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O que pode ocorrer com a Mata Atlântica se antas forem extintas? Estudo tenta responder

Imagem do banner: Anta-brasileira (Tapirus terrestris). Foto: Joao Paulo Krazewski

  • Experimento que vem sendo realizado há 15 anos em áreas da Serra do Mar paulista mostrou que a presença de grandes mamíferos herbívoros, como antas e queixadas, é fundamental para manter a integridade e a biodiversidade da floresta.

  • Foram espalhados 60 currais cercados em quatro áreas de Mata Atlântica que impediam a entrada de animais de médio e grande parte, e comparados a outros 60 de livre acesso; naqueles onde antas e queixadas não puderam entrar, a diversidade de plantas mudou.

  • Antas e queixadas têm papel crucial na dispersão de sementes pela floresta; antas defecam as sementes quase intactas, enquanto bandos de queixadas ajudam a fixá-las no solo, pisoteando-o e revirando-o. 

Há quase um consenso de que a redução de emissões de gases de efeito estufa e o plantio de árvores são as melhores soluções para mitigar o aquecimento global. Mas a conservação e permanência de grandes animais selvagens nos seus ecossistemas também têm um papel importante na diminuição dos efeitos negativos das mudanças climáticas.

Um experimento que vem sendo realizado há 15 anos em quatro áreas diferentes da Mata Atlântica mostrou que a presença de grandes mamíferos herbívoros, como antas (Tapirus terrestris) e queixadas (Tayassu pecari), é fundamental para manter a integridade e a biodiversidade da floresta — o que, por sua vez, contribui para o sequestro de carbono, um dos elementos causadores do efeito estufa.

A pesquisa foi feita para o mestrado do ecólogo Yuri Souza, no Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Evolução e Biodiversidade da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e resultou num artigo publicado na revista científica inglesa Journal of Ecology.

“Esse trabalho faz parte de um projeto de 15 anos de duração, que tenta elucidar quais as consequências da extinção de grandes mamíferos para as florestas tropicais”, explica o biólogo Mauro Galetti, do Instituto de Biociências (IB) do câmpus de Rio Claro, da Unesp, orientador de Souza.

Para isso, eles construíram 60 pequenos currais ou chiqueiros, de cerca de 15 m² cada, chamados de parcelas, cercados com grades de metal, que impedem a entrada de animais com mais de 1 kg, como antas e queixadas, por exemplo. As parcelas foram distribuídas por quatro áreas – 15 em cada uma – de Mata Atlântica na Serra do Mar paulista: Parque Estadual da Serra do Mar, onde há tanto antas quanto queixadas; Parque Estadual Carlos Botelho, que tem as primeiras, mas não as segundas; Parque Estadual Ilha do Cardoso, onde há apenas queixadas; e Parque Estadual da Serra do Mar (base Vargem Grande), onde não há nenhuma das duas espécies.

Uma das parcelas construídas para a pesquisa, cercada para evitar a entrada de grandes mamíferos. Foto: xxxxxx

Ao lado de cada um dos currais fechados, foi delimitada uma área do mesmo tamanho, onde os animais podiam circular livremente. Então, em cada uma das quatro áreas estudadas havia 15 parcelas fechadas e 15 abertas, totalizando 120. Em vez de fazer o estudo numa área grande, os pesquisadores optaram por construir vários currais pequenos para diminuir o impacto da destruição das cercas pela queda de árvores ou galhos, por exemplo, o que prejudicaria o experimento.

A estratégia deu certo. Ao longo de 10 anos, foram perdidas apenas 34 parcelas, ou seja, 86 continuam intactas e coletando dados. “As abertas são delimitadas por um fio de nylon, portanto qualquer animal pode acessá-la, enquanto as fechadas impedem o acesso espécies terrestres de médio e grande porte”, explica Souza.

Dentro de cada parcela existem oito subparcelas, das quais os pesquisadores amostram três, utilizando as outras cinco para andar dentro do cercado ou fazer outros experimentos que possam causar algum impacto não natural na área delimitada. “Dessa forma evitamos qualquer distúrbio humano nas amostradas”, explica Souza. “Nas parcelas, analisamos todos os indivíduos de plantas que variam de 10 centímetros até 1 metro de altura, anotando quando eles apareceram nas parcelas e quando morreram.”

Há uma razão para a escolha desse tamanho específico das espécies vegetais estudadas. “Os filtros de seleção, de sobrevivência das plantas, atuam mais nos períodos de juventude”, explica Souza. “Então, se uma planta cresceu e ultrapassou o estágio de 1 metro, podemos esperar que provavelmente chegará à fase adulta.”

O pesquisador escolheu seis formas de vida vegetal para estudar — árvores, palmeiras, lianas (cipós ou trepadeiras), arbustos, ervas e bambu — por serem as mais representativas e abundantes nas parcelas. “Assim, era possível fazer inferências e generalizações sobre o efeito dos mamíferos com um certo grau de confiança e certeza”, diz Souza.

Queixadas (Tayassu pecari). Foto: eMammal via Visualhunt

Para verificar o que ocorria nos cercados e categorizar todas as plantas que eles abrigavam, os pesquisadores visitavam cada um deles duas vezes por ano, tanto os abertos quanto os fechados. Cada planta foi identificada com uma pequena etiqueta de alumínio, que continha a maior quantidade possível de informações a seu respeito. Graças a essas plaquetas, na visita seguinte o grupo era capaz de saber se a planta continuava viva e crescendo, ou se havia sido comida, ou mesmo morrido por outros motivos.

Com esse experimento, o grupo procurou entender se o desaparecimento dos grandes mamíferos levava a uma superdominância de algumas formas de vida — por exemplo, ter mais indivíduos de árvores e palmeiras do que dos outros grupos. “Constamos que sim”, diz Souza. “Nossos principais resultados mostram que a presença dos herbívoros é crucial para a dinâmica natural das florestas tropicais.”

Tanto antas quanto queixadas têm um papel crucial na dispersão de sementes pela floresta. As primeiras comem apenas a polpa dos frutos, deixando que as sementes passem quase intactas pelo seu trato digestivo até serem defecadas no solo, prontas para germinar. Já as queixadas, que costumam andar em bandos de dezenas de indivíduos, pisoteiam o solo e ajudam a revirá-lo, garantindo a fixação das sementes. Ambas circulam por grandes distâncias na floresta, facilitando a disseminação.

Leia também: As antas podem ser fundamentais para a recuperação de florestas tropicais degradadas

Menos mamíferos, menos plantas

Ao longo dos 10 anos de dados que os pesquisadores analisaram, eles perceberam que a simples exclusão dos animais alterava significativamente a abundância relativa das espécies, favorecendo árvores e palmeiras em detrimento das outras formas de vida, que aumentaram sua presença nas áreas fechadas em 38% e 28% respectivamente.

“Nosso segundo resultado é referente à coexistência das formas de vida”, explica Souza. “Verificamos que a presença dos herbívoros controla a população delas e consequentemente o seu potencial competitivo, um controle top-down [controle que vem de cima da cadeia alimentar].”

Segundo Souza, de forma resumida, o trabalho possibilitou concluir que a presença dos grandes herbívoros é essencial para a estrutura física e a manutenção dos serviços ecossistêmicos da Mata Atlântica, por manter ou aumentar a diversidade de grupos de plantas e o papel delas para o funcionamento da floresta. “Muitas dessas formas de vida são alimentos, ninhos, refúgios e passagens para diversos animais, desde invertebrados até grandes vertebrados”, diz.

Subparcela de 1×1 metro dentro das parcelas grandes de 3×5 metros. Foto: Rafael Souza

Por isso, simplificar a floresta para uma composição baseada em poucas formas de vida implicaria na perda de muitas dessas informações biológicas e na complexidade desse ecossistema. “Além disso, essas espécies vegetais são responsáveis pela dinâmica e estoque de carbono na floresta”, acrescenta Souza. “Alterar sua estrutura e configuração por meio da composição dessas plantas pode, com certeza, afetar o balanço de emissão, estoque e absorção desse gás pelos ambientes tropicais.”

Para o ecólogo Rodrigo Fadini, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o estudo de Souza consolida uma linha de pesquisa recente, que trata da importância dos mamíferos, especialmente os de médio e grande porte, para manutenção das florestas tropicais. “Tanto para manutenção dos serviços ecossistêmicos, que não foram diretamente abordados nesse trabalho, como também da diversidade de espécies e formas de plantas nas florestas tropicais”, avalia. “Então, a importância do estudo está em incluir os animais na perspectiva da manutenção da diversidade e funcionalidade das florestas tropicais, incluindo a Mata Atlântica.”

Imagem do banner: Anta-brasileira (Tapirus terrestris). Foto: Joao Paulo Krazewski

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