O governo federal Já deu início à operação de retirada dos garimpeiros ilegais da Terra Indígena Munduruku, onde vêm dizimando a saúde daquele povo e o ecossistema amazônico com contaminação por mercúrio.
Há anos, o Supremo Tribunal Federal e os povos indígenas vêm pedindo a retirada dos garimpeiros da região, com pouco sucesso; enquanto isso, outras fontes dizem que o governo teve que priorizar crises em outras terras indígenas, como o território Yanomami.
Segundo um pesquisador, a expulsão de garimpeiros de outro território Munduruku, a Terra Indígena Sawré Muybu, não pode ter início até que o presidente homologue o território.
Após anos postergando a proteção do povo indígena Munduruku contra o garimpo ilegal de ouro e o uso de mercúrio, que dizima a bacia do Rio Tapajós, o governo federal iniciou a retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Munduruku, no Pará. A operação envolve diversos órgãos federais, do Ministério da Defesa à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Os Munduruku e seu território ancestral na floresta amazônica enfrentam garimpeiros ilegais há décadas. Quando o garimpo usa mercúrio para extrair ouro do minério, a substância tóxica flui rio abaixo, afetando comunidades que bebem a água e consomem seus peixes. Estudos detectaram a presença desse metal pesado em corpos humanos, de bebês a idosos. O mercúrio afeta o sistema nervoso central, causando danos cerebrais e deformidades, atravessando a barreira placentária para chegar ao feto.
A Terra Indígena Munduruku foi homologada há duas décadas, mas os garimpeiros continuavam invadindo. Apesar de uma ordem do Supremo Tribunal Federal de 2020 para que o governo federal os expulsasse da dessa terra indígena e de outras “mais críticas” (com um novo pedido feito em 2023), muito pouco foi feito até agora.
Além do STF, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Pará vêm solicitando a retirada dos garimpeiros ilegais do território Munduruku há anos. Medindo 2,4 milhões de hectares, a TI Munduruku é a segunda maior área de garimpo ilegal em qualquer terra indígena no Brasil e abriga 6.500 pessoas.
“As comunidades [indígenas] estão exigindo ação”, diz Thaís Medeiros da Costa, procuradora federal do Ministério Público do Pará.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concentrou-se inicialmente na retirada de invasores do território Yanomami (então ocupado ilegalmente por cerca de 20 mil garimpeiros) e das TIs Apyterewa e Trincheira Bacajá (esta última ocupada por grileiros e pecuaristas).
“O governo atual pegou o Brasil completamente destruído e teve de priorizar o caso mais grave, da TI Yanomami. Mas se tivesse sido bem sucedido em fazer essa desintrusão, no tempo previsto, as outras estariam mais adiantadas”, diz Luísa Molina, coordenadora-adjunta do Programa Xingu no Instituto Socioambiental (ISA). “O trabalho demanda cooperação, e houve falta de apoio logístico dos militares, tornando o processo mais longo do que o previsto e o necessário.”
A operação
Em nota enviada à Mongabay, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou: “O governo federal irá cumprir a decisão do STF. Por se tratar de uma operação sigilosa, contudo, não somos autorizados a divulgar dados antes das operações começarem.”
Também contatado pela Mongabay, o Ibama disse que o processo de retirada “será coordenado por meio do Comitê de Desintrusão de terras indígenas, criado para cumprir a decisão do STF. Nesse contexto, as ações do Ibama seguirão o planejamento do comitê.”
O órgão acrescentou que é essencial concluir a retirada dos garimpeiros do território antes de se implementar qualquer atividade de monitoramento ambiental.
Estudos acadêmicos sugerem que as espécies de peixes predadores (topo da cadeia alimentar) que costumam ser consumidas pelos Munduruku desde pequenos apresentam os maiores teores de mercúrio devido ao consumo de outros peixes contaminados. A piranha-preta (Serrasalmus rhombeus) apresentou o maior teor entre as espécies, analisou um artigo.
“A desintrusão é um ato mais imediato, de curto prazo, mas há também necessidade de identificar as populações mais atingidas e o tratamento que será dado a elas”, diz Costa, do MPF-PA, que se refere a todas as terras indígenas contaminadas na bacia do Rio Tapajós.
“Tudo isso exige dados”, prossegue ela. “Grande parte das informações produzidas vem da academia, mas elas não se revertem em dados oficiais, que alimentem sistemas como o Sissolo [Sistema de Informação de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado] e o BDNAC [Banco de Dados Nacional sobre Áreas Contaminadas]. O Estado precisa gerar dados para a realização de políticas públicas.”
Neste mês de novembro, o Ibama e o ICMBio, órgão responsável por unidades de conservação, apresentarão os dados iniciais sobre as áreas mais contaminadas nos territórios Munduruku – homologadas ou não – da bacia do Tapajós. Isso será apresentado no Fórum Paraense de Combate aos Impactos da Contaminação Mercurial na Bacia do Tapajós, criado no ano passado pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e por organizações da sociedade civil.
Representantes dos indígenas e da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará estão participando das discussões sobre a localização das áreas contaminadas, o combate à presença de mercúrio nos rios e o tratamento dado aos indígenas.
O Ministério da Saúde informou que, entre janeiro e outubro de 2024, foram registrados no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi) 381 casos de “efeitos tóxicos do mercúrio e seus compostos” nas terras Munduruku e Sawré Muybu.
Em resposta a perguntas sobre o que o Ministério da Saúde está fazendo em relação à contaminação por mercúrio, sua assessoria de imprensa declarou que “esforços estão sendo feitos” para implementar a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, com o objetivo de regulamentar e erradicar o uso de mercúrio.
“A pasta está revisando o Plano Setorial da Saúde com representantes da academia e da sociedade civil, no Grupo de Trabalho Mercúrio. O objetivo é levantar demandas da saúde Indígena e elaborar o Plano Estratégico para Medidas de Atenção, Vigilância e Promoção Integral à Saúde das Populações Expostas ao Mercúrio, que prevê medidas para todas as fases do ciclo de vida do mercúrio, com foco especial em populações vulneráveis”, disse o ministério.
A outra terra Munduruku
De acordo com fontes da sociedade civil e de direitos humanos, a demarcação formal é fundamental para proteger as terras Munduruku dos garimpeiros.
Enquanto a Terra Indígena Munduruku é homologada, a Sawré Muybu (que também sofre os impactos da significativa contaminação por mercúrio) aguarda demarcação e homologação há mais de dez anos.
Molina, do ISA, observa que, embora enfrentem o mesmo problema com garimpeiros ilegais e estejam aguardando sua expulsão, as duas terras indígenas têm situações fundiárias diferentes.
“Segundo a legislação brasileira, a desintrusão de invasores em uma terra indígena só pode ser feita quando ela está homologada [reconhecida oficialmente por decreto presidencial], o que é o caso da TI Munduruku, mas não da Sawré Muybu. Por isso é fundamental que o governo conclua logo a demarcação do segundo território”, diz ela.
Isso sugere que a retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Sawré Muybu começará após o presidente homologar o território.
Em 25 de setembro de 2024, onze anos após a Funai concluir a identificação do território para demarcação, o Ministério da Justiça e Segurança Pública declarou a área como de posse permanente do povo na terra Sawré Muybu.
As etapas restantes são a Funai demarcar os limites administrativamente e o presidente Lula homologar o território. A Mongabay não foi informada sobre a data para a conclusão desses processos.
Imagem do banner: Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku em 2020. Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch.
Citações
De Vasconcellos, et al. (2021). Health Risk Assessment of Mercury Exposure from Fish Consumption in Munduruku Indigenous Communities in the Brazilian Amazon. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(15), 7940. https://doi.org/10.3390/ijerph18157940
Kempton, J. W., et al. (2021). An Assessment of Health Outcomes and Methylmercury Exposure in Munduruku Indigenous Women of Childbearing Age and Their Children under 2 Years Old. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(19), 10091. https://doi.org/10.3390/ijerph181910091
Bello, T. C. S., et al. (2023). Mercury exposure in women of reproductive age in Rondônia State, Amazon region, Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 20(6), 5225. https://doi.org/10.3390/ijerph20065225
De Oliveira, et al. (2021). Neurological impacts of chronic methylmercury exposure in Munduruku Indigenous adults: somatosensory, motor, and cognitive abnormalities. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(19), 10270. https://doi.org/10.3390/ijerph181910270