmatamento de 50%. Mas você reduzir de 1 milhão de hectares para 500 mil hectares ainda é muita coisa”. A gente aqui, ao mesmo tempo que a gente comemora, a gente comemora e fala assim: “precisava fazer mais”. E como fazer mais com a estrutura que a gente ainda tem? Tem esse desafio. O governo está dando respaldo para as nossas atividades. A gente está conseguindo apoio de vários ministérios, não é uma coisa isolada. A ministra [do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas] Marina Silva briga muito com todo mundo em defesa do IBAMA, do ICMBio, das demais estruturas. Nós estamos nessa retomada.

Mongabay: Os números têm que ser colocados em perspectiva mesmo, não dá para olhar só o número absoluto, pois vem de um cenário em que os números estavam explodindo.
Rodrigo Agostinho: Houve realmente uma redução significativa. Agora, a gente precisa ver que ainda é muito [alto]. A gente tem uma meta ousada, que é o desmatamento zero. O governo coloca desmatamento zero em 2030, eu quero antecipar essa meta. E a gente quer o máximo possível. É tipo assim: quando a gente atingir a meta, a gente dobra a meta, como dizia a [ex-presidenta] Dilma [Rousseff].
É porque a gente tem pressa. Nós estamos perdendo biodiversidade, nós estamos perdendo nossas florestas, estamos perdendo a capacidade de as florestas se manterem. As florestas não estão conseguindo manter umidade, dois anos seguidos que os rios da Amazônia secam. Pantanal faz seis anos que não tem cheia. O Pantanal era uma planície inundável e não tem mais o inundável. Então é assustador isso que a gente está vivendo.
Tem um conjunto de medidas que a gente faz também no combate ao desmatamento e uma delas é descapitalizar quem está desmatando. Se a pessoa está desmatando para colocar o gado em área ilegal, em área embargada, em terra indígena, unidade de conservação, a gente também está retomando esse gado. A gente fez grandes apreensões de gado e, agora recentemente, a gente fez a segunda operação, a Carne Fria, foi justamente para pegar a cadeia completa, do desmatamento ao boi e ao frigorífico. Em algumas regiões, a gente já percebeu que já houve uma moralização disso, em outras áreas ainda não. Mas a gente fez grandes apreensões, grandes desintrusões. A gente retomou uma coisa que o IBAMA já não fazia mais, que era fiscalizar terra indígena. Foram 109 terras indígenas que nós fiscalizamos nesses dois anos.
Tem terras indígenas que a gente destruiu mais de 400 máquinas. É o caso da Sararé. Na Apyterewa a gente tirou mais de 70 mil cabeças de gado. Fizemos a desintrusão [da TI] do Alto Rio Guamá, fizemos a desintrusão dos Yanomami. Na [TI] Yanomami sobrou muito pouca gente lá dentro e estamos agora nos Munduruku.
Mongabay: Quantas vagas estão previstas no concurso do IBAMA?
Rodrigo Agostinho: 460 vagas. Normalmente se consegue chamar mais 50%, então são 460 mais 230.
Mongabay: A maior parte das vagas é para a Amazônia?
Rodrigo Agostinho: A maior parte é para as pontas. Foi até uma discussão interna, pesada, porque as pessoas aqui [na sede em Brasília] sentem falta [de mais gente]. Aqui é um campus lindo, maravilhoso, prédio bonito, mas vazio. Mas não faz sentido trazer mais gente para cá, preciso de gente para as pontas. Preciso de gente para manter as superintendências funcionando. Tem escritórios do IBAMA hoje completamente vazios. É assustador isso.

Mongabay: Esses escritórios estão vazios na Amazônia? Em quais estados?
Rodrigo Agostinho: Em vários lugares. Na Amazônia a gente perdeu escritórios por falta de gente — ninguém quer ir para lá — e também por conta do enfrentamento. No Humaitá já queimaram nosso escritório duas vezes. Eu consegui agora os pontos, mas eu não tenho gente ainda, vou fazer concurso. Eu vou reabrir Humaitá, vou reabrir Tabatinga, vou reabrir escritórios estratégicos. Preciso ter um escritório no Vale do Javari, eu preciso ter um escritório na boca ali da [BR-] 230, na Transamazônica. Eu preciso fortalecer a minha ação na BR-163, nos pontos nervosos hoje da Amazônia. Na própria [BR-] 319. O pessoal fala muito da questão do asfaltamento do meio [da BR-319], mas as pontas é que estão asfaltadas, tem um monte de grilagem de terra acontecendo, um monte de desmatamento acontecendo. Eu embargo aqui, mas o cara não está nem aí porque quem está desmatando hoje ainda é a fase do grileiro, não é a fase do cara que está produzindo. O grileiro sabe que ele está invadindo terra pública, ele não liga muito para multa, para embargo.
Mongabay: Nessa questão do gado, quão bem sucedidas são essas operações? A gente sabe que acaba tendo um processo de judicialização dos proprietários dessas cabeças de gado. Como o IBAMA tem lidado com isso?
Rodrigo Agostinho: A gente sabe que a gente não vai conseguir pegar tudo. Vou dar exemplo de um caso gritante agora: [a Floresta Nacional do] Jamanxin está com mais de 100 mil cabeças de gado lá dentro. Parque Nacional do Araguaia, na Ilha do Bananal, está com mais de 100 mil cabeças de gado lá dentro, só para falar de alguns exemplos. A Apyterewa tinha 70 mil cabeças de gado lá dentro, provavelmente. A gente está tratando disso de uma forma bastante pedagógica. Tem um lugar que a gente apreende mil cabeças de gado, mas a gente percebe o movimento do entorno, onde milhares de cabeças de gado saem de áreas ilegais, todo mundo com medo de ter o gado apreendido.
E a gente está percebendo que os grandes frigoríficos da Amazônia estão parando de comprar gado ilegal, esse é um movimento bacana. Por outro lado, tem uma quantidade enorme de pequenos frigoríficos que continuam com essa prática. Isso não quer dizer que a gente consiga rastrear tudo. Eu não duvido que tenha muita gente fazendo a lavagem desse gado. Mas a gente percebe que está dando certo, sim. Teve lugar que a gente aprendeu 3 mil cabeças de gado e percebeu mais de 100 mil cabeças de gado saindo de áreas embargadas, saindo de terras indígenas, todo mundo com medo do IBAMA.
O IBAMA não tem caminhão boiadeiro, o IBAMA não é dono de frigorífico. Mas a gente tem feito apreensão, tem destinado [carne dos bois apreendidos] para merenda escolar, notadamente no Pará. E a gente vem sentindo bons resultados, sim. Só que, na prática, acaba sendo bem menos do que de fato está na situação de ilegalidade. Mas o efeito pedagógico tem sido altíssimo.

Mongabay: Eu fiz uma investigação sobre gado ilegal na Terra Indígena Arariboia. As estimativas do Ministério dos Povos Indígenas são entre 500 a 1000 cabeças de gado lá. Tem todo esse problema do entorno, cheio de serrarias e fazendas. E os Guardiões da Floresta foram criados justamente pela falta do Estado nessa região.
Rodrigo Agostinho: Eles tiram madeira, há inúmeros acessos. Na [TI] Karipuna esse ano[2024], o que a gente mais fez foi destruir acessos para a retirada de madeira. Na Karipuna acho que foram 200 pontos que a gente destruiu, que eram pontos ilegais que o pessoal fazia para tirar madeira de dentro da terra indígena. Então é bem complicado. Mas, por exemplo, na Operação Carne Fria agora a gente apreendeu 8.000 cabeças de gado. As pessoas podem falar que “o Brasil tem mais gado do que gente, então 8.000 não é nada”. Mas para o cara que perde esse gado é muita coisa.
Mongabay: Em relação à Arariboia tem alguma ação específica para a retirada de gado ilegal?
Rodrigo Agostinho: Ela está no nosso planejamento de fiscalização. É uma terra indígena das mais importantes, é uma das mais importantes áreas protegidas do Maranhão. No Maranhão não está sobrando nada — o que sobrou no Maranhão é a Arariboia e [a Reserva Biológica do] Gurupi. Então é muito triste o que está acontecendo lá. Os indígenas estão cada vez mais pressionados, a Funai não tem poder de polícia — os servidores da Funai não andam com armas— e acabam sendo pressionados por essas ilegalidades.
Em algumas terras indígenas, a gente também está detectando a cooptação de indígenas, não é de todos, mas de parte dos indígenas. Na Ilha do Bananal as pessoas alugam o CPF dos indígenas para colocar gado lá dentro. [Nas TIs] Munduruku e Kayapó muitos indígenas assumiram o controle do garimpo e estão garimpando lá dentro, destruindo toda a terra indígena. Então, assim, a gente acaba lidando com vários temas muito sensíveis. Mas a nossa presença é muito importante no caso desses territórios. A gente está tentando fazer assim: quase todos os garimpos que tem em terras indígenas, tem muita ação de fiscalização no entorno delas, para as pessoas sentirem a nossa presença, mesmo que seja, como eu disse, na forma de acupuntura.
Mongabay: No caso da Arariboia, além das ilegalidades dentro da TI, analisamos também o entorno nessa investigação. E a gente fez um rastreamento, justamente, dentro e no entorno mostrando isso. Porque os fazendeiros do entorno põem o gado de dia na TI e retiram à noite. E está cheio de cerca nova dentro da Arariboia.
Rodrigo Agostinho: É, ou deixam o gado lá, ficam meses e aí, antes de vender para o frigorífico, esse boi vai para uma outra fazenda, [onde] é esquentado. Eles deixam seis meses esse gado no confinamento, e aí ele é liberado para ir para o frigorífico. Ou manda para o frigorífico, e o frigorífico compra sabendo que é gado ilegal e deixa essa carne para o mercado interno.
Então a gente também percebe outros problemas que não necessariamente são problemas ambientais. Sonegação, não lança o gado lá dentro, compra gado que não foi vacinado. Tem um conjunto de irregularidades que acabam sendo acometidas nesses rincões. Em outros lugares onde a estrutura estatal já é um pouco mais avançada, a gente está percebendo mudanças já.

Mongabay: Um dos crimes derivados dos crimes ambientais é o aumento da violência. Nossa investigação da Arariboia revelou essa correlação, pois o número de assassinatos de indígenas Guajajara é muito alto.
Rodrigo Agostinho: É muito triste. E não é só lá. Tem muito indígena não-aldeado, muito indígena que foi expulso do seu território, conflito o tempo todo, por conta de madeira, por conta de ouro. Então é uma situação bem delicada.
Mongabay: Como investigações como essa auxiliam o IBAMA no trabalho de combate aos crimes ambientais?
Rodrigo Agostinho: Auxilia porque a gente não faz investigação. O IBAMA faz um trabalho forte de inteligência, a gente tenta coletar o máximo de informações a que a gente tem acesso, tem muitas pessoas que mandam denúncias para o IBAMA. Muitos dos indícios que a gente recebe a gente encaminha para a Polícia Federal, para a Polícia Rodoviária Federal, para a Polícia Civil dos estados, para o Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, para que eles possam fazer um trabalho maior de investigação. O IBAMA não quebra sigilo telefônico de ninguém, sigilo telemático, o IBAMA não quebra sigilo bancário de ninguém. Então para nós, às vezes, é muito difícil e, às vezes, um trabalho investigativo consegue puxar fios que são importantes para o dia seguinte.
E a gente tem encontrado outros crimes não ambientais ao longo desses trabalhos de investigação. Então a gente acaba encontrando casos de gente que está sendo ameaçada de morte. Às vezes a gente fiscalizou frigorífico de peixe e encontramos cocaína, sabe? Coisas que a gente acaba hoje percebendo essa mistura do crime organizado com o crime ambiental, coisa que não existia antigamente. Antigamente era roubo de terra, roubo de madeira, era aquela coisa muito primitiva. Mas hoje a gente vê, percebe grandes facções envolvidas. E aí a gente acaba precisando muito do apoio de outras instituições. Sozinho a gente não vai dar conta disso tudo.
Mongabay: Essa história também tem me chocado muito. Também tenho recebido informações sobre o crime organizado em várias partes da Amazônia.
Rodrigo Agostinho: Eles estão em todo lugar. Tem lugar que é uma coisa um pouco mais precária, em outros lugares [estão] com armamento pesado, outras coisas. Não é todo mundo como o Comando Vermelho que anda armado até os dentes. Mas essas instituições, essas milícias, estão espalhadas na Amazônia inteira. Não pegamos um único garimpeiro com a bateia. Não tem nada disso mais, é tudo grande: dragas, grandes retroescavadeiras [que valem] mais de R$ 1 milhão. Foram mais de 70 aeronaves destruídas até agora. Você destruir 70 aeronaves dentro das terras indígenas não é pouca coisa não.
Mongabay: Onde houve destruição de garimpos, vocês detectaram alguma migração desses garimpeiros para outras áreas?
Rodrigo Agostinho: Sim, eles migram. Mas muita gente desiste também. A gente encontrou muita gente em situação de trabalho análogo à escravidão. Tipo assim: o cidadão daqui de Brasília, que assiste uma série americana de garimpo na TV, acha que vai ficar rico, larga tudo, vende o Uno dele e vai para a Amazônia. [Quando ele] chega lá todo o ouro que ele encontra, ele tem que entregar para o dono da máquina, em troca de combustível, em troca de alimento, em troca da própria segurança. Em muitos garimpos a gente encontrou gente pedindo ajuda. Muita mulher vítima de escravo sexual. Eles [os garimpeiros] contratam elas [as mulheres] para cozinhar, e [elas] acabam se tornando vítimas do próprio garimpo. A gente tem encontrado muita degradação humana, não só degradação ambiental. E isso é bem complicado.
Mas não é todo garimpeiro que é aquele cara que a gente imagina. Às vezes é um cidadão daqui que abandona tudo e acha que vai ficar rico. Algumas pessoas de fato ficam ricas e depois acabam comprando terras, põem gado, é aquele ciclo que se repete. Mas a maior parte acaba sendo vítima desses grandes esquemas. Ele vai lá, ele não é o dono da retroescavadeira, ele não é o dono da draga, da balsa.
A gente percebeu [essa migração] em alguns rios amazônicos. Agora, com os rios amazônicos esvaziados, eles acabaram subindo para as cabeceiras de outros rios. A gente detectou agora recentemente muito garimpeiro subindo o rio Teles Pires, que era uma área que a gente não tinha.
Mongabay: Quais são as áreas que a gente precisa ficar atento?
Rodrigo Agostinho: A gente fica atento o tempo todo. A gente vai na região do Tapajós, Itaituba, região de Novo Progresso. Tem regiões que são mais frequentes a presença desses caras.

Mongabay: Com relação ao Congresso Nacional, quais são os principais desafios?
Rodrigo Agostinho: Esse ano a gente teve avanços. A gente conseguiu aprovar a lei do manejo do integrado do fogo, a gente conseguiu aprovar a lei de segurança química, que foi uma lei importante. O IBAMA cuida muito também de toda a questão química, agrotóxicos. Houve a aprovação agora do mercado de carbono, houve a aprovação da lei que institui os planos de adaptação climática. Nós também tivemos situações muito complicadas recentes, como a própria lei de agrotóxicos. E estamos muito ansiosos com uma possível votação da nova lei de licenciamento ambiental.
Na transição energética, teve projetos importantes, como o do combustível do futuro, do hidrogênio. E, agora, as eólicas. Eu acho que tem coisas importantes, mas também a gente fica com muito medo, porque a energia suja continua acompanhando com seus jabutis essas propostas. A gente teve mais avanços do que retrocessos, eu pessoalmente tenho essa perspectiva. Foi um ano que, no auge dos incêndios, a gente conseguiu aprovar uma lei super importante para criar uma governança sobre o fogo, que é a lei do manejo integrado do fogo. Acho que foi uma vitória muito importante.
Mongabay: Sobre esse plano de abrir escritórios, vocês têm um mapeamento?
Rodrigo Agostinho: Sim. Não é só para fazer a fiscalização, muitas vezes é para o atendimento das pessoas, as pessoas querem e precisam ser atendidas. Não é todo mundo que tem acesso à internet. Você sai daqui de Brasília [e em] 15 minutos já não tem mais sinal [de internet]. E a gente precisa ter presença no território. Um dos grandes problemas da Amazônia é que nós estamos falando de 50% do território brasileiro e de um espaço onde existe uma ausência de estado. As cidades, o tamanho dos municípios são muito grandes, as distâncias são muito grandes. A estrutura, a presença do estado sempre foi pequena. A população é baixa, variada, ou muito concentrada em grandes cidades: Manaus, Belém, Boa Vista, Rio Branco, Cuiabá. Então a gente tem essa dificuldade. Os números apontam que esse ano mais de 2 mil comunidades ficaram isoladas. Você imagina uma comunidade ribeirinha ficar sem água, uma comunidade ribeirinha ficar sem peixe? É surreal.
Imagem de destaque: Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA, detalhou à Mongabay os avanços na sua gestão e os desafios do órgão para proteger os biomas brasileiros depois de quatro anos de sucateamento e desmantelamento do órgão na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Imagem cortesia do IBAMA.
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e é membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.