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‘Precisamos organizar a pressão de fora para dentro’: entrevista com Nilto Tatto

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado federal Nilto Tatto, nega que a pauta ambiental tenha virado moeda de troca nas negociações do presidente Lula com o Congresso. Foto de Zeca Ribeiro cedida pela Câmara dos Deputados.

  • Em entrevista à Mongabay, o coordenador da frente ambientalista no Congresso Nacional, deputado federal Nilto Tatto, negou que o governo Lula esteja usando a pauta ambiental como moeda de troca para a aprovação de sua agenda econômica.

  • O deputado credita as derrotas no Congresso, como a aprovação das leis do Marco Temporal e Veneno, ao fortalecimento da bancada ruralista e à redução da pressão da sociedade civil após o fim do governo Bolsonaro.

  • Tatto não esconde a dificuldade de fazer frente ao poderoso lobby do agronegócio, diz que o governo nunca terá maioria em pautas ambientais e pede melhor organização da sociedade civil, no Brasil e no Exterior, para pressionar o Congresso contra retrocessos.

Enquanto agentes do Governo Federal retomaram as operações contra grileiros e garimpeiros na Amazônia, enfrentando o ciclo de impunidade vigente durante o governo Bolsonaro, em Brasília o rolo compressor do agronegócio abriu caminho com facilidade no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Após passar quatro anos contida pelas pressões políticas e sociais, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) encontrou a passagem livre em 2023 para aprovar dois dos quatro projetos do Pacote da Destruição, como é conhecido o conjunto de medidas que fragiliza o controle ambiental no Brasil.

A lei do marco temporal, que impõe obstáculos à demarcação de Terras Indígenas e abre os territórios para a mineração e o agronegócio, chegou a ser vetada por Lula, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso. O mesmo pode acontecer com os vetos que o Planalto impôs à lei do Veneno, que facilita a aprovação de novos agrotóxicos.

O governo petista também viu a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) avançar na aprovação do projeto que facilita o licenciamento ambiental da obra de reconstrução da BR-319 e na criação de um mercado de carbono que livra o setor do agronegócio de um limite de emissões. Ambas propostas foram aprovadas na Câmara dos Deputados e ainda precisam do aval do Senado.

A difícil tarefa de impôr resistência à patrola do agronegócio cabe ao deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, que conversou com Mongabay por videoconferência. Na entrevista, o parlamentar negou que a pauta ambiental tenha virado moeda de troca do governo Lula para a aprovação da agenda econômica, como acusam organizações da sociedade civil: “É falso essa coisa de que é moeda de troca”.

Para o petista, a principal explicação para as derrotas no Congresso é o aumento da bancada ruralista e a diminuição da pressão externa após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. “Os parlamentares precisam sentir essa força de fora para dentro. Caso contrário nós vamos fazer o enfrentamento na Câmara e no Senado, vamos perder, o presidente Lula vai vetar e depois na primeira reunião o Congresso vai derrubar o veto e o projeto vai virar lei”, Tatto disse à Mongabay.

Desde março do ano passado, o deputado coordena o grupo de cerca de sessenta parlamentares, o equivalente a 10% do Congresso Nacional. A bancada ruralista tem  57% dos votos no Parlamento. A luta é desigual não apenas pelo número de assentos, mas também pela estrutura de apoio a cada uma das bancadas. Enquanto a frente ambientalista depende de organizações da sociedade civil que cedem profissionais para compor sua reduzida equipe, a FPA tem no Instituto Pensar Agro (IPA) um time de lobistas completo, financiado pelas grandes corporações do agronegócio.

Tatto, que antes de se eleger deputado atuou junto a organizações indigenistas como o Instituto Socioambiental (ISA) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), tem pela frente mais um ano de embates. Os últimos dois projetos do Pacote da Destruição podem ir à votação nos próximos meses: o PL da Grilagem, que facilita a regularização de terras públicas invadidas, e o projeto que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental. Na entrevista de uma hora ao Mongabay, no dia 18 de janeiro, Tatto falou sobre a insuficiência da aliança política formada por Lula quando o assunto é meio ambiente e sobre as estratégias para se contrapor à FPA (o texto foi editado para fins de clareza).

Mongabay: Apesar de todos os retrocessos na política ambiental ocorridos durante o governo Bolsonaro, neste período foi possível segurar a aprovação do Pacote da Destruição. O que aconteceu neste primeiro ano do governo Lula?

Nilto Tatto: Nesse período mais adverso do governo Bolsonaro nós tínhamos uma capacidade de pressão muito maior de fora para dentro. Primeiro porque a composição do Congresso Nacional, apesar de ser ruim, era melhor do que a atual. A chapa que elegeu o presidente Lula elegeu 130 deputados dos 513, então somos menores dentro do Parlamento hoje do que éramos na legislatura anterior. Além disso, naquele momento nós, como sociedade civil, tínhamos uma capacidade, um grau de organização e pressão, que em determinadas pautas era inclusive uma pressão internacional, e que ajudava a pressionar para que determinadas pautas não avançassem. Era um trabalho muito concatenado, com pressão de fora, pressão da sociedade civil e ação da gente dentro do Parlamento. E no limite também podíamos acionar o Judiciário.

Essa era uma fotografia daquele momento. Temos uma fotografia diferente agora. Temos um Congresso mais conservador. A bancada da FPA nunca esteve tão forte quanto nessa legislatura, e olha que ela sempre foi a principal bancada em termos de força política dentro do Congresso. Hoje também não temos mais a mesma capacidade de pressão por parte da sociedade civil, porque está dado que temos um Executivo que implementou no próprio plano de governo todas as pautas que vinham da sociedade civil. Você tem hoje na centralidade o enfrentamento da crise climática.

Isso a gente celebra do ponto de vista do Executivo. Mas dentro do Congresso a conjuntura é diferente. Aqueles projetos que a gente conseguia segurar na resistência hoje são aprovados com maior facilidade porque a FPA está melhor organizada. Quando [o projeto] chega no Executivo o Presidente veta e depois eles [a FPA] têm o poder de derrubar o veto no Congresso.

É uma realidade completamente diferente que nos coloca um grande desafio, que a gente tem discutido dentro da Frente Parlamentar Ambientalista. Precisamos trazer de volta a pressão da sociedade em cima das pautas ambientais, que não são pautas para barrar o crescimento, pelo contrário. São pautas que trazem oportunidades para o Brasil e segurança do ponto de vista da própria existência da agricultura, quando a gente fala dos impactos das mudanças climáticas no agronegócio. A própria FPA precisa debater com seriedade esta pauta, mas não está fácil porque a atual direção da FPA tem uma visão de curto prazo. Ela não consegue entender aquilo que o próprio agronegócio já está sentindo, que são os impactos na produtividade e a ameaça à comercialização dos produtos brasileiros, caso a agropecuária continue a desmatar e a invadir terras indígenas e quilombolas.

Mongabay: O senhor quer dizer que o desmonte promovido pelo presidente Bolsonaro atraiu os holofotes internacionais para o Brasil, e com isso aumentou a pressão no Congresso?

Nilto Tatto: Sim, e tem outro fator. Com Bolsonaro todo o sistema de fiscalização foi desmontado. Um dos principais instrumentos da fiscalização era a multa, e ele tinha perdoado boa parte das multas. Não é só mérito nosso ter segurado os projetos durante aquele período. A aprovação destes projetos também não estava na ordem do dia da FPA, já que eles estavam fazendo tudo o que queriam através do Executivo. Hoje temos um Executivo fiscalizando, multando, tirando invasores de terras indígenas, portanto a FPA precisa forçar o governo a parar de fazer o que está fazendo para voltar ao que vinha sendo feito durante o governo Bolsonaro.

Lula assumiu a presidência prometendo defender os povos indígenas, mas viu o Congresso aprovar a Lei do Marco Temporal logo no seu primeiro ano de governo. Foto de Ricardo Stuckert cedida pela Presidência da República.

Mongabay: Mas também há organizações da sociedade civil que acusam o governo Lula de estar usando a pauta ambiental como moeda de troca para aprovação de projetos considerados prioritários, como a reforma tributária.

Nilto Tatto: É falso essa coisa de que é moeda de troca. No Colégio de Líderes todos os líderes colocam os projetos que precisam ser votados e ali se acorda o que vai para votação. E quem bate o martelo é o presidente da casa. Então na hora que vai para votação precisa ter voto. O governo encaminhou [posição] contrária à votação do projeto do Marco Temporal, então dizer que foi moeda de troca é falso. Do contrário, o presidente não teria vetado o projeto. E há situações como o projeto do mercado de carbono, no qual a gente colocou vários destaques ao projeto, mas, se a gente fosse votar os destaques, iríamos perder todos, e poderiam não votar a lei do carbono.

Tomamos a decisão de que era importante que o Brasil tivesse um projeto de carbono, que é mais uma ferramenta dentro da estratégia de enfrentamento da crise climática. E o agronegócio, para aprovar, colocou coisas absurdas, com as quais a gente não concorda. Mas, se fôssemos votar os destaques a gente iria perder, porque não temos votos. Importante dizer que o governo construiu uma base que nunca vai funcionar para esta agenda que envolve interesses diretos da agropecuária, que tem essa visão imediatista. Porque eles se juntam e constroem maioria. Na medida em que a FPA pega firme a pauta da frente evangélica, da frente da segurança, só aí já junta três frentes grandes que votam em comum acordo nas pautas de interesse de cada frente. Nós não temos isso.

Mongabay: Então as alianças que o presidente Lula fez no Congresso podem funcionar para determinadas pautas, como a econômica, mas quando o assunto é meio ambiente estes parlamentares não vão votar com o governo?

Nilto Tatto: Não vão. Aquilo que é enfrentamento do modelo, que questiona esse modelo de agricultura expansionista, do uso intensivo da química, de expansão para novas áreas… nisso eles se juntam. Não importa se dentro da FPA tem parlamentares mais ligados ao setor exportador, que estão preocupados com as mudanças climáticas, com a imagem do Brasil lá fora, em vender… na hora H eles se juntam na defesa da pauta deles. Nestas pautas a gente sabe que nunca vai conseguir maioria.

Mongabay: Qual a estrutura que a Frente Parlamentar Ambientalista tem hoje no Congresso?

Nilto Tatto: Com dedicação exclusiva para a frente, além dos parlamentares e da assessoria dos parlamentares, o que a gente tem é uma secretária executiva e uma jornalista. Na verdade elas não são parte da estrutura organizada da própria frente, mas vieram através de um apoio de organizações parceiras. A coordenação da frente não é só dos deputados e senadores, mas também da sociedade civil, que se organiza e se cotiza para liberar uma pessoa para fazer o trabalho da secretaria e também da imprensa. Dependendo do tema, a gente também lança a mão do apoio das ONGs para a elaboração de relatórios, pareceres, estudos… tudo aquilo que possa apoiar nosso trabalho no parlamento.

Mongabay: É uma diferença de estrutura muito grande se comparada à FPA?

Nilto Tatto: Sim, sem dúvida nenhuma. A FPA institucionalizou a própria frente no Instituto Pensar Agro [IPA]. Nós não temos isso. E o IPA tem apoio de cada área de atividade da agropecuária, que contribui mensalmente para a estrutura da FPA. São organizações da soja, do milho, da cana, das sementes e assim por diante, que contribuem mensalmente, montando uma estrutura, um poderio econômico e uma capacidade de intervenção dentro do Congresso que nenhuma outra frente parlamentar tem. Nós não conseguimos isso. Dentro da frente parlamentar ambientalista temos muito mais trabalho de militância e lançamos mão do apoio daquilo que tem de organizado na sociedade civil.

Mongabay: O que o senhor quer dizer com um lobby institucionalizado?

Nilto Tatto: Com CNPJ, com estrutura. O IPA foi criado para apoiar a FPA. É um lobby organizado que criou uma instituição justamente para poder contratar pareceres, consultorias, jornalistas, com outro tipo de apoio aos parlamentares. Os parlamentares que fazem parte da FPA devem ter, em termos de apoio da frente, o equivalente a um gabinete, que é a estrutura de apoio que cada parlamentar tem e que inclui funcionários e recursos para desenvolver a atividade parlamentar, como passagens, comunicação, escritório… É como se os parlamentares da FPA tivessem um gabinete a mais, tamanha a força, a estrutura que eles montaram através do IPA. 

Mongabay: Neste cenário, qual a sua perspectiva para este ano? Devemos ter votações de projetos importantes como a do licenciamento ambiental e da grilagem.

Nilto Tatto: Se a gente deixar para resolver esse debate só dentro do Congresso e na relação com o governo, por mais que você tenha um governo preocupado com a pauta ambiental, a conta não vai fechar para aquilo que é importante para o país do ponto de vista dos desafios e oportunidades que se colocam na agenda ambiental. Precisamos organizar melhor a pressão de fora para dentro e acho que os eventos climáticos que a gente já está assistindo favorecem este debate na sociedade.

Precisamos traduzir aquilo que as próprias pesquisas já mostram, que mais de 80% da população acredita que estes grandes eventos a que estamos assistindo, como as secas prolongadas e as chuvas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, são consequência das mudanças climáticas. Precisamos traduzir isso em força política para pressionar o Congresso Nacional. Para fazer com que os parlamentares não votem simplesmente porque tem o interesse colocado lá pelo setor do agronegócio comandado pelo IPA ou FPA. Eles precisam sentir essa força de fora para dentro, de forma organizada. Caso contrário nós vamos fazer o enfrentamento na Câmara e no Senado, vamos perder, o presidente Lula vai vetar e depois na primeira reunião o Congresso vai derrubar o veto e o projeto vai virar lei.

Mongabay: O senhor acha que essa é a melhor estratégia para fazer frente a esse poder da FPA?

Nilto Tatto: Eu vejo que é por aí. Boa parte dos parlamentares que compõem a frente ambientalista trabalham nisso permanentemente, participando de atividades, organizando audiências públicas e reuniões para mobilizar a sociedade. Mas sentimos falta de uma estrutura, não diria do tamanho do IPA, mas de ter uma força maior para poder trabalhar essa mobilização, inclusive na imprensa. Quem são os principais anunciantes dos principais órgãos de imprensa no Brasil? São empresas da cadeia do agro, ou do sistema financeiro, que são os principais agentes da cadeia do agro. Então você vai ter um que outro jornalista na grande mídia que defende o discurso ambientalista, mas na hora H apoiam a pauta do interesse do agronegócio. É só a gente pegar a Globo, a Record, a Bandeirantes e assim por diante. Então a mídia, por uma questão de mercado, não vai fazer um enfrentamento que vai contra os seus anunciantes.

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