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40% dos anfíbios no mundo estão ameaçados de extinção; 200 espécies no Brasil

  • Levantamento global de 8 mil espécies de anfíbios feito pela IUCN revelou que 40% delas estão com algum risco de extinção: 2.873 espécies no total.

  • O Brasil é o país com maior diversidade mundial em anfíbios, abrigando cerca de 1.200 espécies; segundo o novo estudo, 189 estão ameaçadas, a maioria delas endêmicas. 

  • Desmatamento e fungos letais já eram apontados como causas do declínio, mas agora biólogos ressaltam o papel da crise climática: altas temperaturas e baixa umidade afetam a respiração dos anfíbios, que é feita em parte pela pele.

  • Anfíbios são importantes bioindicadores da saúde dos ecossistemas, além de cruciais para o controle de pragas e para a medicina.

A rãzinha-do-tepequém (Anomaloglossus tepequem) costumava ser observada em abundância em riachos da Serra do Tepequém, no estado de Roraima. Endêmica do Brasil e dessa localidade em específico, ou seja, só encontrada ali e em nenhum outro lugar do planeta, acredita-se que ela tenha desaparecido da natureza. Desde a década de 1990, nunca mais essa espécie amazônica foi vista.

Essa rã é um das 26 classificadas como possivelmente extintas no país, segundo o mais novo levantamento global de anfíbios feito pela União Internacional para a Conservação das Espécies da Natureza (IUCN). E os números são assustadores. Dois em cada cinco deles estão ameaçados.

O estudo teve a participação de mais de mil especialistas ao redor do mundo. Foram analisadas 8 mil espécies de anfíbios — entre sapos, rãs, salamandras, cobras-cegas e outros —, quase 3 mil a mais do que na última análise, realizada em 2004.

A rã-galática (Melanobatrachus indicus), à esquerda, é uma das espécies mais raras da Índia, redescoberta apenas em 1997. Foto: Sandeep Das. À direita, a também indiana Ghatixalus asterops, considerada em perigo. Foto: Sandeep Das.

O grande destaque desta vez é o papel cada vez maior das alterações climáticas para o declínio global de anfíbios, considerados os mais ameaçados entre a classe dos animais vertebrados. Nada mais do que 40% de suas espécies estão com algum risco de extinção.

Desmatamento, perda de habitat e a ocorrência de doenças, como a quitridiomicose, que tem devastado populações inteiras, já eram fatores mais amplamente documentados como ameaças, mas agora os biólogos alertam que o aumento da temperatura, a baixa umidade e a seca, consequências das mudanças no clima, estão aumentando ainda mais a pressão sobre muitas espécies de anfíbios.

De acordo com o estudo, de 2004 a 2022, mais de 300 espécies foram levadas bem próximas à extinção e 30% desses casos foram provocados, principalmente, pela crise climática.

“A água é essencial para a reprodução dos anfíbios. É nela que eles se reproduzem e os girinos nascem”, explica o biólogo Iberê Farina Machado, coordenador da Avaliação de Anfíbios no Brasil da Comissão de Sobrevivência das Espécies da IUCN e um dos coautores do artigo.

Além disso, alterações na temperatura e na umidade impactam a saúde e colocam em risco a sobrevivência desses bichos. “Os anfíbios possuem a pele úmida e é através dela que respiram. Algumas espécies usam uma certa porcentagem maior do pulmão e outra da pele para a troca gasosa ou vice-versa. Se o clima está seco demais, isso afeta a respiração deles”.

Mapa produzido pelo levantamento revela onde estão as 2.873 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção; a maioria está nas zonas de altitude, onde há cada vez menos umidade disponível

26 espécies possivelmente extintas no Brasil

O Brasil é o país com maior diversidade mundial em anfíbios, abrigando cerca de 1.200 espécies. Quase um terço delas foram avaliadas pela primeira vez nesse novo relatório.

A avaliação apontou que 189 espécies estão atualmente classificadas como criticamente ameaçadas, em perigo ou vulneráveis à extinção no Brasil. E o que preocupa mais é que a grande maioria delas é endêmica.

“O cenário é ainda mais sombrio quando temos em conta as 26 espécies classificadas como possivelmente extintas, não tendo sido avistadas em ambientes naturais desde a década de 1980 ou antes”, ressalta Machado.

É o caso da rãzinha-verrugosa-do-itatiaia (Holoaden bradei) e a rã-das-pedras-de-petrópolis (Thoropa petropolitana), ambas encontradas no século passado na Mata Atlântica. Entretanto, a última vez que a petropolitana foi avistada nos riachos da serra fluminense foi em 1982.

Perereca-pintada-do-rio-pomba (Nyctimantis pomba), espécie criticamente ameaçada de extinção, endêmica de uma única região na zona da mata mineira. Foto: Diego José Santana/IUCN

O biólogo esclarece que, no Brasil, o desmatamento e a expansão agropecuária e urbana continuam sendo os principais responsáveis pela extinção de anfíbios. Todavia, as alterações climáticas estão cada vez mais presentes.

Estima-se que nos últimos 40 anos, por exemplo, a Amazônia tenha ficado 1 ºC mais quente e apresentado uma taxa de redução de chuvas de até 36% em algumas áreas. As secas extremas no bioma são cada vez mais recorrentes. Neste exato momento, os estados amazônicos vivem uma das piores estiagens de sua história. Rios secaram e a navegação foi interrompida, deixando populações ribeirinhas sem acesso a alimentos e água potável. Mais de cem botos foram encontrados mortos no Lago de Tefé.

“À medida que os humanos provocam mudanças no clima e nos habitats, os anfíbios são incapazes de se deslocar muito longe para escapar do aumento da frequência e da intensidade do calor extremo, dos incêndios florestais, da seca e dos furacões acarretados pelas alterações climáticas”, destaca Jennifer Luedtke Swandby, coordenadora da Autoridade da Lista Vermelha do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN e uma das envolvidas no estudo.

Sapo-chifrudo-de-palawan (Megophrys ligayae), espécie em perigo endêmica de Filipinas. Foto: Robin Moore/Re:wild

Anfíbios de altitude são os mais afetados

Seca e estiagem são sinônimos de falta de água e umidade. Nesse cenário desolador para a sobrevivência dos anfíbios, imagina-se que aqueles que vivem mais perto do solo seriam os mais impactados. Contudo, não é bem assim. As espécies que habitam áreas mais altas, acima dos 1.600 metros de altitude, perecem mais rapidamente.

Em regiões de grandes serras, como o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro, ou no Monte Roraima, ao norte do país, sapos, rãs, pererecas e demais anfíbios sofrem mais com os distúrbios climáticos.

“Temos percebido as linhas das nuvens cada vez mais altas, ou seja, há menos umidade disponível para eles no topo das montanhas. E como eles não conseguem escapar mais para o alto, acabam se tornando reféns do clima”, diz o biólogo brasileiro.

À esquerda, sapo da espécie Ghatophryne ornate, nativo da cordilheira dos Gates Ocidentais, no sul da Índia. Foto: Sandeep Das/IUCN. À direita, rã-de-cristal (Hyalinobatrachium aureoguttatum), que habita as florestas de Equador, Colômbia e Panamá. Foto: Robin Moore/Re:wild

A perda de tantas espécies e a iminente extinção de possíveis outras são um novo alerta sobre a necessidade urgente de se conter as causas das mudanças climáticas e mitigar seus efeitos. Os anfíbios são importantes bioindicadores da saúde de seus ecossistemas e, consequentemente, do planeta.

“O mundo aquecendo vai perdendo muitas mais espécies do que seres humanos e eles nos servem como um alerta”, afirma Machado.

“Os anfíbios estão desaparecendo mais rapidamente do que podemos estudá-los, mas a lista de razões para protegê-los é longa, incluindo seu papel na medicina, no controle de pragas, alertando-nos para as condições ambientais e tornando o planeta mais bonito”, acrescenta Kelsey Neam, coordenadora de prioridades e métricas de espécies da Re:wild e uma das principais autoras do estudo.

Imagem do banner: Rã da espécie Hyperolius substriatus, nativa de Quênia e Tanzânia. Foto: Tim Davenport/Re:wild

 

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