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Desmatamento desacelera na Mata Atlântica, mas fragmentação aumenta

Trecho de Mata Atlântica na floresta da Tijuca, Rio de Janeiro. Foto: Anacarla az, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

  • Segundo estudo que analisou a dinâmica da Mata Atlântica entre 1986 e 2020, os níveis de desmatamento se mantiveram estáveis desde 2005; houve aumento de 1 milhão de hectares de floresta desde então.

  • Pesquisadores atribuem o fato ao cumprimento de legislações criadas no período, como a Lei da Mata Atlântica, e ao abandono de áreas rurais, levando à regeneração natural da vegetação.

  • A má notícia é que, no mesmo período, a Mata Atlântica se tornou mais fragmentada: 97% das “ilhas” de floresta tem menos de 50 hectares de área.

Quando os primeiros europeus desembarcaram das suas caravelas no litoral do que hoje é o estado da Bahia, se depararam com uma floresta exuberante, rica em biodiversidade, que se estendia do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Desde então, as populações humanas começaram a avançar sobre o que é hoje conhecido como Mata Atlântica, derrubando-a para extrair commodities e abrir pastos, lavouras e estradas.

Apesar de tudo, a Mata Atlântica resiste. Um estudo, realizado por pesquisadores vinculados a universidades e instituições do Brasil, Argentina, Inglaterra, Noruega e Nova Zelândia, que analisou a dinâmica da vegetação do bioma durante 34 anos, de 1986 a 2020, trouxe boas notícias – mas também más.

O trabalho mostrou que nesse período houve, de maneira geral, desaceleração do desmatamento e aumento da conectividade entre seus fragmentos. Em contrapartida, o aspecto negativo é o aumento da fragmentação da floresta, com 97% das “ilhas” de mata tendo, em média, menos de 50 hectares.

Para realizar o estudo, os pesquisadores usaram uma delimitação ampla da Mata Atlântica, que inclui áreas do Brasil, Argentina e Paraguai, além de porções de vegetação que se espalham para o interior do país, em regiões sobrepostas ao Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal.

“Também utilizamos dados do MapBiomas com alta resolução espacial, analisando os anos de 1986, 1990, 1995, 2000, 2005, 2010, 2015 e 2020”, acrescenta o ecólogo Maurício Vancine, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), líder da equipe.

Somado a isso, foram considerados dois tipos de cobertura vegetal: vegetação florestal (floresta, mangue e restinga) e vegetação natural (a mesma, somada a outras não florestais, como savana, gramíneas e campos). “Além disso, tendo em vista a alta densidade de infraestruturas lineares, como estradas e ferrovias ao longo da Mata Atlântica, que tendem a subdividir os grandes fragmentos, o trabalho ainda considerou o efeito de borda”, explica Vancine.

O chamado efeito de borda é um conjunto de alterações nas beiradas de uma mata, causadas pela abertura de clareiras ou pelo desmatamento em seu entorno. Quando um fragmento de mata fica cercado por áreas abertas, ocorre um aumento da incidência de luz solar nas suas bordas, o que, por sua vez, provoca um aumento da temperatura do solo e diminuição da umidade do ar. Além disso, devido à abertura das áreas no entorno, as árvores que estão na borda do fragmento ficam mais expostas ao vento, o que as torna mais vulneráveis à queda

De acordo com o pesquisador, o estudo constatou que os remanescentes de Mata Atlântica somam 22,9% de vegetação florestal e 36,3% de vegetação natural, em comparação à extensão original do bioma. Isso representa uma diminuição, respectivamente, de 2,4% e 3,6% desde 1986. As rodovias e ferrovias afetaram principalmente os fragmentos maiores, com mais 500 mil hectares, reduzindo o seu tamanho entre 56% e 94%.

O período anterior a 2005, por sua vez, foi caracterizado por perda de 3% da vegetação florestal e 3,4% da natural, além da diminuição do número de fragmentos da vegetação florestal.

Em contrapartida, após 2005, a vegetação se estabilizou, com recuperação de 1 milhão de hectares de vegetação florestal (0,6% a mais). Isso tem a ver com o aumento do tamanho de fragmentos já existentes e à formação de quase 385 mil novos fragmentos. “Para a vegetação natural, houve uma desaceleração na perda da vegetação, caindo 0,25% entre 2005 e 2020, comparado a uma redução de 3,4% no período entre 1986 e 2005”, acrescenta Vancine.

Fragmentos de Mata Atlântica em área de usina de cana-de-açúcar no interior de Pernambuco. Foto: Tarciso Leão, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

Cumprimento de leis favoreceu a regeneração

Para os pesquisadores, esse aumento da vegetação florestal foi provavelmente devido a dois processos concomitantes: regeneração natural e ações locais de restauração. Dentre as medidas de proteção, houve, entre 2004 e 2006, três leis criadas para a proteção da vegetação da Mata Atlântica. No Brasil, foi promulgada Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006) e alterada a Lei de Proteção da Vegetação Nativa em 2012 (Novo Código Florestal). Na Argentina, foi criada a Lei Florestal em 2007 e, no Paraguai, a Lei Desmatamento Zero em 2004.

Ainda no Brasil, o Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que exige informações ambientais de propriedades rurais privadas. Isso contribuiu para que houvesse um processo de regeneração natural da Mata Atlântica, aliado a fatores como transição florestal, ou seja, áreas sem aptidão agrícolas ou mal manejadas, que perderam sua função produtiva e foram abandonadas.

“Além disso, houve migração da população rural para as cidades, causando abandono de áreas antes utilizadas para agricultura familiar”, diz Vancine. “Outro fator importante foi a consolidação da produção agrícola que atendeu à legislação, principalmente Áreas de Preservação Permanente (APPs) no entorno de riachos, lagos e nascentes, além das Reservas Legais.”

Segundo a pesquisadora Renata Muylaert, da Universidade Massey, na Nova Zelândia, integrante do grupo, os resultados do estudo demonstraram a relevância da legislação ambiental para frear o desmatamento e promover o aumento de vegetação florestal, principalmente a partir de 2006.

“Esse ganho de vegetação é importante, mas precisamos ficar atentos aos objetivos de desenvolvimento sustentável e aos planos estratégicos discutidos durante a COP15, que nos guiam em relação ao compromisso de preservar a vida na Terra e proteger 30% de área terrestre e aquática até 2030”, ressalva ela.

Para ela, é necessário que se analise o contexto da Mata Atlântica como um todo, pensando em configuração espacial dos fragmentos e conectividade geral da floresta, para informar iniciativas de restauração que busquem um mesmo objetivo geral, como manter a biodiversidade e maximizar a provisão de serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas.

De acordo com os pesquisadores, a má notícia é que, apesar da desaceleração do desmatamento do e ganho de floresta, a Mata Atlântica ainda é um domínio altamente descontínuo, com 97% dos seus fragmentos abaixo de 25 hectares de área. “As áreas protegidas e territórios indígenas cobrem apenas 10% da vegetação do bioma, e a maior parte delas se encontra a mais de 10 km de distância”, diz Vancine.

O físico Bernardo Brandão Niebuhr, especialista em Ecologia e Biodiversidade do Instituto Norueguês de Pesquisa Ambiental, que também participou da pesquisa, tem outra ressalva. De acordo com ele, apesar de terem sido registradas novas áreas regeneradas ou restauradas de floresta, também se verificou a continuação da fragmentação e da subdivisão da vegetação já existente.

“No geral, quando se olha para os tamanhos médios dos fragmento, eles continuaram decrescendo ao longo do tempo, até 2020”, explica. “Ou seja, apesar da diminuição do desmatamento, devido tanto à restauração como à regeneração, de maneira geral, a Mata Atlântica continua a ser fragmentada.”

Imagem do banner: Trecho de Mata Atlântica na floresta da Tijuca, Rio de Janeiro. Foto: Anacarla az, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

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