Na Grande Florianópolis, em Santa Catarina, o projeto Raízes da Cooperação combina ações de restauração, educação ambiental e pesquisa científica para conservar 10 hectares de mangues e restingas.
Os manguezais são ecossistemas tropicais que existem entre o mar e o rio, numa condição única de água salobra, e são encontrados em quase todo o litoral brasileiro.
Com grande potencial de estoque de carbono e essenciais na contenção da erosão costeira, os manguezais são fundamentais nas estratégias das cidades litorâneas para mitigar as mudanças climáticas e se adaptar às suas consequências, como o aumento do nível do mar.
Mangues-vermelhos, brancos e pretos são três árvores típicas de um ecossistema tropical que existe entre o mar e o rio, numa condição única de água salobra – o meio do caminho entre o que define a água doce e a salgada. Nessa zona de transição sujeita às marés, as plantas se adaptaram desenvolvendo estruturas próprias para respirar embaixo d’água e se agarrar melhor ao solo lodoso, por meio de raízes escoras. São essas árvores que dão nome aos manguezais, ecossistemas possíveis de serem encontrados em quase todo o litoral brasileiro.
Considerados berçários da vida marinha, com espécies que também migram para o alto-mar, os manguezais são fundamentais na cadeia produtiva da pesca – tanto artesanal quanto comercial.
Assim como qualquer outro ecossistema, os manguezais geram serviços naturais dos quais as pessoas se beneficiam, como sequestro de carbono – até 15 vezes mais do que as florestas – e proteção contra o impacto das ondas do mar, que podem provocar erosão em locais onde não existe mais vegetação nativa. Porém, esses recantos biodiversos estão sendo cada vez mais ameaçados pela urbanização, espécies exóticas invasoras, lançamento de esgoto, incêndios e mudanças climáticas.
Sendo grandes sumidouros de carbono, aliados na redução de danos causados por enchentes e essenciais na contenção da erosão costeira, prevenindo impactos do avanço do nível do mar, os manguezais desempenham papel importante na adaptação das regiões costeiras aos impactos das mudanças do clima.
Devido à inevitável elevação do nível do mar e ao aumento da frequência e da intensidade de tempestades, as cidades costeiras precisam de investimentos e medidas de adaptação, com foco na redução de riscos e minimização dos impactos causados por eventos climáticos extremos.
Segundo projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, o nível do mar deve subir 20 cm até 2050, se o aumento da temperatura média global ficar abaixo de 2 ºC.
Pode parecer pouco, mas essa elevação causará problemas maiores de erosão costeira e indica que futuras inundações chegarão a lugares mais altos que não eram alcançados antes, atingindo mais pessoas e provocando mais estragos. O aumento do nível do mar está associado ao aquecimento dos oceanos, o que por sua vez interfere no sistema de chuvas, provocando eventos climáticos mais potentes.
Com o objetivo de conservar o que resta dos manguezais na ilha de Santa Catarina, onde fica Florianópolis, capital do estado, e contribuir para a gestão do território, uma rede de instituições públicas, organizações da sociedade civil, unidades de conservação e membros da comunidade se uniu no projeto Raízes da Cooperação, que tem como foco a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
O projeto contempla três pilares: restauração, educação ambiental e pesquisa científica, o que o torna pioneiro no estado com essa magnitude – no Brasil todo, conta-se nos dedos de uma mão a quantidade de iniciativas que trabalham com manguezais.
“O projeto tem essa tríade, uma preocupação socioeconômica que vem responder algumas questões relacionadas às mudanças climáticas atuais, como, por exemplo, de que maneira os ecossistemas costeiros e as cidades costeiras vão ser impactados com o aumento do nível do mar”, afirma Dilton de Castro, da ONG Ação Nascente Maquiné (Anama) e coordenador-geral do projeto.
A equipe fixa tem cerca de 15 pessoas, de cinco instituições: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), Agência de Gestão e Educação Ambiental (Agea), Anama e Instituto Çarakura.
Mangues no lugar de pínus
Os manguezais alvo da restauração estão na bacia hidrográfica com o maior índice populacional de Santa Catarina, onde também se localizam as principais nascentes de água para abastecimento da Grande Florianópolis. A abrangência do projeto se estende por áreas protegidas dos municípios de Palhoça, São José e da capital, que abrigam comunidades tradicionais indígenas Guarani Mbyá e pescadores artesanais, entre outros grupos sociais.
Estando agora no terço final do seu período de vigência – de fevereiro de 2023 até fevereiro de 2025 –, o projeto conta com parceria do Programa Petrobras Socioambiental para realizar ações de restauração ecológica de manguezais e também restingas, com controle de espécie exótica e revegetação; educação ambiental e mobilização social, via seminários, cursos, oficinas, encontros e mutirões; e duas pesquisas científicas sobre fixação de carbono e aumento do nível do mar.
As ações do projeto têm sido realizadas nas unidades de conservação e entorno do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (Palhoça), Estação Ecológica Carijós e Reserva Extrativista Pirajubaé (Florianópolis) e na Terra Indígena Morro dos Cavalos (Palhoça).
As ações de conservação e restauração acontecem em Palhoça, num total de 10 hectares, sendo sete de manguezais em duas ilhas, uma no Rio da Madre e a outra no Rio Maciambu, e 3 hectares de restinga no entorno do Centro de Visitantes do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.
Essas ações incluem o corte de quase 8 mil m² da espécie exótica pínus (já realizados numa área correspondente a sete campos de futebol), o plantio de 3 mil mudas de espécies nativas de manguezal e restinga ao longo do ano em cinco mutirões (onde será usado adubo derivado da biomassa de pínus cortados), além de diagnóstico e monitoramento ao longo de todo o projeto.
Os benefícios diretos da restauração geram outros indiretos, capazes de promover a proteção e a resiliência de um total de 55 hectares de manguezais, restingas, banhados e florestas na região. “É como o corpo humano. Se você está com um problema no joelho, deixa de fazer várias atividades, então afeta o sistema como um todo, mas a partir do momento que você cura o problema, você tem um corpo são”, explica Dilton sobre o conceito de resiliência, que expande os efeitos da conservação in loco.
A equipe espera ampliar e fortalecer a proteção dos manguezais e restingas contando com a participação das pessoas da comunidade – no primeiro ano, foram 600 envolvidos, que devem totalizar 2 mil até o fim do projeto.
A frente de educação ambiental já realizou um seminário de lançamento do projeto na Assembleia Legislativa, oito oficinas de restauração ecológica, oficinas sobre combate a incêndios florestais, além de um curso teórico e prático de capacitação para o desenvolvimento da Ciência Cidadã para gestores e professores, que gerou o desenvolvimento de iniciativas das comunidades do entorno da Estação Ecológica Carijós, Reserva Extrativista Pirajubaé e Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.
O curso terá mais duas etapas este ano e vai culminar com um seminário de apresentação dos projetos. Também está em andamento uma formação continuada sobre meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) para quatro aldeias na Terra Indígena Morro dos Cavalos.
Respostas para o combate à crise climática
Com apoio do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia da UFSC, duas pesquisas estão sendo desenvolvidas ao longo do projeto, com o objetivo de compreender de forma mais detalhada a contribuição da conservação e da restauração dos manguezais para a mitigação e a adaptação às mudanças do clima – além de ameaçaram os manguezais com o aumento do nível do mar, o aumento da temperatura média do planeta está expandindo as áreas tropicais, fazendo com que os manguezais avancem em direção ao sul do estado.
Em nível de mestrado, os pesquisadores querem comparar o potencial de sequestro e estoque de carbono em manguezais naturais e naqueles que cresceram em áreas aterradas da Grande Florianópolis. Para isso, coletaram amostras de solo em quatro pontos de manguezais, sendo dois naturais e dois criados (chamados assim porque surgiram a partir de áreas criadas, que são os aterros hidráulicos).
O objetivo do estudo é saber se os manguezais criados têm a mesma capacidade dos naturais em estocar carbono na biomassa do solo. “O solo dos manguezais tem alta capacidade de estoque de carbono, por isso optamos pelas análises principais serem do solo e não das raízes e folhas”, explica a bióloga e bolsista do projeto, Aline Zanetti.
O manguezal pode acumular de 50 a 90% do seu carbono no solo, porque a pouca presença de oxigênio leva a uma taxa baixa de decomposição da matéria orgânica – é essa característica que potencializa o sequestro de carbono dos ecossistemas costeiros em relação às florestas terrestres. As raízes dos manguezais também serão coletadas e analisadas ao longo da pesquisa, para ver se existe o mesmo potencial de estoque de carbono nas raízes dos mangues criados e dos naturais.
A outra pesquisa, em nível de pós-doutorado, vai elaborar projeções das áreas sujeitas à inundação costeira na Grande Florianópolis, com base em perspectivas futuras dos impactos das mudanças climáticas. A pesquisa está desenvolvendo uma base de dados geográfica da região para colaborar no processo de diagnóstico, monitoramento e restauração ecológica do projeto, e os resultados do mapeamento devem ajudar a subsidiar estudos de vulnerabilidade e de ocupação futura na região. Os resultados da pesquisa serão divulgados em artigo científico e também em um livro inédito sobre os manguezais do sul do Brasil.
“A partir das análises espaciais feitas por meio de sensoriamento remoto e geoprocessamento, cruzamos essas informações com as políticas públicas: planos de bacias, planos de saneamento, planos diretores, planos de manejo e gerenciamento costeiro”, detalha Luiz Pimenta, geógrafo e bolsista de pós-doutorado.
As análises que ele e a equipe já fizeram sobre os planos diretores das cidades demonstram que as zonas de expansão urbana estão justamente nas áreas suscetíveis à inundação. “Quanto mais o mar subir, o que está relacionado ao aquecimento do planeta, mais esses eventos extremos de chuva, de tornado e de erosão costeira vão se intensificar, e a política pública está criando cenários futuros, que são cenários de desastre. A projeção de ocupação das áreas é um negócio assustador”, avalia Pimenta.
Na região hidrográfica 08 de Santa Catarina, que abrange a área de 22 municípios, com destaque para a região metropolitana de Florianópolis, 60% das áreas urbanas já sofrem com a inundação das chuvas.
“Os riscos para as cidades costeiras é o aumento desses eventos de chuva cada vez mais fortes, o que está ligado ao acontecimento do planeta, com as curvas dos eventos extremos passando de 300 mm para 700 mm de chuva, e a elevação do nível do mar. Pensando que as cidades estão crescendo e que vai ter mais gente morando nas zonas de inundação, a tendência é aumentar a vulnerabilidade das comunidades, a não ser que se construam políticas públicas de prevenção efetiva para mudar isso”, explica Pimenta.
Medidas de adaptação e mitigação climática incluem soluções baseadas na natureza, de reabilitação e restauração de ecossistemas vulneráveis a eventos extremos, possibilidade de realocar as pessoas, além da criação de mecanismos e meios para as comunidades suportarem esse tipo de evento (ações não estruturantes, como educação ambiental, e também estruturantes, como muros e diques).
Em conjunto, é preciso investimento em pesquisas, como as que o projeto está realizando. O conhecimento do potencial de estoque de carbono e da reabilitação e restauração dos manguezais é fundamental para a elaboração das estratégias das cidades costeiras para mitigar as mudanças climáticas e se adaptar às consequências, além de proteger a biodiversidade de um ecossistema único e contribuir para a manutenção dos modos de vida de comunidades tradicionais.
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Imagem do banner: Manguezal na Ponta da Daniela, península no norte da Ilha de Santa Catarina que possivelmente desaparecerá com o aumento do nível do mar. Foto: Raízes da Cooperação/divulgação