Na sequência da seção anterior, Killeen explica as particularidades dos setores extrativistas no Brasil e no Peru.
Em ambos os países, as operações de mineração, apesar de contarem com o apoio de grandes empresas internacionais, ainda enfrentam dificuldades que vão desde as queixas sociais até os efeitos do desmatamento em seu próprio modelo de negócios.
Ouro, minério de ferro e potássio estão entre os minerais mais extraídos na Panamazônia.
Vale SA
A segunda empresa mais valiosa do Brasil é também a quinta maior corporação global de mineração. Em 2022, ela foi classificada no sistema de ESG da Refinitiv como a melhor em sua classe de “mineradoras diversificadas” (1 de 615). Essa pontuação é notável, considerando que a Vale está sendo processada pela SEC por enganar deliberadamente os investidores sobre seus riscos relacionados a ESG antes dos desastres com a lagoa de rejeitos em Brumadinho em 2019. Ironicamente, essa alta classificação é uma consequência direta desse desastre, que levou a uma queda de 50% no preço de suas ações e à demissão de seu CEO. Posteriormente, a empresa investiu em várias iniciativas de ESG de alto nível, especialmente o monitoramento aprimorado das instalações de armazenamento de rejeitos, a remediação acelerada de passivos ambientais e a criação de programas de compensação para as comunidades afetadas por suas operações.
A Vale opera a segunda maior mina de minério de ferro do mundo no distrito de Carajás, no centro-sul do Pará. Mesmo antes de Brumadinho, as preocupações com ESG já haviam motivado a empresa a desenvolver um sistema de gerenciamento de rejeitos secos na mina de minério de ferro S11D no complexo Carajás Serra Sul. Outras características ligadas à sustentabilidade no local incluem um layout espacial que colocou 97% de suas instalações industriais em pastagens previamente desmatadas fora da reserva florestal onde as concessões de mineração estão localizadas. As inovações industriais incluem um sistema de transporte de minério que elimina o uso de caminhões movidos a diesel, o que reduz a emissão de carbono em cerca de 50%. De acordo com relatórios corporativos, a mina S11D é um modelo de como a Vale cumprirá seu compromisso de ser carbono líquido zero até 2050.

Como parte de uma estratégia ESG mais ampla, a Vale está implementando iniciativas de conservação de água e investindo em energia renovável em todas as suas operações. Isso inclui a compra de eletricidade da polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, e da usina hidrelétrica de Estreito, no Rio Tocantins.
Não há planos de abandonar os sistemas de gerenciamento de rejeitos dependentes de água ou os sistemas de transporte de minério por caminhão nas minas de minério de ferro em Carajás Serra Norte ou nas minas de cobre em Salobo e Sossego.
A empresa inspecionou todas as suas barragens de rejeitos e relatou falhas de engenharia em apenas um local no distrito de mineração de Carajás: uma mina de ouro abandonada conhecida como Igarapé Bahia, que foi posteriormente descomissionada e descaracterizada em 2021. Outras ações ambientais tomadas pela empresa incluem a conservação de um milhão de hectares de floresta nativa, que ela administra em coordenação com o serviço de parques nacionais do Brasil (ICMBio), e um compromisso de ajudar os proprietários de terras locais a reflorestar 100.000 hectares de pastagens degradadas até 2030.
Controvérsias sociais acompanharam a recente expansão no valor de US$ 1,5 bilhão da ferrovia de 1.000 quilômetros da empresa, que passa ao lado das comunidades indígenas Awá, Guajajara e Ka’apor no Maranhão. A acusação de poluição da água na mina de níquel Onça Puma levou a uma ação legal em nome do grupo étnico Kayapó. A Vale respondeu a essas e outras reclamações com uma estratégia legal que nega responsabilidade, enquanto negocia acordos de compensação com as partes prejudicadas.
A Vale detém o direito de explorar minerais em centenas de concessões adquiridas por meio de leilões públicos ao longo de várias décadas. Em muitos casos, seus direitos minerais subterrâneos se sobrepunham aos direitos acima do solo de territórios indígenas formalmente constituídos. Essa contradição se tornou um sério problema de relações públicas quando o governo Bolsonaro tentou enfraquecer a proteção legal das terras indígenas. Em 2021, a Vale renunciou formalmente aos seus direitos a qualquer concessão que se sobrepusesse a terras indígenas e reafirmou seu compromisso com o conceito de FPIC.
Mineração do Rio Norte (MNR)
Uma iniciativa de sustentabilidade que antecede o investimento em ESG é a restauração do habitat da floresta tropical na mina de bauxita de Trombetas, em Oriximiná, Pará, que é operada pela MNR, uma joint venture entre a Vale e outras quatro empresas: South32, Rio Tinto, Companhia Brasileira de Alumínio e Norsk Hydro (5%). O consórcio evitou grande parte da controvérsia em torno da mina de Carajás ao se comprometer com um ambicioso projeto de restauração florestal. Nas últimas quatro décadas, o MNR restaurou cerca de 7.000 hectares de terras recuperadas de uma enorme mina de extração que consumiu cerca de 15.000 hectares de habitat natural de floresta tropical. A mina está programada para encerrar suas operações em 2025 e, presumivelmente, acabará restaurando cerca de 75% da área total afetada.
Outras alegações de sustentabilidade incluem uma usina industrial que recicla oitenta por cento da água utilizada e protocolos de gerenciamento de rejeitos por meio de uma série concatenada de lagoas que cobrem cerca de 1.300 hectares. As lagoas individuais foram projetadas para serem desidratadas e desativadas à medida que a mina envelhece; no entanto, é improvável que qualquer uma das lagoas seja passível de cultivo de árvores, muito menos de restauração de um habitat natural. Após a tragédia de Brumadinho, a empresa revisou suas barragens de contenção e informou que todas eram estruturalmente sólidas e projetadas para resistir a um evento de chuva de 10.000 anos. Se elas falhassem, impactariam o habitat da floresta natural adjacente, mas não representariam uma ameaça às comunidades próximas.
Mineração Taboca SA
A mina Pitinga, de propriedade da Mineração Taboca SA, no estado do Amazonas, explora o mais rico depósito de estanho do mundo. Ela operou como subsidiária do Grupo Paranapanema de 1979 a 2009, quando foi adquirida pela Minsur SA, uma empresa de médio porte que administra várias minas polimetálicas nos Andes peruanos. A Minsur adere aos padrões internacionais de sustentabilidade e fornece uma visão geral relativamente detalhada de suas práticas em seus relatórios anuais. A empresa é grande o suficiente para merecer a atenção das agências de classificação ESG com pontuações que refletem seus esforços para relatar e monitorar os impactos ambientais e sociais de suas operações no Peru (157 de 615). No entanto, essas pontuações podem não refletir com precisão os significativos passivos ambientais e sociais da mina de Pitinga.
A mina foi operada durante as três primeiras décadas usando tecnologias de mineração de placer que destruíram milhares de hectares de mata ciliar em terras que antes pertenciam à nação indígena Waimiri-Atroari. Essa tribo indígena icônica sobreviveu a um ataque genocida dos militares na década de 1960 e foi despojada de um terço de seu território pelas concessões de mineração concedidas à Mineração Taboca. Após sua compra, a Minsur abandonou as operações de mineração de aluvião e transferiu a produção para uma mina de rocha dura a céu aberto. Em vez de remediar os rejeitos antigos e isolar os rejeitos produzidos a céu aberto, os novos proprietários converteram as minas de placer abandonadas em uma instalação ad hoc de tratamento de água. As minas de aluvião abandonadas/lagoas de rejeitos estão localizadas nas cabeceiras da bacia hidrográfica do Rio Alalaú, que drena para o oeste em direção às terras indígenas.

Os Waimiri-Atroari apresentaram reclamações às autoridades ambientais questionando a eficácia do regime de gerenciamento de rejeitos e forneceram evidências factuais de vazamentos de substâncias nocivas. A empresa respondeu atestando a integridade estrutural de quinze barragens que são os principais componentes de seu sistema de gerenciamento de resíduos, que canaliza a água por uma série concatenada de lagoas com níveis decrescentes de sedimentos em suspensão. As imagens de satélite mostram que há pelo menos sessenta lagoas interconectadas que cobrem mais de dois mil hectares, todas localizadas em planícies de inundação que foram destruídas anteriormente por minas de aluvião.
Provavelmente, quando a mina de Pitinga for fechada, daqui a 25 anos, todas essas lagoas serão desidratadas, desativadas e descaracterizadas.
Potássio do Brasil Ltd.
A Potássio do Brasil Ltd. apregoa suas credenciais ESG afirmando que suas futuras operações substituirão as importações de fertilizantes com uso intensivo de carbono da Rússia, Belarus e Canadá. A empresa, que foi incorporada no Brasil, é uma criação da Forbes & Manhattan, um banco de investimentos canadense que fornece capital de risco para empresas de mineração em áreas novas. Se forem bem-sucedidos, os promotores abrirão uma mina de potássio em escala industrial em Autazes, perto da junção dos rios Madeira e Amazonas.
Os benefícios ambientais da mina de potássio nacional baseiam-se, em grande parte, nas estimativas das reduções de emissões de GEE obtidas com a substituição das importações de fertilizantes de sistemas de produção baseados em combustíveis fósseis por fertilizantes fabricados com a abundante energia hidrelétrica da Amazônia. Essas reduções de GEE, que são significativas, seriam aumentadas por reduções decorrentes da diminuição das emissões de transporte e do deslocamento de geradores a diesel usados pelas comunidades locais devido à expansão da rede elétrica regional.
Os oponentes se opõem por motivos ambientais e sociais, argumentando que o local da mina está em uma área ecologicamente frágil (planície de inundação da Amazônia) e causaria impacto nas aldeias indígenas e ribeirinhas próximas. A empresa alega que a pegada espacial será minimizada porque os rejeitos serão devolvidos aos poços subterrâneos e a água será reciclada para reduzir os impactos nos habitats da planície de inundação. Um dos principais pontos de discórdia são os acordos com as comunidades locais. A empresa afirma que cumpriu as regulamentações brasileiras ao obter o consentimento de comunidades individuais, mas as organizações indígenas afirmam que o consentimento não foi obtido por meio de um processo aberto e informado. Aparentemente, a empresa não optou por participar de nenhuma das iniciativas de avaliação de ESG, apesar de suas alegações ostensivas de incorporar os princípios de ESG no centro de sua estratégia de desenvolvimento proposta.

Aço Verde do Brasil (Grupo Ferroeste)
O primeiro produtor mundial de “aço verde” é a empresa familiar Aço Verde do Brasil, que utiliza biomassa como fonte de energia térmica e carvão vegetal como agente redutor no processo de fabricação do aço. A usina siderúrgica da empresa está localizada em Açailândia (Maranhão) e obtém seu carvão vegetal de biomassa de 15.000 hectares de plantações de eucalipto localizadas nos municípios vizinhos. A empresa recebeu o prêmio ESG Breakthrough Award (Categoria Global Metals) na conferência da S&P Global Platts em 2021, em reconhecimento à sua produção de aço com emissões (quase) zero de GEE. A Aço Verde (Green Steel) comercializa uma variedade de aço com uma pegada de GEE de 0,02 toneladas de CO2 por tonelada de aço, em comparação com uma usina convencional movida a carvão com 1,85 toneladas de CO2 por tonelada de aço.
Embora anunciado como uma realização pioneira, o uso de carvão vegetal de biomassa pelo setor metalúrgico no Brasil é comum há décadas, principalmente nas usinas de ferro-gusa que concentram o minério de ferro bruto em lingotes de ferro fundido. Na última metade do século XX, a conversão de “resíduos de madeira” em carvão vegetal para as empresas siderúrgicas foi um importante fluxo de receita para os proprietários de terras que estavam desmatando a floresta natural para criar fazendas de gado. Esse mercado quase legal terminou em 2005, quando as políticas governamentais levaram a uma redução drástica no desmatamento e forçaram as empresas a mudar as matérias-primas de energia para uma mistura de carvão e biomassa cultivada.
O antecessor corporativo da Aço Verde (Gusa Nordeste) era um grande consumidor de carvão vegetal de desmatamento, mas a empresa controladora (Grupo Ferroeste) previu o fim do desmatamento descontrolado e começou a plantar eucaliptos já em 1993. A usina siderúrgica e suas plantações associadas estão localizadas em um município altamente desmatado, onde menos de trinta por cento da floresta natural original é conservada. No entanto, a empresa atesta que toda a matéria-prima para carvão vegetal é originária de propriedades com cerca de 40% de floresta natural e que todos os fornecedores estão em conformidade com o Código Florestal e com a cota exigida de Área Permanente de Preservação (APP). A empresa também relata um portfólio impressionante de programas de desenvolvimento comunitário em esportes, saúde e educação, incluindo a criação de uma escola técnica em artes industriais.
Newmont Corporation
A maior mineradora de ouro do mundo, a Newmont Corporation, opera duas minas em escala industrial na Pan-Amazônia: Yanacocha, em Cajamarca, Peru, e Merian, no distrito de Sipaliwini, no Suriname. A Newmont está sediada nos Estados Unidos e tem uma classificação ESG de cinco (de 615) na classe de mineradoras diversificadas e sete (de 120) na classe de mineradoras de metais preciosos. Ela alavancou seu status de ESG exaltado emitindo um título “verde” de US$ 1 bilhão que pagará uma taxa de juros premium se a empresa não seguir um caminho explícito de reduções de GEE: ~30% de redução até 2030.
A mina Yanacocha é um amplo complexo de múltiplos poços que se estende por mais de 5.000 hectares nas terras altas semiáridas dos Andes Centrais. Ela foi inaugurada em 1993 e suspendeu as operações em 2022. O local da mina é notável pela ausência de lagoas de rejeitos, uma consequência da tecnologia de lixiviação em pilha usada para extrair ouro. A mina de Merian foi inaugurada em 2016 e cobre apenas cerca de 500 hectares; no entanto, é cercada por lagoas de captação que cobrem mais 1.000 hectares, o que reflete a tecnologia de lixiviação de tanques usada em usinas industriais com alto índice de chuvas. Apesar das diferenças de tecnologia, ambas as minas seguem os padrões internacionais de gerenciamento de cianeto; a empresa informa que recicla cerca de 77% da água usada em suas plantas de processamento.
Ambas as minas são essencialmente máquinas de fazer dinheiro e proporcionam benefícios econômicos consideráveis aos países que as abrigam. Como uma mineradora de ouro de grande visibilidade, a Newmont está particularmente atenta ao risco de reputação associado a conflitos sociais e, de acordo com seus compromissos de ESG, aloca recursos significativos para o desenvolvimento da comunidade. No entanto, ocasionalmente, ela precisa ser lembrada dos limites de seu poder.

Em 2016, a empresa abandonou mais de uma década de planejamento para estender a vida útil do complexo Yanacocha; conhecido como Projeto Conga, a empresa tinha planos de escavar uma série de minas a céu aberto em uma montanha adjacente. Esses planos foram interrompidos por uma agricultora de subsistência, Máxima Acuña de Chaupe, que se recusou a entregar sua pequena fazenda familiar à gigante da mineração e seu poderoso parceiro peruano (Compañía de Minas Buenaventura).
A empresa subsidiária da Newmont despejou sua família à força e a levou ao tribunal por ocupar ilegalmente sua própria terra. A Sra. Acuña foi considerada culpada, recebeu uma sentença de prisão “suspensa” e foi multada em US$ 2.000. A Suprema Corte do Peru anulou essa sentença e restaurou seus direitos de propriedade. Essa lição de humildade custou à empresa pelo menos US$ 1 bilhão e interrompeu um investimento avaliado em US$ 12 bilhões. Também mostrou por que um processo de consulta (FPIC) bem executado é do interesse de uma empresa de mineração, pois protegerá a empresa da incompetência e da má conduta de seus próprios funcionários ou, nesse caso, de um parceiro de negócios.
Eneva SA
A Eneva SA, empresa de energia diversificada de crescimento mais rápido no Brasil, está buscando acessar os mercados financeiros de ESG oferecendo soluções para apoiar a transição energética. Ela tem um portfólio crescente de projetos de energia solar, mas a maior parte de suas receitas é derivada de ativos que dependem de carvão, gás e energia hidrelétrica. Na Amazônia, gera receitas por meio de uma cadeia de suprimentos “reservoir to wire” que converte gás natural de poços próprios em eletricidade gerada em suas próprias usinas de serviços públicos; comercializa a eletricidade diretamente para consumidores de varejo e industriais por meio da rede pública de energia. Essa estratégia é complementada pela tecnologia de gás natural liquefeito (GNL) para conectar campos de gás isolados a mercados urbanos e industriais ainda não integrados às redes de gasodutos.
Nos últimos cinco anos, a Eneva adquiriu seis ativos de energia na Amazônia brasileira, incluindo o complexo energético de Parnaíba no Maranhão (em Santo Antônio dos Lopes), o campo de gás de Azulão no leste do Amazonas (em Silves) e as concessões de desenvolvimento de Juruá na bacia do Solimões no centro do Amazonas (em Tefé e Carauari). Em fevereiro de 2022, inaugurou a usina Jaguatirica-II em Roraima (Boa Vista), que é abastecida com GNL do campo de gás Azulão.
O investimento da Eneva em sistemas de transporte de GNL é inédito no Brasil, onde se importa GNL para atender à demanda de energia quando os recursos hidrelétricos do país ficam estressados durante as secas periódicas. Visto dessa perspectiva, os ativos de gás natural da Amazônia central são um ativo cada vez mais valioso, o que explica a aquisição da concessão de Juruá pela empresa em 2020. A concessão do Juruá tem uma estimativa de 700 bilhões de pés cúbicos (bcf) de gás natural que foi descoberto pela Petrobras na década de 1990.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 5 aqui: