Após cerco de mais de um mês, policiais federais abriram a porteira que impedia a circulação de acampados que lutam pela terra em Novo Progresso, no Pará.
Desde 21 de outubro, o grupo era cercado por seguranças armados contratados por grandes fazendeiros locais.
A área pertence ao assentamento de reforma agrária Terra Nossa, que acumula histórico de assassinatos e ameaças a lideranças.
Agentes da Polícia Federal estiveram nesta segunda-feira (25) no acampamento de luta pela terra instalado nas proximidades da BR-163, no município de Novo Progresso, no Pará, colocando fim a um cerco de mais de um mês. Desde o dia 21 de outubro, o grupo de cerca de setenta pessoas estava cercado por homens armados contratados por fazendeiros locais.
Três desses homens foram conduzidos à delegacia de Novo Progresso, e depois liberados. Os policiais federais também abriram a porteira que dá acesso ao local, cumprindo uma decisão judicial proferida em 4 de novembro pela Vara Agrária de Santarém e permitindo o ir e vir das famílias.
A pedido do Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), a Polícia Federal também está trabalhando em um relatório para apurar possíveis violências e ameaças contra os acampados. O MPF-PA também abriu uma investigação criminal sobre o caso, que está sob sigilo.
A área ocupada pelo grupo pertence ao Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa, mas, segundo o Incra, foi ocupada ilegalmente por Ari Friedler. O fazendeiro, que mora no Paraguai, contratou os seguranças em parceria com Bruno Heller, alvo de uma mega-operação da Polícia Federal em agosto de 2023.
Conhecido como um dos maiores desmatadores da Amazônia, Heller é acusado de grilar uma área de mais de 20 mil hectares vizinha à terra ocupada ilegalmente por Friedler. Destes, cerca de 1.900 hectares estão dentro do PDS Terra Nossa.
Segundo os acampados, na última sexta-feira (22), um avião jogou agrotóxicos na área de Heller. O veneno acabou atingindo o acampamento e várias pessoas passaram mal. Procurados pela reportagem, os advogados de Heller não se manifestaram sobre o caso.
O advogado de Friedler, Manoel Malinski, disse à Mongabay que o fazendeiro só iria se manifestar em juízo e perante a Justiça. Andreilson da Silva Cordeiro, dono da empresa de segurança Maxford Security, contratada por Friedler e Heller, confirmou à Mongabay que realizou a abertura da porteira conforme orientado pela Polícia Federal.
O PDS Terra Nossa foi criado pelo Incra em 2006 para receber mil famílias sem terra. Mas a ação dos grileiros, que converteram a maior parte do assentamento em pastagens e lavouras de soja, fez com que apenas 300 famílias tenham sido assentadas até hoje.
Com 150 mil hectares, o PDS é o epicentro da violência agrária em uma das regiões mais conflagradas da Amazônia. Somente em 2018, cinco pessoas foram assassinadas por conflitos envolvendo o assentamento, e até hoje as lideranças vivem sob ameaça.
“É uma região onde o controle da terra é feito pela violência. Quem fica com a terra não é quem tem a matrícula registrada no cartório de imóveis, é quem é mais forte e consegue expulsar o mais fraco”, disse Maurício Torres, pesquisador da Universidade Federal do Pará e especialista em conflitos de terra, durante visita ao acampamento.
Recentemente começaram a sair as primeiras decisões judiciais determinando a retirada dos fazendeiros que ocupam ilegalmente o assentamento, incluindo uma decisão contra Bruno Heller. “Temos mais de vinte ações já com liminar no PDS Terra Nossa. São mais ou menos 60 mil hectares, que, se a Justiça cumprir essas liminares, estarão disponíveis para a gente colocar as famílias”, disse Antônio José Ferreira da Silva, conciliador agrário do Incra que esteve no local em meados de outubro.
Uma vez que a Justiça determine a saída dos grileiros, as áreas serão destinadas novamente à reforma agrária. A preferência, no entanto, será das cerca de 700 famílias que já deveriam ter sido assentadas no PDS Terra Nossa, mas que foram impedidas pelos fazendeiros.
Imagem do banner:Uma equipe de 14 seguranças contratada pelos fazendeiros cercava o acampamento há mais de um mês. Foto: Fernando Martinho/Mongabay.