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Como pagar pela proteção de florestas tropicais: entrevista com Tasso Azevedo

  • Uma nova iniciativa liderada pelo Ministério do Meio Ambiente planeja recompensar financeiramente os conservadores das florestas tropicais do planeta.

  • Em entrevista à Mongabay, um dos idealizadores do sistema, Tasso Azevedo, detalha as engrenagens do mecanismo, chamado de Florestas Tropicais para Sempre.

  • As nações que se adequarem receberão um valor fixo por hectare de floresta preservado ou recuperado, mas o valor será abatido caso permitam desmatamento.

  • O governo brasileiro estima que sejam necessários 250 bilhões de dólares para iniciar a operação.

Diante do desafio global de acabar com o desmatamento das florestas tropicais e da falta de recursos compatíveis para a tarefa, o governo brasileiro lançou no final de 2023, na COP28, nos Emirados Árabes Unidos, um mecanismo de estímulo para a conservação de florestas. Como? Criando um instrumento de pagamentos por hectare de floresta preservada ou recuperada aos responsáveis pela sua preservação. Se um hectare acabar desmatado em vez de preservado, ocorre o contrário: o proprietário da terra deixa de receber o equivalente a cem vezes o valor do hectare preservado.

“As florestas tropicais são fundamentais para a biodiversidade”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, no lançamento do mecanismo na COP28. “Elas são um grande repositório de inúmeras espécies e responsáveis pelo equilíbrio hídrico. Precisamos de mecanismos para protegê-las. Além das leis, dos esforços e dos incentivos no âmbito de cada estado nacional, é fundamental que haja um mecanismo global de pagamento pelos serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas tropicais. Cerca de 80 países que possuem florestas tropicais, entre eles países vulneráveis, [devem ser] remunerados por cada hectare de floresta preservado e por cada hectare de floresta restaurado”, Silva disse.

Tasso Azevedo, criador do Fundo Amazônia e do MapBiomas, sistema de mapeamento anual de cobertura e uso da terra, acredita que é fundamental a criação de um mecanismo global de pagamento pelos serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas tropicais. Foto MapBiomas Brasil.

O governo brasileiro espera levantar 250 bilhões de dólares com a iniciativa, especialmente de fundos soberanos. “Por que falamos de fundos soberanos? Mundialmente, os fundos soberanos detêm U$S 12 trilhões, sendo que os 13 maiores fundos estão com 8 países que detém US$ 8,8 trilhões. A gente sabe que a maior parte dos fundos soberanos foram capitalizados com a venda de petróleo e combustíveis fósseis”, explicou o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian, no lançamento do mecanismo.

O valor é apenas uma sugestão inicial e há alguns critérios para os países tropicais participarem do mecanismo, explicou à Mongabay Tasso Azevedo, um dos idealizadores do sistema, batizado como Florestas Tropicais para Sempre. Entre eles, o país deve apresentar uma taxa de desmatamento baixa, que ainda será também confirmada pelo Ministério do Meio Ambiente.

O mecanismo foi recebido com interesse da imprensa durante a COP28, mas até agora não há adesão formal de países. “Para que esse Fundo seja eficaz, ele deve estar alinhado com a legislação ambiental existente nos países,” disse Mirela Sandrini, diretora de Florestas, Uso da Terra e Agricultura do World Resources Institute (WRI) Brasil, em uma declaração publicada no site da organização. “No caso do Brasil, é essencial que o Fundo beneficie os Indígenas e outras populações locais que são guardiões dos territórios com maior cobertura florestal e dependem dos produtos e serviços das florestas. O foco do fundo na proteção da área florestal, em vez de se concentrar apenas em evitar as emissões de carbono, garante que a biodiversidade e outros serviços ecossistêmicos sejam tratados como metas igualmente importantes”, conclui.

Idealizador do Fundo Amazônia, que recebe doações para apoiar projetos de conservação, Azevedo diz que o novo mecanismo não será um fundo, mas um sistema que tem grande potencial de preservar as florestas de 80 países no mundo. A expectativa é de que o instrumento já esteja ativo na COP30, que será realizada em Belém, Pará, em 2025.

Tasso Azevedo, 51 anos, é engenheiro florestal. Em 2003, foi convidado por Marina Silva a integrar a equipe do Ministério do Meio Ambiente no primeiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, onde criou o Serviço Florestal Brasileiro, o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAm) e o Fundo Amazônia. Azevedo deixou o governo em 2010, e nos anos seguintes lançou o Sistema de Estimativa de Emissão e Remoção de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e o Projeto Brasileiro de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura do Solo (MapBiomas), dos quais é coordenador-geral.

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva durante o evento de apresentação do mecanismo na COP 28. Foto Fernando Donasci / MMA.

Azevedo conversou com Mongabay em 17 de janeiro por vídeo. Confira trechos da conversa, editada para fins de clareza.

Mongabay: Como surgiu a ideia do Florestas Tropicais para Sempre?

Tasso Azevedo: A ideia original nasceu em 2010, dois anos após a criação do Fundo Amazônia. O objetivo era criar um mecanismo que não precisasse demonstrar redução de emissões em larga escala para a obtenção de recursos financeiros, como no caso do Fundo Amazônia. Incentivar a conservação das florestas, mas desconectando o mecanismo à questão do carbono.

As florestas tropicais representam 1,4 bilhão de hectares [3,4 bilhões de acres] no planeta e, além de imensas depositárias de carbono, elas provêm outros benefícios importantes, como manter a temperatura média global 1°C abaixo, abrigar inúmeras espécies e serem responsáveis pelo equilíbrio hídrico [da Terra].

Com o novo governo e a volta de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente, em 2023, criou-se novamente um ambiente propício para levantar essa conversa, que virou uma proposta lançada na COP28.

Mongabay: Qual é o conceito do mecanismo?

Tasso Azevedo: O Florestas Tropicais para Sempre – Mecanismo de Proteção das Florestas Tropicais fará pagamentos anuais aos países participantes que conservarem ou restaurarem as suas florestas. Não haverá medições complexas envolvidas, como a absorção de carbono, a conservação da biodiversidade ou outros serviços ambientais. Será considerada apenas a cobertura florestal preservada. Qualquer país com florestas tropicais — são 80 no mundo — pode participar. O objetivo é acabar com o seu desmatamento até 2030.

Será um instrumento fácil de implementar e muito orientado à conservação. Não há necessidade de uma linha de base [um plano dividido em fases, com cronograma etc.] ou de calcular um valor diferente por floresta.

Mongabay: Qual será a base do pagamento?

Tasso Azevedo: Todos os hectares de vegetação tropical terão o mesmo valor, não importa se a floresta está no Acre, no Brasil, ou em Achém, na Indonésia. O importante é que se conserve ou restaure o hectare, que será a medida padrão do pagamento.

Mongabay: O valor a ser pago por hectare de floresta foi definido?

Tasso Azevedo: Será cerca de US$ 30 por hectare preservado. Se um país manteve 1 hectare [2,4 acres] do início ao fim de um ano, ele receberá US$ 30. Se conservou 1 milhão de hectares [2,4 milhões de acres], receberá US$ 30 milhões. Mas se desmatar 1 hectare, será descontado o equivalente a 100 hectares. Se cada hectare vale US$ 30, ele deixará de ganhar US$ 3 mil. Esse é o diferencial do mecanismo: se desmatar, o país terá um desconto grande do que tem a receber pela conservação de suas florestas, em uma proporção de 1 para 100. Será um grande incentivo para não desmatar. Ou recebe X por manter, ou deixa de receber 100X se desmatar.

A floresta amazônica, localizada em oito países da América do Sul e na Guiana Francesa, território ultramarino da França, será um dos beneficiários do mecanismo. © Daniel Beltrá / Greenpeace,

Mongabay: Esse valor seria o definitivo?

Tasso Azevedo: O valor sugerido originalmente foi de US$ 30, mas pode ser ajustado para mais ou para menos no curso das discussões. Em algumas modelagens o Ministério do Meio Ambiente usou US$ 25 por hectare. Eu gosto do número 30, com ele é mais fácil de fazer contas e é compatível com valores que se imagina receber no mercado de carbono, embora o mecanismo não gere nenhum crédito de carbono.

Mongabay: Que problema o governo brasileiro está tentando resolver com esse mecanismo?

Tasso Azevedo: O Pacto Climático de Glasgow, assinado em 2021 por todos os países signatários do Acordo de Paris, definiu uma meta muito objetiva, reduzir as emissões de carbono em até 45% até 2030. Para atingi-la, o pacto estabeleceu diretrizes como a conservação e restauração dos ecossistemas. Apesar disso, ele não resultou na mobilização de recursos em larga escala para a proteção das florestas tropicais. Os recursos existentes são insuficientes, de acesso muito complicado, burocrático e com distorções perversas. Por exemplo, no mercado de carbono que envolve o REDD+ você tem que provar adicionalidade, isto é, provar que qualquer redução nas emissões seja adicional às reduções que ocorreriam se esse projeto não existisse. Logo, em áreas que sempre foram protegidas, como é o caso de muitas terras indígenas, não há como demonstrá-lo. Já quem desmatou muito pode provar que reduziu emissões parando de desmatar.

Mongabay: Como os países florestais tropicais podem se habilitar para receber o dinheiro?

Tasso Azevedo: Haverá três condições para eles se qualificarem:

O desmatamento de um ano tem que ser menor em relação ao ano anterior; os países devem manter o desmatamento abaixo da taxa que for definida, por exemplo, menor do que 0,5% em relação à área florestal do país; e eles devem possuir mecanismos internos para que a maioria dos recursos se destine à floresta em uma proporção de 1 para 100, como explicado anteriormente. E usar métodos confiáveis de medição de cobertura florestal. Se um país não tiver um sistema de medição, pode utilizar um sistema global. Medir cobertura florestal é relativamente simples e direto por meio de sensoriamento remoto.

Mongabay: Uma vez que um país é qualificado, quem pode participar para ser compensado financeiramente?

Tasso Azevedo: Produtores rurais, proprietários privados, indígenas, quilombolas, estados, prefeituras, quem estiver gerindo ou protegendo florestas: cada país decidirá.

Mongabay: O que aconteceria se um país, depois de tornar-se participante, vir o seu desmatamento aumentar para mais de 0,5%?

Tasso Azevedo: No ano em que o país não atender ao critério, ele não receberá recursos. Isso faz com que todos no país estejam interessados que o desmatamento caia.

Desmatamento na Terra Indígena Karipuna, Rondônia. O mecanismo a ser lançado pelo Ministério do Meio Ambiente compensaria financeiramente áreas de florestas protegidas, como terras indígenas e quilombolas. © Christian Braga / Greenpeace.

Mongabay: Cerca de quantos países com florestas tropicais possuem mecanismos de alocação dos recursos que seriam ganhos?

Tasso Azevedo: Não sei, pois o mecanismo ainda não existe. Mas eu diria que pelo menos metade dos 80 países teria capacidade de criar mecanismos de alocação em um curto espaço de tempo.

Mongabay: Quando o Florestas Tropicais para Sempre será lançado oficialmente? Há um prazo?

Tasso Azevedo: Idealmente ele deveria ser montado ao longo deste ano para começar a operar em 2025, de forma a ter impacto até 2030, quando se tem a meta de acabar com o desmatamento nos trópicos. A ministra Marina Silva quer que o mecanismo já esteja em funcionamento na COP30.

Mongabay: Como o mecanismo obteria os recursos para os pagamentos?

Tasso Azevedo: A entrada de recursos pode vir de diversas formas. O mecanismo poderia trabalhar, por exemplo, com um fundo de investimento do Banco Mundial, que capta recursos e paga em torno de 3%, 4% ao ano. O que render a mais, a diferença de rentabilidade, iria para o pagamento dos conservadores das florestas. Um fundo de investimento, no entanto, [começa a funcionar] no médio prazo, leva tempo para levantar dinheiro. Por isso, outra fonte de recursos anterior ao fundo, um mais rápido [de ser angariado], seriam os pledges setoriais, compromissos de setores econômicos em aportar recursos para uma causa, sem necessariamente terem um retorno em termos de crédito de carbono ou outro tipo de retorno.

Os pledges poderiam ser de qualquer indústria, petróleo, carvão, mineração, carne, etc. Existem 1 bilhão de hectares de florestas tropicais no mundo. A demanda seria, portanto, de US$ 30 bilhões por ano [se o valor por hectare de floresta conservada for US$ 30]. No caso do petróleo, se a produção mundial de um determinado ano foi de U$ 30 bilhões, e se os produtores pagarem US$ 1 por barril produzido, teríamos o valor necessário, por exemplo.

Mongabay: Sobre os possíveis contribuidores, você deu o exemplo da indústria petrolífera. Embora não seja da mesma natureza em relação ao mecanismo, o Fundo Amazônia é sustentado principalmente pela Noruega, um grande produtor de petróleo. As contribuições a esse mecanismo global não seriam um incentivo para essa indústria, no caso, seguir produzindo combustíveis fósseis? Ela pode alegar que o dinheiro do petróleo estaria contribuindo para preservar as florestas.

As Colinas de Mavecure (Cerros de Mavecure) estão rodeadas pela floresta amazônica colombiana e perto das fronteiras com a Venezuela e o Brasil. Foto Friedrich Kircher CC BY 3.0.

Tasso Azevedo: Não, pois a ideia é que isso seja transitório enquanto se monta o fundo fiduciário [acordo legal criado para gerenciar os bens de uma organização], que permite receitas contínuas no médio e longo prazos. Aquele seria um pledge por um tempo determinado, por exemplo de 2025 a 2030. Também é bom lembrar que não geraria créditos de carbono ou de biodiversidade para compensar os impactos desses setores.

Mongabay: Já há interessados na parte de captação de recursos?

Tasso Azevedo: O processo ainda não chegou nessa fase.

Mongabay: Qual seria o próximo passo? Que países florestais já demonstraram interesse em participar?

Tasso Azevedo: Sob o ponto de vista da sociedade global, entendo que o próximo passo é debruçar-se sobre a proposta brasileira para começar a formatá-la e viabilizar a sua implementação. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o governo já tratou o tema sobre a construção do mecanismo com os chanceleres dos oito países da Amazônia, do Congo Brazzaville, da República Democrática do Congo e da Indonésia.

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