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Viveiros municipais resgatam espécies esquecidas para florestar a maior cidade do Brasil

Yacov Kilsztajn, estagiário do Viveiro Municipal Harry Blossfeld, carrega sementes de figueira (Ficus organensis) que vão se transformar em árvores de 25 metros de altura. Foto: Sibélia Zanon

  • Os três viveiros municipais de São Paulo envasam por ano cerca de 1,5 milhão de mudas nativas para verdejar a cidade.  

  • Com cerca de 270 mil mudas, o Viveiro Harry Blossfeld cultiva mais de 200 espécies de árvores, sendo 22 delas ameaçadas de extinção.

  • O resgate de espécies esquecidas da flora faz dos viveiros municipais espaços de ciência e produção de conhecimento sobre o comportamento de plantas nativas pouco conhecidas.

  • O ajardinamento público colabora com a recarga de aquíferos, combate ilhas de calor, evita enchentes, atrai a fauna, melhora a qualidade do ar, reduz a poluição sonora e colabora para o bem-estar emocional e físico das pessoas.

“Um dos maiores prazeres que eu tinha quando entrei aqui era falar para os meus amigos: ‘hoje eu plantei 5 mil sementes de figueira’”, conta Yacov. “Plantar sementes aqui no viveiro é uma das ações que tem maior impacto quando pensamos na arborização urbana. A gente está trabalhando com a semente que é muito pequena, mas cada uma dessas que germina pode virar uma árvore enorme”.

Yacov Kilsztajn, estudante de Biologia e estagiário do Viveiro Municipal Harry Blossfeld, na Região Metropolitana de São Paulo, segura um pote com sementes tão pequenas que parecem grãos de areia. Ele pergunta quantas sementes estão ali dentro. Suponho que são 600, ele responde que são 60 mil. Nem todas vão vingar.

“Espécies com muitas sementes pequenas costumam ter uma taxa de germinação menor do que espécies com sementes maiores”, explica. Cada uma que germinar, no entanto, terá o potencial de se tornar uma figueira (Ficus organensis) de 25 metros de altura.

Os três viveiros municipais de São Paulo envasam por ano cerca de 1,5 milhão de mudas ao todo. Em atividade desde 1969, o Viveiro Harry Blossfeld dedica-se à produção de árvores.

Especializado na flora nativa do município de São Paulo, incluindo árvores da Mata Atlântica e do Cerrado, o viveiro cultiva o “Pomar das Delícias”, com 39 espécies de frutíferas que produzem sementes de cambuci (Campomanesia phaea), guabiju (Myrcianthes pungens) e outros nomes que raramente entram na salada de frutas do paulistano.

Sementes de figueira (Ficus cestrifolia), que vão se transformar em árvores de 25 metros de altura. Foto: Sibélia Zanon

Árvores raras como o jacarandá-da-Bahia (Dalbergia nigra), o carvalho-da-serra (Euplassa cantareirae) e o cambucá (Plinia edulis) são também queridas do viveiro, que cultiva 22 espécies com algum grau de ameaça de extinção.

Com 190 mil mudas disponíveis e mais 86 mil mudas em tubetes (mudas menores em fase de desenvolvimento), o viveiro produz mais de 200 espécies de árvores que resistem em praças e ruas da cidade mais urbanizada do Brasil.

Viveiro de soluções

“Um viveiro de árvore é um viveiro de água”, diz Mariana Grimaldi enquanto caminha por uma alameda de mudas já bem formadas. Uma das responsáveis pelo Viveiro Harry Blossfeld, a agrônoma diz que a arborização urbana ajuda na recarga de aquíferos, além de evitar erosões e enchentes.

Responsável pelo viveiro junto com Mariana, o agrônomo Guilherme Amaral diz que o ajardinamento público “combate ilhas de calor, melhora a qualidade do ar, reduz poluição sonora, colabora com o bem-estar emocional e físico, conecta áreas verdes e atrai a fauna, entre outros benefícios”.

Na primeira etapa da produção de mudas, as sementes germinam em bandejas e são cuidadas em estufas, protegidas do sol e com umidade controlada. Foto: Sibélia Zanon

São três os viveiros municipais na cidade de São Paulo: o Viveiro Manequinho Lopes, no Parque Ibirapuera, o Viveiro Arthur Etzel, no Parque do Carmo (Zona Leste) e o Viveiro Harry Blossfeld, no Parque Cemucam, excepcionalmente localizado no município de Cotia por causa de uma antiga permuta de áreas entre os municípios.

As mudas dos viveiros são usadas para o ajardinamento de praças e ruas, para o enriquecimento dos parques da cidade e também para áreas de reflorestamento urbano, a exemplo do projeto Bosques de Conservação, que insere miniflorestas em regiões de tráfego denso, como em minianéis viários e áreas próximas à Marginal Tietê. Com o objetivo de somar 45 mil metros quadrados de reflorestamento, cada bosque recebe o nome de uma ave – com o Bosque do Tuim e o Bosque da Curicaca – e árvores específicas para atrair o pássaro eleito.

Por meio da Secretaria Municipal de Educação, escolas também são beneficiadas com mudas, como ocorre na parceria com a ONG formigas-de-embaúba, que já coordenou o plantio colaborativo de quase 10 mil árvores em Centros Educacionais Unificados (CEUs) de São Paulo.

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Pensar em espécies nativas e em diversidade biológica é fundamental quando se produz mudas para a arborização urbana. Além de recompor o ecossistema, resgatando as espécies originais, disponibilizar alimento diversificado atrai a fauna, que acaba colaborando com o reflorestamento.

“Você consegue fazer essa conversa de corredores ecológicos trabalhando com ajardinamento público”, diz Felipe de Oliveira, responsável pelos viveiros municipais da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade de São Paulo. Ele explica que esses corredores atraem sobretudo a fauna noturna: “de noite, em grandes vias, você não tem o fluxo de carros tão elevado. Então, você vai ter pequenos animais e pequenos roedores”.

Quando mais fortes, as mudas são colocadas em vasos maiores e passam pelo período de rustificação, em que são preparadas gradualmente para o plantio no campo, sendo submetidas a ambiente de maior insolação. Foto: Sibélia Zanon

Segundo Felipe, o trânsito da fauna traz soluções baseadas na natureza para colaborar com a restauração do ambiente. Uma semente pode ficar na pena ou no pelo de um animal e viajar para outro local, assim como os frutos podem ser ingeridos e dispersados em diferentes áreas, ajudando a multiplicar a flora.

“Acho que a ideia é pensar na cidade também como um espaço de conservação”, sugere Yacov. “A arborização urbana não é só para embelezar, não é só ornamental. Ela tem também o impacto ecológico tanto na cidade como nos arredores. O impacto de conservação da flora”.

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Sementes raras

O trabalho no viveiro inclui muitas etapas. Tudo começa com as sementes: coleta, triagem, identificação e beneficiamento, que é o processo de extrair a semente do fruto. Depois, elas são plantadas em bandejas, em tubetes e, finalmente, em vasos. Ao longo do crescimento, são cuidadas em estufas, mas também passam por períodos de rustificação, em que ficam expostas ao calor e luz do sol e às intempéries, para fortalecimento.

Com 50 hectares, o Viveiro Harry Blossfeld usa 11 para seus cultivos. O restante da área é florestada e fornece sementes. Também no Parque Cemucam são coletadas sementes e, em retorno, o parque é constantemente enriquecido com mudas nativas do viveiro.

A coleta de sementes é parte relevante do trabalho e as saídas de campo são apreciadas. Além disso, nas férias, na hora do almoço ou mesmo num passeio de bicicleta, os viveiristas têm olhos atentos para coletar sementes de novas espécies. Mas não é qualquer uma que interessa: é preciso fazer parte das espécies nativas da cidade de São Paulo.

“A gente vai mapeando. Toda coleta que a gente faz, a gente marca um ponto de GPS e coloca o estado fenológico – se a árvore está com flor, com fruto, com semente madura ou semente verde”, conta Yacov.

Após a germinação em bandejas, as mudas são colocadas em tubetes, pequenos tubos de plástico, onde continuam seu desenvolvimento nas estufas. Foto: Sibélia Zanon

As sementes mais desejadas são aquelas de espécies nativas que prestam serviços ambientais importantes, mas são pouco valorizadas pelo mercado ou estão ameaçadas de extinção.

Enquanto os viveiros comerciais têm seu olhar voltado para o valor comercial das mudas, os viveiros municipais podem se debruçar sobre as espécies relevantes para a biodiversidade do município, valorizando-as e tornando-as conhecidas, talvez gerando uma nova demanda.

Com essa vocação para o resgate da flora esquecida, os viveiros municipais acabam sendo espaços de ciência, com informações privilegiadas sobre coleta, beneficiamento, plantio, taxas de germinação e comportamento de diversas espécies.

“A gente está em vias de finalizar um guia de sementes e mudas que compila todo esse trabalho que a gente faz com teste de germinação. Assim, as pessoas podem conhecer espécies diferentes que são típicas da região e também ver qual é o melhor método para a germinação delas”, conta Guilherme.

A canela-sassafrás (Ocotea odorifera), por exemplo, já foi muito explorada e está ameaçada de extinção. A ideia é testar a sua germinação no viveiro e trabalhar a produção de mudas para reintegrá-la na arborização urbana.

“Ela é uma espécie de uso histórico”, conta João Carlos Candido Santos, estagiário e historiador. “Era muito usada para fazer embarcações marítimas. O odor que ela tem retarda o apodrecimento. Ela era também consumida na bebida. Você colocava as lascas dessa canela em aguardente e a bebida ganhava um alto valor comercial”.

O cambuci é outra na mira dos experimentos no viveiro. Apagado da arborização urbana, o fruto é uma espécie símbolo da cidade que tem inclusive um bairro com seu nome. O objetivo é produzir um pomar da espécie com diversidade genética vinda de vários lugares do município de São Paulo para que as mudas sejam resistentes e possam ocupar as ruas.

Fato é que o uso intenso de árvores exóticas em áreas urbanas tem incomodado botânicos de toda parte. “Eu posso estar no norte ou eu posso estar no sul do país que a arborização é meio padronizada. São muitas espécies exóticas e pouca diversidade”, afirma Guilherme.

Assim como cada região tem sua paisagem sonora, regida pelas aves do local, a equipe do viveiro quer investir numa identidade florística para São Paulo. Eles defendem que não só as aves mas também as árvores deveriam marcar o florescimento da identidade local.

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Imagem do banner: Guilherme Amaral, agrônomo responsável pelo Viveiro Municipal Harry Blossfeld. /em>Foto: Sibélia Zanon

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