Há anos, as nações mais ricas do mundo prometem bilhões a países tropicais para ajudá-los a conservar suas florestas nativas — um esforço que beneficia o mundo inteiro, especialmente pelo armazenamento de carbono que essas florestas tropicais proporcionam, à medida que a crise climática se aprofunda.
No entanto, essas promessas de investimento por doadores falharam repetidamente em se concretizar. Atualmente, o déficit total de financiamento para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU está na casa dos trilhões de dólares.
Na última semana de outubro, um novo mecanismo de financiamento foi recebido com grande alarde na cúpula da biodiversidade COP16, na Colômbia. O TFFF, Tropical Forest Forever Facility, foi projetado para ser “um fundo diferente de qualquer outro”.
O projeto inovador do fundo está estruturado para entregar US$ 4 bilhões, ano após ano, a nações tropicais para incentivar esses países a manter suas florestas nativas em pé. O gestor do fundo será independente de governos e de investidores, e pode envolver grupos indígenas e comunidades locais para ajudar a administrar florestas tropicais intactas.
CALI, Colômbia — O anseio por novas formas confiáveis de financiamento para salvar florestas biodiversas em países tropicais em desenvolvimento foi palpável em um evento lotado durante a cúpula de biodiversidade da COP16 das Nações Unidas, no final de outubro.
Conhecido como TFFF (Tropical Forest Forever Facility, ou Fundo Florestas Tropicais para Sempre), esse fundo inovador está alimentando esse apetite por resultados. Trata-se de um novo mecanismo de financiamento em conservação, ainda que semelhante à forma como os bancos operam como credores.
A expectativa é que o mecanismo atraia inicialmente US$ 125 bilhões de nações e investidores (mais, se houver demanda), com o princípio de pagar um retorno sobre o investimento em um período de 20 anos. Espera-se que um desempenho médio de investimento de 5,5% ao ano gere US$ 4 bilhões ano após ano para incentivar os países tropicais a manterem suas florestas nativas intactas, árvore por árvore.
A ideia: tratar as árvores como acionistas valiosos, de acordo com o relatório lançado na ocasião. E há quem diga que já não era sem tempo, pois as florestas biodiversas fornecem diariamente ao mundo serviços essenciais que vão desde a purificação e o armazenamento de água até a moderação do clima, o habitat de peixes e animais selvagens e, o que é mais importante, o sequestro de carbono — sem nunca enviar uma única fatura à humanidade.
“Essa é uma ideia que veio do Brasil e que a Colômbia apoiou desde o primeiro dia. Isso porque é uma forma de valorizar a natureza sem transformá-la em uma mercadoria”, disse Susana Muhamad, presidente da COP16 e ministra do Meio Ambiente da Colômbia.
Sua presença no evento de 28 de outubro sinalizou a seriedade com que o lançamento do TFFF está sendo encarado. O fundo já está na pauta da Cúpula dos Líderes do G20, que reúne as nações mais ricas do mundo no Rio de Janeiro em novembro.
Na COP16, Nik Nazmi bin Nik Ahmad, ministro de Recursos Naturais da Malásia, juntou-se a Muhamad em um painel de cinco pessoas e disse: “Precisamos liberar a esperança e o amor nessas discussões financeiras, e esta é a oportunidade”.
Razan Al Mubarak, diretora administrativa da Environment Agency Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos, ressaltou seu entusiasmo pessoal e o compromisso de seu país com o TFFF com uma história:
Na cúpula climática da ONU, em novembro passado, em Dubai, Emirados Árabes Unidos, ela foi a mestre de cerimônias do evento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva divulgou pela primeira vez as linhas gerais do TFFF. Ela não tinha um intérprete, pois Lula falava em português, então observou a multidão na sala, que ficou em silêncio e extasiada, e depois explodiu em um rugido de aplausos.
“Perguntei a uma colega o que havia acabado de acontecer”, lembra Al Mubarak. “E ela respondeu: ‘História’.”
“Nós, em Dubai, sentimos que esse fundo não seria incremental”, acrescentou ela. “Não seria uma brincadeira com as margens. Esse é um fundo do tipo ‘ou vai grande, ou vai para casa’. É coisa de lenda. E ele está à altura da ocasião.”
Preenchendo lacunas de financiamento
Embora Muhamad tenha tido o cuidado de observar que o TFFF é apenas um dos muitos mecanismos de financiamento de conservação necessários, todos os fundos dependentes de doações já existentes estão lamentavelmente subcapitalizados. O Fundo Verde para o Clima, por exemplo, lançado em 2014 na cúpula climática da ONU em Lima, Peru, possui menos de US$ 70 bilhões atualmente. Deveria ter atingido US$ 100 bilhões — quatro anos atrás. E permanecer em US$ 100 bilhões anualmente todos os anos desde então.
Esse é apenas um déficit. Ao todo, os especialistas estimam que a lacuna total de financiamento para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU está na casa dos trilhões.
O TFFF preencherá apenas uma pequena parte dessa lacuna. Ainda assim, Garo Batmanian, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, que ajudou a conceber a iniciativa, disse em um comunicado: “Acreditamos que esse fundo será um divisor de águas no financiamento climático global. Essa solução beneficia tanto os países doadores quanto os países que protegem suas florestas”.
Na COP16, autoridades anunciaram que o TFFF está se aproximando da conclusão de sua fase organizacional. Ele começará a levantar capital de investimento no início de 2025 e, uma vez lançado, será administrado independentemente de qualquer país por uma entidade apolítica como o Banco Mundial. Espera-se que o fundo esteja operacional até o início da cúpula climática da ONU em novembro de 2025, que será realizada no Brasil.
Como funciona
A noção de algo como o TFFF existe há anos. Há muito tempo, os especialistas argumentam que, se realmente quisermos interromper o desmatamento nos países em desenvolvimento, as florestas precisam valer, no mínimo, o mesmo tanto que valem quando são cortadas para a produção de madeira ou desmatadas para a criação de gado ou extração de recursos. E os países tropicais com essas árvores devem ser pagos. Anualmente.
Como isso não está acontecendo, as nações tropicais nos últimos 20 anos continuaram a perder uma média de 3,64 milhões de hectares de floresta por ano. O TFFF visa desacelerar ou interromper essa perda — em breve.
Ele foi projetado para funcionar da seguinte forma: nações ricas, como Estados Unidos, Noruega, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Emirados Árabes Unidos (todos os primeiros proponentes da ideia), emprestarão, e não doarão, US$ 25 bilhões, com uma taxa fixa de retorno ao longo de 20 anos. Espera-se que esses investimentos governamentais atuem como capital-semente para que filantropos e bilionários de coração verde invistam outros US$ 100 bilhões — uma vez, não ano após ano.
O fundo será administrado com uma combinação de cautela e agressividade. A meta é que ele seja tão relativamente estável quanto os títulos do Tesouro dos EUA. “Queremos um fundo com classificação AAA”, disse Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, ao público da COP16.
Se tudo funcionar como planejado, o portfólio diversificado de investimentos retornará o suficiente para pagar aos investidores uma taxa fixa. Os ganhos acima dessa taxa, estimados em US$ 4 bilhões por ano, estarão disponíveis para cerca de 70 países tropicais em desenvolvimento para compensá-los por suas florestas intactas, maduras ou restauradas, a US$ 4 por hectare.
Os organizadores confirmaram que o monitoramento avançado por satélite verificará os hectares disponíveis em cada país para compensação. As nações receberão pagamentos anuais por 20 anos, momento em que o fundo será encerrado. Se houver desmatamento, os países serão penalizados em US$ 400 por hectare perdido em um determinado ano.
Desafios de governança e design
“Acho que é importante entender que este é um fundo diferente de todos os outros”, disse Maurico Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil, à Mongabay. “Isso é muito importante porque atrairá interesse político para um novo modelo de financiamento.”
Por mais otimista que esteja em relação ao TFFF, Voivodic — cuja ONG está ajudando no seu desenvolvimento — explicou que os desafios futuros vão além de levantar tanto dinheiro; outros elementos críticos devem ser cuidadosamente abordados: “Ainda há muitas dúvidas [sobre] quem exatamente administrará o fundo”.
Essa entidade, ele enfatizou, deve ter poderes de governança fortes, claros e transparentes. Nada de política. Sem favores. E inclusão total. Essa entidade ainda a ser selecionada precisará administrar apelos governamentais complexos com justiça, ao mesmo tempo em que deverá envolver grupos indígenas e comunidades locais, que serão chamados em muitos países tropicais para administrar florestas intactas.
“Acho que a parte da conservação, comparada aos elementos de finanças e governança, é a mais fácil de desenvolver porque é uma questão de modelagem”, disse Voivodic. Ele acrescentou que a forma como os países gastam os pagamentos anuais também precisa ser flexível, sem muitas amarras. “Se nos aprofundarmos demais nesses detalhes, perderemos muito tempo.”
No encerramento do evento no pavilhão da Colômbia, Muhamad, presidente da COP16, lembrou à multidão que, embora o TFFF possa ser parte da solução para reduzir a perda de florestas e biodiversidade, nenhuma ferramenta financeira isolada resolverá a crise global da biodiversidade.
“Precisamos pensar de forma mais ampla, [e] definitivamente precisamos de mais dinheiro público. O TFFF está respondendo a essa [necessidade] e pode criar um ecossistema de mecanismos e estratégias que nos levem ao nível de financiamento de que precisamos para realmente deter a perda de biodiversidade e aumentar nossa capacidade de fazer as pazes com a natureza”, disse ela, ecoando o lema da COP16.
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Imagem do banner: Orangotango nas florestas tropicais de Bornéu. Imagem de Marc Veraart via Flickr (CC BY-ND 2.0). Flickr (CC BY-ND 2.0).
Justin Catanoso, um colaborador regular, é professor de jornalismo na Wake Forest University, na Carolina do Norte. Sua reportagem sobre a COP16 é apoiada pelo Sabin Center for Environment and Sustainability em sua universidade.