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Brasil tem prejuízos de até US$ 3 bilhões anuais causados por espécies invasoras, alerta estudo

Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), espécie transportada por navios que traz milhões de dólares em prejuízos para combate a danos na indústria elétrica. Foto: Boltovskoy, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

  • Registros de 476 espécies exóticas invasoras no Brasil, das quais 268 animais e 208 de plantas e algas, tiveram como principais portas de entrada a navegação marítima, a introdução de plantas ornamentais e o comércio de animais de estimação.

  • Nativas majoritariamente da África, da Europa e do Sudeste Asiático, essas espécies estão presentes em todos os biomas do país, mas em mais alto grau na Mata Atlântica e em menor escala na Amazônia.

  • Somente 16 espécies causaram prejuízos de 77 a 105 bilhões de dólares (média anual de 2 a 3 bilhões de dólares) entre 1984 e 2019. Mesmo parecendo expressivos, os dados são considerados subestimados.

  • Em três anos, o estudo envolveu mais de cem especialistas de 40 instituições de pesquisa; eles defendem ações educativas e políticas públicas de prevenção, controle e mitigação.

Do tucunaré que migrou dos rios da Amazônia para as regiões Sul e Sudeste, levado pela pesca esportiva, às controversas produções em larga escala de tilápia para a alimentação humana e de pínus e eucalipto para abastecer as indústrias de papel e celulose, são inúmeros os exemplos da presença de espécies exóticas invasoras no Brasil.

Além de competirem por espaço e nutrientes com as espécies nativas, entre outros impactos ambientais, as plantas, os animais e os microrganismos introduzidos pela ação humana, de forma intencional ou acidental, provocam diversos  prejuízos econômicos ao país.

É o que revela o Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. A publicação foi lançada no início de março pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês).

No Brasil há registros de 476 espécies exóticas invasoras, das quais 268 de animais e 208 de plantas e algas, presentes em todos os biomas, sendo a Mata Atlântica a mais afetada e a Amazônia com presença em menor escala.

Desse total, 16 espécies levaram a prejuízos econômicos de 2 a 3 bilhões de dólares por ano entre 1984 e 2019, principalmente causados por pragas agrícolas e disseminação de doenças. Os dados foram calculados a partir de informações disponíveis, mas ainda são considerados subestimados pelos cientistas envolvidos.

Entre essas espécies estão a mosca-branca (Bemisia tabaci), o javali e seus híbridos (Sus scrofa), a rã-touro (Lithobates catesbeianus), o mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei) e os mosquitos do gênero Aedes, transmissores de dengue, febre amarela, zika vírus e chinkungunya.

A rã-touro (Lithobates catesbeianus), espécie de origem norte-americana, foi introduzida no Brasil para produção de carne e se espalhou por todos os biomas, disseminando doenças às quais os anfíbios nativos não têm resistência, causando inclusive extinção de espécies. Foto cedida por Magno Segalla

As espécies invasoras se destacam entre as cinco principais causas de perda de biodiversidade global. Somadas a fatores como mudanças climáticas, poluição, destruição de habitat e sobre-exploração da natureza, elas têm como principal porta de entrada o comércio de plantas ornamentais e de animais de estimação, segundo aponta o estudo.

Mas a invasão biológica leva tempo para se estabelecer, podendo ser caracterizada por etapas como o transporte de espécies de suas áreas de ocorrência, a sobrevivência após ultrapassarem barreiras geográficas e a expansão pela reprodução, como destacado durante a coletiva de lançamento por Michele de Sá Dechoum, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, uma das coordenadoras do diagnóstico.

Andrea Junqueira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e também integrante da equipe de coordenação, ressalta que os países da África, da Europa e do Sudeste Asiático representam as principais rotas de comércio de espécies exóticas com o Brasil, sobretudo de animais para o consumo humano. Ela acrescenta que, embora as invasões biológicas se expandam, em geral, em ambientes degradados, parte do problema também ocorre em áreas protegidas. No país, cerca de 30% dos registros estão em Unidades de Conservação.

“A floresta amazônica, felizmente, é uma das menos invadidas [entre os ecossistemas terrestres], enquanto a Mata Atlântica e os Pampas são muito invadidos. Já a Caatinga, que representa um dos semiáridos mais populosos do mundo, é onde temos menos estudos de espécies exóticas invasoras”, analisa Junqueira.

Distribuição dos principais mamíferos exóticos invasores no Brasil. Imagem: Rosa et al. (2017)

Impactos econômicos negativos 

Mário Orsi, professor da Universidade Estadual de Londrina, também integrante da equipe de coordenação do relatório, afirma que são inúmeros os impactos negativos causados pelas invasões biológicas à conservação da biodiversidade, à saúde humana, à economia e às atividades socioculturais.

“De quase 500 espécies, 239 resultaram em 1.004 registros de evidências de impactos negativos e 33 impactos positivos apenas pontuais e de curta duração. A maioria das espécies causadoras de impactos negativos foi introduzida internacionalmente”. Como exemplos, ele menciona tucunaré, javali, caracol-gigante-africano e camarão-da-malásia. “Tudo isso é preocupante porque a saúde humana e a dos ecossistemas estão interconectadas”, alerta.

Segundo Orsi, a partir desses impactos podemos ter o surgimento de pandemias e epidemias. “Nos sistemas não-biológicos, podemos ter alterações na qualidade de água e na estrutura e propriedade do solo, enquanto nos sistemas biológicos temos a redução da biodiversidade, a extinção de espécies e a descaracterização de habitat”, exemplifica.

Como preocupações manifestadas pela professora Andrea Junqueira, se destacam a maior resiliência das espécies invasoras aos efeitos da crise climática e as perspectivas de aumento demográfico — o que, consequentemente, demandará a expansão da produção de alimentos, favorecendo as invasões biológicas.

Moscas-brancas (Bemisia tabaci) em folha de melancia. Originário da Ásia, o inseto é uma das maiores pragas agrícolas. Foto:  CSIRO, CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

Ela também ressalta as questões socioculturais que dificultam o entendimento da sociedade sobre os prejuízos causados por animais como cães e gatos exóticos, devido aos componentes afetivo e econômico envolvidos no processo.

Como parte do problema no Brasil, para a professora, há um grande equívoco de formuladores de políticas públicas que incentivam a criação de peixes como a tilápia, ou o afundamento de estruturas como navios, tanques e até aviões, para servirem como recifes artificiais, iniciativa classificada como outra “porta de entrada de espécies invasoras” que se soma às mais usuais.

Fora do Brasil, um grande exemplo foi a construção do Canal de Suez, que introduziu espécies exóticas do Mar Vermelho para o Mar Mediterrâneo. Algo semelhante ocorreu aqui com o transporte do mexilhão-dourado, originário da China, por águas de lastro de navios cargueiros. Graças à facilidade do molusco em se fixar em estruturas rígidas, ele costuma causar grandes danos obstruindo tubulações e equipamentos de instalações hidrelétricas.

Prevenção é a melhor estratégia, afirmam especialistas

O professor Mário Orsi afirma que há um conjunto de estratégias que pode ser aplicado conforme o processo de invasão biológica e destaca que a agilidade nas ações pode contribuir para minimizar impactos. Mas reitera que a prevenção ainda representa a melhor iniciativa.

Para a professora Michele Dechoum, uma das mensagens-chave do diagnóstico envolve a necessidade de se construir uma política nacional dirigida a essa temática, ainda que já existam normativas pulverizadas e fragmentadas em diferentes esferas governamentais no país. Diante de muitos interesses econômicos envolvidos, ela defende uma regulamentação.

Em nível global, existe a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), principal tratado internacional sobre a agenda da biodiversidade, da qual o Brasil é signatário. Nesse contexto, foi definida a Meta 6 de redução de 50% da introdução de espécies invasoras até 2030 como uma das 23 metas do Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal, assinado em dezembro de 2022, em Montreal, no âmbito da 15ª Conferência das Partes da CDB (COP-15).

“Tem forte previsibilidade de aumento de 30% das invasões biológicas [globalmente] até o final deste século. Precisamos agir e reforçar a prevenção como a melhor medida em termos de custo-benefício. Tanto a inação como a demora na ação agravam mais a situação”, opina a professora.

Ela defende a análise de risco como uma das estratégias possíveis para que não aconteça com a Amazônia o que já ocorreu com a Mata Atlântica. “Temos que nos orientar pelo princípio da precaução”, argumenta.

A professora destaca ainda que, no caso de espécies como o pínus, grandes empresas do setor de papel e celulose passam por processos de certificação que têm como um dos requisitos o controle de invasões biológicas.

Usado inicialmente para fins de caça, o javali europeu (Sus scrofa) se dispersou e cruzou com porcos domésticos. No Brasil, a espécie e seus híbridos danificam o solo, destroem nascentes e consomem plantas nativas. Foto cedida por Carlos Salvador

Como exemplo, mencionou o controle que deve ocorrer em Áreas de Preservação Permanente (APP), que protegem beiras de rios, nascentes e topos de morro, entre outras áreas fundamentais à salvaguarda das fontes de água e biodiversidade. Quando essas espécies escapam das áreas de cultivo, com a queda de sementes, entre outros fatores de dispersão, “devem existir medidas de contingência”, explica.

Outra participante do estudo, a professora Helena Bergallo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, destaca que o turismo ecológico também é apontado como “porta de entrada de espécies invasoras” em biomas ainda pouco impactados como a Amazônia. O transporte pode ocorrer por meio de roupas, calçados e equipamentos.

Ela também acrescenta como exemplo de impactos levados da Amazônia para o resto do Brasil a febre amarela. A doença de florestas tropicais africanas, introduzida no Brasil pela navegação desde a época do Brasil-colônia, já tinha sido praticamente erradicada de áreas urbanas do país desde a década de 1940, embora permanecesse endêmica em florestas como a amazônica. No entanto, desde 2016, cidades das regiões Sul e Sudeste foram afetadas por surtos transmitidos pelo mosquito do gênero Aedes, que se expandiram, devido à falta de medidas preventivas, impactando espécies de primatas, incluindo os bugios.

Como a Amazônia vai sediar a COP 30 (Conferência do Clima da ONU) em 2025, os especialistas defendem medidas preventivas pensando na grande circulação de pessoas oriundas de todo o Brasil e de outros países em Belém (PA), cidade-sede do evento.

O professor Rafael Zenni, da Universidade Federal de Lavras, também autor da publicação, reitera que a Amazônia é “grande doadora” de espécies exóticas e menciona como exemplo que, na bacia do Rio Paraíba do Sul, metade das espécies de peixes existentes já é formada por invasoras amazônicas.

Adriana Carvalhal, representante do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), destacou que o órgão responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais tem avançado, nos últimos cinco anos, com instrumentos de gestão pensados para o enfrentamento do problema. Um guia foi mencionado como exemplo de orientação sobre o tema.

Introduzido no Brasil nos anos 1980 como alternativa ao escargot, o caracol-gigante-africano (Achatina fulica) se tornou uma das espécies invasoras mais nocivas: compete com espécies nativas, destrói lavouras e transmite doenças. Além da reprodução acelerada, o molusco sobrevive em diversas temperaturas, se alimenta de todo tipo de vegetal e não possui predador. Foto cedida por Rafael D. Zenni

Ineditismo do diagnóstico é destacado por pesquisador

O professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), considera que o estudo chega no momento exato, “pois não tínhamos no Brasil uma publicação com base científica que trouxesse um bom diagnóstico de invasão biológica e, principalmente, que apresentasse soluções consistentes de enfrentamento desse problema”, dentre as quais ações preventivas.

Para ele, a publicação “é inteiramente inovadora e surpreendente em vários aspectos”, dos quais menciona três. “Primeiramente conseguiu mobilizar o Legislativo para uma emenda parlamentar [do então deputado federal Rodrigo Agostinho] para viabilizar financeiramente, junto com uma instituição privada sem fins lucrativos [Instituto Serapilheira], essa publicação científica”.

O segundo ponto de ineditismo foi conseguir “aglutinar mais de cem pesquisadores do tema para trabalharem conjuntamente na publicação dessa síntese do conhecimento tão necessária”, opina. Por fim, “por trazer não só um excelente diagnóstico do problema, com dados científicos, mas também experiências bem e mal-sucedidas de manejo e controle dessas espécies no mundo”, acrescenta.

O professor considera que a publicação “vai colaborar fortemente com a reestruturação da política ambiental brasileira, seriamente comprometida nos últimos anos”, da mesma forma que “contribuirá para a elucidação científica dos impactos causados pelas espécies exóticas invasoras”.

Além de políticas públicas, Rodrigues defende “uma consistente conscientização da sociedade para a seriedade desse problema”, questão para a qual acredita que o diagnóstico também tem muito a contribuir.

Imagem do banner: Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), espécie transportada por navios que traz milhões de dólares em prejuízos para combate a danos na indústria elétrica. Foto: Boltovskoy, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

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