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Desmatamento na Amazônia ameaça sobrevivência das abelhas que polinizam orquídeas

Abelha-das-orquídeas da espécie Euglossa viridissima. Foto via Wikimedia Commons.

  • As abelhas-das-orquídeas, que ajudam a polinizar espécies de pelo menos 30 famílias de plantas, incluindo a castanha-do-brasil, e têm um papel importante na agricultura brasileira, já estavam ameaçadas há tempos pelas mudanças de uso da terra.

  • Dados dos anos 1990 coletados em Rondônia mostram que o avanço simultâneo do desmatamento e da agricultura reduziu a abundância e diversidade das abelhas-das- orquídeas na região.

  • Analisados num estudo recente, os dados sugerem que o declínio na diversidade e na abundância das abelhas acontece após apenas uma década de mudanças no uso da terra.

  • Cientistas revisaram dados antigos coletados em mais de 130 locais para obter uma média mais abrangente da biodiversidade das abelhas-das-orquídeas, uma vez que a região continua enfrentando o desmatamento.

Com corpos azul e verde metálicos e asas iridescentes, as abelhas-das-orquídeas não são só insetos carismáticos. Elas são polinizadores especializados em florestas tropicais desde o México até o Brasil, e as principais responsáveis pela reprodução da castanha-do-brasil. Mas as abelhas-das-orquídeas também são um indicador de como o desmatamento e as mudanças no uso da terra afetam os ecossistemas e a biodiversidade, como sugere um estudo recente realizado em Rondônia.

Embora a perda de habitat não afete apenas polinizadores, as abelhas-das-orquídeas (gênero Euglossini) estão entre “os mais espetaculares, peculiares e economicamente importantes polinizadores que existem, uma vez que têm o potencial de chamar a atenção do público e dos formuladores de políticas”, diz o autor que liderou o estudo, J. Christopher Brown, professor de Geografia e Ciência Atmosférica na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, acrescentando que as abelhas podem ser “as garotas-propaganda perfeitas” para a conservação da Amazônia.

A pesquisa, publicada recentemente na revista Biological Conservation, analisou como a mudança de uso do solo afeta a quantidade, a variedade e a composição das espécies de abelhas-das-orquídeas ao longo do tempo em vários locais no estado de Rondônia, na Amazônia.

Mapa da área do estudo, com as zonas de coleta de amostras (1-12) e a localização de 130 locais de amostragem no estado de Rondônia. Imagem cedida pelos autores do estudo

A região é marcada por florestas neotropicais, fazendas de gado e pela produção de café, cacau, grãos, milho e castanha-do-brasil. Quando uma área é destinada para o uso humano, seja como pasto para pecuária ou para a agricultura, ela é, primeiramente, desmatada. Isso retira a cobertura de árvores, impedindo que muitas das espécies que dependem da diversidade de recursos consigam encontrar o que precisam. No caso das abelhas-das-orquídeas, que dependem de muitas fontes de alimentação diferentes, e cujos machos geralmente frequentam determinadas espécies de plantas para coletar perfumes para o acasalamento, a perda de vegetação é um problema gravíssimo.

Quando os dados foram coletados, entre 1996 e 1997, Rondônia estava entre as regiões mais diversas para as abelhas-das-orquídeas no mundo. Mas, entre os anos 2000 e 2023, Rondônia perdeu 27% de sua cobertura florestal, de acordo com a Global Forest Watch. E o desmatamento não está desacelerando. Em apenas uma semana, de 20 a 27 de maio de 2024, houve 127.301 alertas de desmatamento registrados no estado.

Espécime do gênero Euglossa coletado durante o estudo em Rondônia. Foto: Ismael Hinojosa/KU Biodiversity Institute

Para determinar como a ocupação do solo, a agricultura e o desmatamento afetam a espécie, Brown e sua equipe revisaram os levantamentos das abelhas feitos entre setembro de 1996 e setembro de 1997. Embora a coleta dos dados tenha acontecido quase 30 anos atrás, eles não tinham sido analisados até agora. “É muito gratificante finalmente ver a conclusão desse trabalho. Se os dados são bem coletados, documentados e analisados, eles nunca perdem a validade”, diz Brown.

Em vez de contar as abelhas-das-orquídeas em um fragmento de terreno durante um longo período de tempo, como acontece na maioria dos estudos desse tipo, eles coletaram abelhas de 130 locais em Rondônia. A amostra de mais de 2 mil abelhas, de 48 espécies diferentes, incluiu indivíduos de duas novas espécies ainda não catalogadas, e de quatro espécies que ainda não tinham sido registradas em Rondônia: Eufriesea violascens, Euglossa decorata, Euglossa ioprosopa e Euglossa viridis.

Ao comparar áreas conservadas a áreas que foram desmatadas antes e depois de 1981, os pesquisadores encontraram o maior número e diversidade de espécies de abelhas-das-orquídeas em unidades de conservação. Áreas que foram ocupadas mais recentemente, a partir de 1981, registraram abundância e diversidade médias de abelhas, enquanto as áreas ocupadas há mais tempo, antes de 1981, tiveram os valores mais baixos nesses dois quesitos.

O pesquisador J. Christopher Brown anota dados de GPS durante saída de campo para estudo sobre as abelhas-das-orquídeas nos anos 1990. Foto cedida pelos autores do estudo

“Nas unidades de conservação, encontramos 3,4 vezes mais espécies do que numa área de ocupação antiga, e 1,9 vezes mais espécies do que nas áreas ocupadas mais recentemente [em comparação com outras áreas ocupadas]”, diz Brown. “Esses números dão ideia do quanto o número de espécies cai quando você sai de áreas de floresta para áreas que foram desmatadas e ocupadas.”

Como as abelhas-das-orquídeas precisam de muitos tipos diferentes de plantas para se alimentar, fazer ninhos e acasalar, elas são consideradas indicadores das condições ambientais. As descobertas sugerem que, independentemente de uma área ter sido destinada à pecuária ou à agricultura há 10 ou 30 anos, as abelhas podem não encontrar mais os recursos de que necessitam.

Sem polinizadores saudáveis, a economia agrícola entra em colapso juntamente com os ecossistemas naturais. “Se estamos perdendo essas abelhas, é provável que estejamos perdendo muitas outras espécies”, conclui Brown.

Abelhas-das-orquídeas capturadas numa rede. Foto cedida pelos autores do estudo

Breno Freitas, zoólogo da Universidade Federal do Ceará, que não esteve envolvido no estudo, diz que os resultados não surpreendem.

“A maioria das pesquisas é feita em áreas fragmentadas porque é caro, demorado e difícil acessar áreas de floresta na Amazônia. Mas o que esse artigo traz de diferente é que eles não trabalharam com uma ou duas amostras, mas sim com muitos locais diferentes em situações muito diferentes. Esse tipo de dado tem muito mais chance de representar a realidade do que uma pesquisa fragmentada. Seria ótimo se pudéssemos ter mais trabalhos como esse”, conclui Freitas.

Daniel Souto Vilaros, pós-doutorando em Biologia da Universidade Estadual de Utah, nos Estados Unidos, que não esteve envolvido no estudo, diz que, embora a contagem não seja recente, fornece uma média importante para a biodiversidade na região, que pode ser comparada ao estado atual das abelhas-das-orquídeas à medida que o desmatamento e o avanço da agricultura continuam.

“Se eles replicarem o estudo agora, o fato de esses dados serem antigos será uma vantagem. Eles poderiam tentar encontrar áreas que foram desmatadas mais recentemente. Acho que seria interessante replicar o estudo ao longo do tempo e ver se o resultado se mantém. Acho que este seria o próximo passo”, disse Souto Vilaros.

A Brazil nut.
Abelhas-das-orquídeas são fundamentais para a propagação da castanha-do-brasil. Cerca de 300 mil pessoas na Amazônia brasileira dependem da cadeia de produção da castanha para sobreviver. Foto: Allan Hopkins via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

O taxonomista Marcio Luiz Oliveira, do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (Inpa), que foi responsável por identificar as espécies de abelhas coletadas no estudo, espera continuar trabalhando com as abelhas-das-orquídeas na Amazônia porque ainda há muitas áreas que estão na mira da agricultura e da pecuária. “Gostaríamos de estudar as abelhas nessas áreas antes da devastação”, diz Luiz Oliveira.

Brown e seus colegas esperam que os resultados inspirem outros pesquisadores a testar diferentes métodos para mensurar a biodiversidade. “Você não precisa ficar em um fragmento de floresta durante um ano inteiro; você pode ir para várias áreas diferentes durante um período mais curto e aprender muito sobre determinada espécie”, diz Brown.

A pesquisa sobre as abelhas-das-orquídeas e as abelhas sem ferrão, ouro grupo de abelhas brasileiras, continua fornecendo um retrato mais amplo e detalhado dos polinizadores nativos da Amazônia.

“O monitoramento regular dessas populações pode nos ajudar a ver com mais clareza os impactos da destruição da biodiversidade da qual dependemos para nossa sobrevivência, e trabalhar com as partes interessadas para garantir que esses polinizadores continuem existindo em nossas vidas”, diz Brown.

Ele acrescenta que, embora não conheça nenhum caso de reversão do declínio das espécies de abelhas-das-orquídeas, é essencial desacelerar o desmatamento e a fragmentação do habitat para que os recursos de que as abelhas necessitam para nidificar e se alimentar possam sustentar as populações existentes e futuras e permitam a continuidade do fluxo genético. Para as abelhas-das-orquídeas, isso inclui a manutenção das flores das quais coletam perfume para acasalar.

“Pode parecer piegas, mas os polinizadores são essenciais para a sobrevivência humana”, diz Brown. “E com uma abelha tão bonita, podemos atrair o interesse das pessoas para conhecerem mais, pois esses polinizadores são muito importantes para ajudar as pessoas a entenderem que estão conectadas a tudo ao seu redor.”

Imagem do banner: Abelha-das-orquídeas da espécie Euglossa viridissima. Foto via Wikimedia Commons

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