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Indústria de papel e celulose investe em blockchain para cumprir a EUDR 

Imagem ©️ Marizilda Cruppe / Greenpeace.

  • A Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) afirma que o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), aplicável a partir de dezembro de 2025, não exigirá grandes mudanças nas operações do setor de papel e celulose, que já rastreia suas cadeias de suprimentos “da fazenda até a fábrica” há mais de duas décadas.

  • A EUDR exigirá que os fornecedores comprovem que produtos exportados para a UE não sejam provenientes de áreas desmatadas ilegalmente; no Brasil, especialistas dizem que isso ajudará a reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia.

  • Para atender a requisitos específicos da EUDR, empresas, como a Suzano, têm investido em blockchain e outras tecnologias de ponta, o que pode aumentar o custo por tonelada de celulose em até US$ 230. 

  • O adiamento da aplicação da EUDR de 2024 para 2025 foi recebido de forma diferente pelo setor e por especialistas em meio ambiente: enquanto a Ibá diz que isso permitirá “uma implementação mais harmoniosa e eficaz”, considerando que a regulamentação ainda apresenta “inconsistências” , especialistas dizem que não há tempo a perder, pois o desmatamento continua e a crise climática piora.

O Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em Inglês) não exigirá grandes mudanças nas operações do setor de papel e celulose do Brasil, que já rastreia suas cadeias de suprimentos “da fazenda até a fábrica” há mais de duas décadas e não se abastece de áreas desmatadas ilegalmente, afirma a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). No entanto, para cumprir com requisitos específicos da EUDR, aplicável a partir de dezembro de 2025, empresas estão investindo em blockchain e outras tecnologias de ponta, o que pode aumentar o custo por tonelada de celulose em até US$ 230, de acordo com a associação.

“Ainda que para as associadas da Ibá as adequações não tenham mudado o modelo de negócio, elas ainda assim exigiram e vão continuar exigindo maiores custos de produção”, disse a Ibá à Mongabay em uma entrevista por e-mail. A previsão da Ibá é de os custos aumentem entre US$ 40 e US$ 230 por tonelada de celulose, dependendo do tamanho e da complexidade da cadeia de suprimentos, diz a Ibá, referindo-se às estimativas da Fastmarkets RISI, um dos principais fornecedores de informações financeiras para o setor de produtos florestais.

Desmatamento na Amazônia em 2022. Imagem de Rhett Ayers Butler / Mongabay.

O Brasil exporta 4,4 milhões de toneladas de celulose para a UE por ano, um insumo utilizado na produção de papéis, embalagens, papel higiênico e outros produtos de higiene, diz a Ibá. A produção de árvores cultivadas no país está espalhada por 10,2 milhões de hectares e 1,8 milhão de árvores são plantadas todos os dias, segundo o mais recente relatório anual da Ibá. De acordo com a entidade, o setor também preserva 6,91 milhões de hectares de floresta nativa — uma área maior que o estado do Rio de Janeiro — que sequestra e armazena carbono da atmosfera, contribuindo para o combate às mudanças climáticas.

A Ibá diz que as plantações comerciais são implementadas em áreas que foram previamente antropizadas, como pastagens de baixíssima produtividade. Também alega que além de cumprir com as leis nacionais, empresas associadas à entidade que contam com certificações florestais internacionais, como FSC e PEFC, “adotadas voluntariamente pelas empresas [associadas] há muitos anos”, são sujeitas a auditorias externas anuais.

No entanto, ambientalistas argumentam que as plantações de eucalipto, não nativos do Brasil, pelo setor, prejudicam a biodiversidade, reduzem os níveis de águas subterrâneas e acarretam outros problemas socioambientais. Há também indícios de que produtores de eucalipto estejam envolvidos na grilagem de terras em comunidades indígenas e quilombolas, e incentivando o desmatamento do Cerrado.

Na visão da Ibá, a EUDR contribuirá “para uma maior transparência” nas práticas do setor e demonstrará a capacidade da indústria “de operar de maneira dissociada ao desmatamento de florestas naturais”.

Embora a rastreabilidade seja uma prática bem estabelecida no setor, diz a Ibá, o investimento em tecnologias de ponta para atender aos requisitos específicos da EUDR poderá tornar o setor capaz de “rastrear totalmente a madeira da fazenda até o produto final”.

Até pouco tempo atrás, a madeira extraída de diferentes fazendas era transformada em cavacos e enviada para a fábrica em conjunto, sem a distinção de origem específica no lote final. Para resolver esse problema, diz a Ibá, certas empresas associadas implementaram recentemente uma estratégia chamada “declaração em excesso”, que consiste em determinar as fazendas provenientes de um determinado lote de produto e garantir que todas elas estejam em conformidade. Outro ajuste, foi o uso da tecnologia para automatizar o conjunto de evidências de conformidade de cada produto em todos os estágios de transformação, acrescenta a associação.

A Suzano Papel e Celulose, uma das maiores empresas desse setor no Brasil e no mundo, afirma que está comprometida com o cumprimento da EUDR e já segue as melhores práticas de manejo florestal há muitos anos. A empresa alega que suas plantações são implantadas exclusivamente em áreas anteriormente antropizadas por outros usos de terra e que não utiliza madeira de áreas desmatadas após julho de 2020 — a data de corte da EUDR é dezembro de 2020.

Linha de produção de lenços de papel da Suzano. Imagem cortesia da Suzano.

A rastreabilidade da cadeia de fornecimento é um dos requisitos da EUDR e deve ser implementada pelas empresas como parte de seus procedimentos de diligência prévia (due diligence), ou seja, de gestão de riscos socioambientais. A Suzano diz que já conta com sistemas de rastreamento da madeira desde a origem até o produto final, que se mostraram eficientes nos processos de auditoria do manejo florestal e da cadeia de custódia, permitindo demonstrações rotineiras de conformidade com a EUDR.

A Suzano também informou que mantém registros detalhados das etapas da cadeia produtiva, desde o plantio e a colheita da madeira, passando pelo processo processamento, até a distribuição do produto final, além de auditorias para verificar a precisão e a integridade de seu sistema de due diligence. Destaca ainda que os produtos são identificados por lotes de produção e cada unidade é rastreada por meio de um código único.

No entanto, a empresa diz que está melhorando e automatizando processos para superar alguns desafios relacionados ao processamento de dados e documentação, requisitados pela EUDR.

“Além dos sistemas já utilizados pela companhia, a Suzano está desenvolvendo uma solução interna de blockchain, um sistema avançado com o objetivo de otimizar a recuperação rápida de informações e evidências, para fornecê-las aos clientes e autoridades competentes de forma segura e automática, incluindo dados de geolocalização e evidências de conformidade”, disse a Suzano à Mongabay em uma entrevista por e-mail.

Apesar da necessidade de aprimoramento em seu sistema de informação e evidências, companhia afirma que seu sistema de due diligence inclui vários tipos de avaliação de riscos que abrangem verificação documental e de campo. Dentre os quais, ferramentas geoespaciais para rastrear áreas de produção e garantir que a matéria-prima não seja proveniente de áreas desmatadas (após a data de corte) e de que não houve conversão indevida de florestas.”Sob a perspectiva comercial, a Suzano enxerga a EUDR como uma oportunidade para elevar o nível de exigência no que se refere aos padrões para produção sustentável”.

Linha de produção de lenços de papel da Suzano. Imagem cortesia da Suzano.

Além disso, a empresa afirma que avalia o histórico de fornecedores quanto a vários quesitos e monitora possíveis violações de direitos humanos e conflitos relacionados ao uso da terra. Quando riscos são identificados, medidas corretivas são implementadas para mitigá-los, que vão desde auditorias independentes, planos de reenquadramento, suporte e treinamento, até o encerramento da relação comercial, dependendo de cada caso.

Adiamento polêmico

O adiamento da aplicação da EUDR – de dezembro de 2024 para 2025 – foi recebido de forma diferente pelo setor e por especialistas em meio ambiente. A Ibá diz que o adiamento da regulamentação foi a decisão certa para permitir “uma implementação mais harmoniosa e eficaz”.

A Ibá aponta algumas “inconsistências” que exigem mais trabalho da Comissão Europeia. Uma delas é em relação a segurança das informações que serão trocadas, dada a falta de recomendações para que as empresas acessem e armazenem dados comerciais de sua cadeia de suprimentos, o que deixa em aberto o risco de vazamento e uso indevido dos dados.

Com relação aos critérios de classificação de risco para os países exportadores, a associação disse que até o momento não houve “engajamento” da Comissão para entender as realidades locais e obter informações oficiais nacionais para a determinação de risco, expondo o Brasil e outros países a “uma análise de risco desinformada e até mesmo comercialmente enviesada”.

A Ibá também apontou que uma plantação comercial de eucalipto poderia ser vista erroneamente interpretada como floresta e então classificada como desmatamento, levando em conta os critérios atuais da regulamentação.

o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) exigirá que os fornecedores comprovem que produtos exportados para a UE não sejam provenientes de áreas desmatadas ilegalmente. Imagem de Rhett Butler/Mongabay.

“A necessidade de adiamento está, na verdade, relacionada aos atrasos significativos na entrega de elementos cruciais por parte da Comissão Europeia. Apenas no último mês, foram divulgados o documento guidance e as perguntas frequentes, ou seja, a dois meses da data originalmente prevista para a entrada em vigor da norma. Além disso, a plataforma para emissão das Declarações de Due Diligence começou a ser testada em maior escala apenas em outubro, e a classificação de risco dos países segue longe de sua conclusão, mantendo todos os países na mesma categoria de risco”, disse à Ibá. Segundo a associação, isso tem gerado “frustração” entre países que esperavam ser classificados como de baixo risco.

“A EUDR é uma das regulamentações de sustentabilidade no comércio mais complexas já implementadas nos últimos anos. Qualquer falha ou desorganização nesse processo pode ter consequências sérias, incluindo o desabastecimento de mercados consumidores na União Europeia, beneficiando todas as partes envolvidas”, Ibá acrescentou.

Em geral, o Brasil tem plantado árvores para a produção de papel e celulose em áreas desmatadas antes da data de corte, diz Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon. Ele observa que, em algumas áreas de produção, há problemas com territórios indígenas, o que não está em conformidade com a EUDR. Segundo ele, é importante saber a extensão dessas áreas e não incluir os produtos provenientes das mesmas nas exportações para a UE.

Barreto diz que as políticas externas são necessárias para controlar o desmatamento ilegal no país. “O Brasil, ao descontrolar o desmatamento, entra nessa categoria de alto risco. Se o Brasil tivesse feito dever de casa e de fato controlado o desmatamento, ele não seria submetido a diligências mais severas”.

Para ele, o atraso é uma “má notícia”. “Quanto mais a gente atrasa o problema aumenta:  o desmatamento continua e a crise climática piora”, diz Barreto, destacando o aumento de evidências da crise climática diariamente como incêndios, enchentes e outros desastres naturais.

Tina Schneider, diretora de governança e políticas florestais do World Resources Institute (WRI), afirma que, embora fosse contra o atraso em princípio, mudou de opinião depois que alterações na EUDR foram anunciadas pouco antes da sua data inicial de aplicação.

Um dos pontos problemáticos é a permissibilidade de armazenamento de produtos para exportação em contêineres ou silos, o que pode dificultar a verificação de que não há mistura entre os produtos provenientes de áreas desmatadas após a data de corte e aqueles provenientes de fontes em conformidade, aponta Schneider.

Outro ponto problemático apontado é a falta de consenso entre os países sobre a definição de desmatamento. “Os países têm sistemas jurídicos diferentes, portanto não há como a UE e o Brasil, fora de uma negociação de vários anos, chegarem a um entendimento conjunto sobre o que é desmatamento legal ou não. Isso não é realista,” disse Schneider à Mongabay em uma entrevista por telefone.

Ela ressalta que esse setor já deveria estar bem preparado para a conformidade com a EUDR, pois há muito tempo está sujeito a outras legislações internacionais de due diligence, como a Lacey Act dos EUA, que item exigências semelhantes.

Para Schneider, a melhor abordagem é enquadrar a EUDR como um custo para as empresas do setor. “A natureza de uma regulamentação de due diligence é que a empresa aceita o risco de fazer negócios em um mercado que é regulamentado”, diz Schneider.

Imagem de destaque: ©️ Marizilda Cruppe / Greenpeace.

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