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Um impulso aos biocombustíveis

Uma plantação de dendê em La Concordia, Equador, pertencente à ANCUPA, a Associação Nacional de Produtores de Dendê. Crédito: Kimberley Brown para Mongabay.

  • A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.

  • O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.

  • Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.

Os picos nos preços das commodities na primeira década do século XXI coincidiram com um boom global nos biocombustíveis. O interesse nos biocombustíveis foi motivado, supostamente, por uma preocupação com o aquecimento global, mas outras razões mais mundanas desempenharam um papel fundamental. Nas economias avançadas, isso incluiu uma urgência geopolítica para diminuir a dependência das importações de combustíveis fósseis de países que sofrem instabilidade política, combinada com a conveniência política de apoiar a produção doméstica de commodities agrícolas. Exemplos bem conhecidos incluem o lobby do milho nos Estados Unidos e o círculo eleitoral da colza na União Europeia.

As políticas de biocombustível em ambas as jurisdições estão agora sob pressão. Os baixos preços do petróleo reduziram a demanda por biocombustíveis, enquanto o desenvolvimento inesperadamente rápido de veículos elétricos e de energia renovável oferece caminhos mais atraentes para a redução dos gases de efeito estufa (GEE). O longo atraso na operação da produção de biocombustíveis avançados fez com que várias empresas declarassem falência e reduziu o investimento nessas tecnologias outrora promissoras.

Por fim, a preocupação com as mudanças indiretas no uso da terra e com as questões de segurança alimentar motivou a UE a reverter os subsídios e acabar com as políticas que antes favoreciam o setor de biocombustíveis. Os EUA são um exportador de etanol, mas importam cerca de 20% do seu consumo de biodiesel, que é baseado principalmente na soja.

O ímpeto do início dos anos 2000 para o desenvolvimento da tecnologia de geração de biodiesel foi desacelerado pela realidade dos preços reduzidos dos combustíveis fósseis. Além disso, há a nova tendência de veículos elétricos. Crédito: Revista Reporte Minero y Energético.

Na América do Sul, vários países adotaram políticas de biocombustíveis. A motivação nesses países tem pouco a ver com as mudanças climáticas, sendo mais obviamente destinada a promover o desenvolvimento rural e impulsionar os setores de exportação. O Brasil, a Colômbia, o Peru e o Equador têm mandatos de biocombustível que exigem que os distribuidores e varejistas misturem uma quantidade específica de biocombustível com os combustíveis fósseis tradicionais. A gasolina é misturada com etanol produzido a partir de cana-de-açúcar e milho, enquanto o biodiesel é uma mistura que utiliza derivados de soja ou óleo de palma ou óleo residual e gorduras coletadas da cadeia alimentar.

O Brasil tem um longo histórico de promoção da bioenergia, especialmente do etanol de cana-de-açúcar, e o setor açucareiro brasileiro é conhecido por sua eficiência e baixa emissão de GEE. As empresas brasileiras também lideram os esforços para produzir etanol celulósico e a maioria usa biomassa residual como fonte de energia térmica para gerar energia elétrica que é monetizada nos mercados domésticos de eletricidade. O Brasil é o maior produtor e exportador de etanol do mundo e, recentemente, começou a exportar pellets de biomassa de resíduos agrícolas para empresas de serviços públicos norte-americanas e europeias que buscam reduzir as emissões de usinas elétricas movidas a carvão. Um número crescente de empresas com terras no Mato Grosso está construindo usinas térmicas de biomassa com planos de instalar tecnologias de captura e sequestro de carbono no médio prazo.

A expansão do cultivo de milho em Mato Grosso catalisou seu uso como matéria-prima para a produção de etanol. Fabricado no Brasil pela primeira vez em 2012, o etanol à base de milho explodiu como modelo de negócios, com 1,4 bilhão de litros produzidos em 2019/2020 e 3,2 bilhões de litros projetados para 2021/2022. A produção atual representa cerca de quatro por cento do consumo nacional total de etanol, mas espera-se que chegue a vinte por cento até o final da década (8,0 bilhões de litros).

Em 2019, havia sete destilarias à base de milho em operação no Mato Grosso, três em construção e sete em diferentes estágios de planejamento. Uma usina de grande porte, capaz de produzir 500 milhões de litros por ano, requer um investimento de US$ 100 milhões; ela gerará uma receita bruta de aproximadamente US$ 200 milhões e criará até 8.000 empregos diretos e indiretos. O valor nominal da produção de etanol à base de milho foi de aproximadamente US$ 1,3 bilhão em 2020/2021; cerca de metade pode ser atribuída ao Mato Grosso.

Usinas de biomassa alimentam a rede elétrica do Brasil com energia. Crédito: World Energy Trade.

O impacto econômico do etanol à base de milho é ampliado pelos subprodutos da fermentação que têm seus próprios valores comerciais: o óleo de milho e um resíduo sólido conhecido como DDGS (grãos secos de destilaria com solúveis). O óleo de milho tem características químicas semelhantes às da soja e pode ser vendido nos mercados de óleo vegetal; o DDGS é ainda mais lucrativo porque é rico em proteínas e vitaminas, o que o torna um excelente suplemento alimentar para o setor pecuário.

O desenvolvimento de um setor de etanol à base de milho resolveu um desafio crucial para o setor agrícola industrial: estoques excedentes de milho. Os grãos não processados não são competitivos nos mercados globais devido aos altos custos de transporte, mas, como matéria-prima para biocombustível, podem ser comercializados nos mercados domésticos de energia, enquanto o óleo de milho e o DDGS agregam valor aos produtos de carne destinados aos mercados internacionais.

O governo brasileiro apoia a produção de biodiesel estabelecendo um mandato de mescla obrigatória de 10 % de biodiesel no óleo diesel fóssil. A maior parte da matéria-prima é o óleo de soja, que em 2019 totalizou 4,8 milhões de metros cúbicos. Esse volume é equivalente ao teor de óleo de aproximadamente 18% da produção nacional total e a 50% do óleo de soja processado internamente no Brasil. O Mato Grosso produziu 26% desse total. Em contraste, menos de 2% do requisito de biodiesel foi fornecido pelo óleo de palma, que representou menos de 6% da colheita nacional total em 2019. A maior parte foi produzida pela Brasil Biofuels, que o mistura com diesel convencional para abastecer suas dezoito usinas de energia localizadas no Acre, Roraima, Rondônia e Amazonas.

A decisão de promover a soja em vez do óleo de palma como matéria-prima para o biodiesel é digna de nota porque a pegada de GEE do óleo de palma brasileiro é significativamente menor do que a da soja. As emissões de carbono do óleo de palma são aproximadamente cinquenta por cento menores do que as da soja quando a mudança no uso da terra é excluída do cálculo; no entanto, se o óleo de palma for considerado livre de desmatamento e a expansão da soja ocorrer por meio da conversão de paisagens do Cerrado, a pegada de GEE será cerca de 140% menor para o óleo de palma em comparação com a soja. O óleo de palma produzido em pastagens degradadas é negativo em carbono porque a biomassa acima e abaixo do solo aumenta com o tempo até atingir um equilíbrio após algumas décadas.

Presumivelmente, a decisão de priorizar a soja em detrimento do óleo de palma foi motivada pela infraestrutura logística pré-existente próxima aos centros urbanos do Sudeste do Brasil e pela capacidade limitada das empresas de óleo de palma de produzir o volume de matéria-prima exigido pelas exigências regulatórias. A influência política também pode ter contribuído para favorecer o setor da soja, que teve uma receita bruta de cerca de US$ 40 bilhões em 2015, em comparação com aproximadamente US$ 350 milhões do óleo de palma.

A Colômbia elaborou seu programa de biocombustíveis para apoiar os setores nacionais de cana-de-açúcar e óleo de palma, dois setores empresariais com eleitorado influente e que também geram dezenas de milhares de empregos na economia rural. Os requerimentos de biodiesel fizeram aumentar a produção e agora representa cerca de um terço da produção total, o que ajudou as empresas de óleo de palma a gerenciar os fornecimentos afetados por surtos de doenças e mercados de exportação flutuantes Os produtores esperam penetrar nos mercados internacionais de biodiesel no futuro, criando cadeias de fornecimento livres de desmatamento.

A mudança no uso da terra para aumentar a produção de óleo de palma, entre outros produtos, tem um impacto enorme nos ecossistemas amazônicos. Foto da revista Viajeros.

No Peru, a decisão de adotar exigências para biocombustíveis tinha como objetivo fortalecer a economia do setor rural e, ao mesmo tempo, reduzir as importações de óleo vegetal, avaliadas em cerca de US$ 500 milhões por ano. No entanto, isso não teve o efeito desejado. Em vez disso, as empresas de combustíveis fósseis importaram óleo de soja argentino por meio de transporte marítimo, que tinha uma vantagem de preço em relação ao óleo de palma transportado por caminhão pelos Andes. A diferença de preço era tão grande que o Grupo Palmas fechou sua refinaria de biocombustível em Tocache em 2014, apenas dois anos após sua inauguração.

No Equador, o governo optou por impor exigências para o etanol, mas se recusou a fazer o mesmo para o biodiesel. Aparentemente, o preço subsidiado do diesel de combustível fóssil torna problemática a implementação de um requisito para o biodiesel porque isso levaria a um aumento no custo do diesel na bomba. Os grupos de produtores pediram uma política que promova o biodiesel, mas o entusiasmo por um decreto relativo ao biodiesel varia entre as partes interessadas: as grandes empresas são defensoras ativas, enquanto os representantes dos pequenos produtores são menos entusiasmados. A lógica convencional da oposição a um decreto sobre o biodiesel é difícil de entender, considerando os óbvios benefícios macroeconômicos de um mercado interno de biodiesel e o exemplo da Colômbia, que usou o mercado interno de biodiesel como um mecanismo para expandir a produção e as exportações.

Na Bolívia, o governo de Evo Morales rejeitou todas as políticas de biocombustível que teriam desviado as receitas da empresa petrolífera controlada pelo Estado para o setor agrícola, que é dominado por empresas privadas ligadas à oposição política. No entanto, isso pode estar prestes a mudar; em 2021, o governo recém-eleito de Arce Catacora anunciou um plano para desenvolver uma refinaria de biodiesel. O investimento proposto de US$ 250 milhões aliviaria a dependência do país em relação ao diesel importado.

Diferentemente dos mandatos de biocombustível na Colômbia, no Peru e no Brasil, que se baseiam em misturas de ésteres metílicos de ácidos graxos (B5, B10, B20), a refinaria proposta converteria o óleo vegetal em biodiesel puro (B100). O projeto exigiria 250.000 hectares adicionais de plantações de soja, que historicamente foram criadas por meio do desmatamento. O governo expressou o compromisso de usar outras matérias-primas, como resíduos de gordura animal, ou de investir na produção industrial da palmeira macaúba, uma espécie nativa com potencial comercial.

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0). 

Leia as outras partes extraídas do capítulo 3 aqui:

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