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Lagos da Amazônia são mais eficazes do que a floresta na captura de carbono

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  • Pesquisa inédita mostra que corpos d’água da Amazônia capturam 39% mais carbono do que a própria floresta.

  • A pesquisa também revelou que lagos e rios localizados em regiões tropicais com florestas preservadas sequestram 10% do carbono nesses locais.

  • Trabalho mostra importância da preservação de áreas alagadas contra as mudanças climáticas, dizem os pesquisadores.

Os lagos da Amazônia sequestram carbono a uma taxa de 39% superior à da própria floresta. É o que mostrou um estudo realizado por pesquisadores do Brasil, Austrália, Estados Unidos, França, Portugal, Reino Unido e Suécia. O trabalho constatou que esses corpos d’água aprisionam 113,5 gramas de carbono por metro quadrado por ano em seus sedimentos, enquanto estudos anteriores demostraram que a mata absorve em média 81,72 gramas desse elemento no mesmo período.

A pesquisa também revelou que lagos localizados em regiões tropicais com florestas preservadas sequestram 10% do carbono nesses locais. Além disso, o estudo também mostrou que esses corpos d’água absorvem três vezes mais desse elemento do que os localizados em regiões temperadas e 10 vezes mais do que os situados em áreas frias ou subpolares.

Para chegar a esses resultados, os pesquisadores analisaram os sedimentos depositados no fundo dos lagos, ricos em matéria orgânica. “Esse carbono é em forma de biomassa”, explicou por telefone à Mongabay o geógrafo Leonardo Amora-Nogueira, que liderou o estudo, realizado durante seu doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF). “As florestas sequestram carbono, o agregam na biomassa para crescimento e, quando morrem, ele é carreado até o lago e acumulado. Essa acumulação no sedimento impede que ocorra degradação e que este carbono seja emitido para a atmosfera, em forma de gás. O material no fundo dos lagos funciona como um reservatório dele.”

Segundo seu colega geógrafo, Rodrigo Abuchacra, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que também participou da pesquisa, os ambientes aquáticos são os principais destinos da produção sedimentar, do escoamento superficial e subterrâneo, bem como da biomassa terrestre e da água nos arredores e no próprio lago. “Consequentemente, grande parte dessa produção acaba depositada no fundo dos corpos d’água lacustres, sendo os sedimentos registros naturais da evolução desses ambientes”, Abuchacra disse por telefone à Mongabay.

Ele acrescentou que, ao se investigar cada camada sedimentar em alta resolução, pode-se resgatar, também em alta resolução, a trajetória das intervenções humanas no entorno. “É possível identificar, ao longo do tempo, os diferentes níveis de impactos ambientais em cada um dos lagos e comparar com os demais biomas nacionais e internacionais”, disse.

O primeiro passo do trabalho, no entanto, foi uma compilação de 43 estudos sobre lagos de florestas tropicais úmidas de todo o mundo. De acordo com os pesquisadores, essa abordagem dobrou a representação desses corpos d’água mais quentes em matas tropicais, quando comparada ao relatado anteriormente na literatura. Isso tornou possível uma melhor representação da distribuição global das taxas de soterramento de carbono lacustre.

Partindo desses dados, os autores do trabalho constataram que a capacidade dos lagos de acumular carbono estava muito relacionada à maior produtividade das florestas tropicais em comparação com as de outros biomas. “A [floresta] amazônica é uma das mais produtivas do mundo”, disse Amora-Nogueira. “Por isso, a quantidade de matéria orgânica que acaba sendo disponibilizada para ser acumulada nos lagos é muito maior nessa região. Isso explica os valores de três e 10 vezes maiores que nós encontramos nessas áreas de floresta tropical úmida, em relação às regiões temperadas e subpolares.”

A investigação das camadas sedimentares de corpos d’água como o lago Cujubim, próximo a Porto Velho, Rondônia, revela também a trajetória das intervenções humanas no entorno. Foto: Thayriny Fonseca.

Mergulho no tempo

O passo seguinte foi o trabalho de campo na Amazônia. Eles estudaram 13 lagos numa área total de 580 mil quilômetros quadrados ao longo de uma distância máxima de 1.170 km. Isso aumentou em cerca de 75, ou 130%, o número de florestas tropicais representadas em relação aos estudos publicados anteriormente. Eles analisaram o material depositado no fundo dos lagos num período dos últimos 50 a 100 anos. “Estudamos uma sucessão de camadas, a partir das mais antigas no fundo até o topo dos sedimentos, que são os mais recentes”, Amora-Nogueira disse.

Para coletar o material, os pesquisadores fizeram buracos verticais nos sedimentos no fundo dos lagos no ponto de maior profundidade usando tubos de 75 milímetros de diâmetro e com aproximadamente 90 centímetros de altura. “Assim, coletamos e preservamos uma sequência de camadas, partindo do que foi depositado antes e do que foi sendo armazenado depois ali ao longo do tempo até chegar aos dias atuais”, contou Amora-Nogueira. “Depois levamos esses tubos para o laboratório e os cortamos em fatias de dois centímetros e, a seguir, as analisamos. O mais importante é que elas nos disseram exatamente a idade de cada uma.”

Para fazer a datação precisa, a equipe se valeu do chumbo 210, um isótopo que existe na natureza e que decai a uma taxa conhecida e constante de mais ou menos 22 anos, transformando-se no bismuto. Com base nesse declínio conhecido, os pesquisadores conseguiram avaliar a idade de cada camada e realizaram as análises de carbono orgânico, para verificar sua quantidade efetiva em cada uma delas.

Com isso, foi possível verificar todas as alterações que foram ocorrendo no entorno dos lagos, sejam naturais ou antrópicas, que aumentaram ou diminuíram a chegada de matéria orgânica no corpo d’água ao longo dos anos. Ou seja, as mudanças ficam registradas e podem ser acessadas dessa forma nos tubos. Assim foi possível constatar que o desmatamento reduz as taxas de sequestro de carbono. “Pelo geoprocessamento, conseguimos saber o tamanho da área que foi desmatada e o período que ocorreu a derrubada da floresta”, disse Amora-Nogueira. “E pelo testemunho no fundo do lago, pudemos captar essa diminuição ou aumento, que coincide exatamente com essas datas que foram verificadas nas imagens de satélite.”

Barqueiros da região ajudam pesquisadores na coleta de material dos lagos na região de Rondônia. Para analisar os depósitos dos últimos 50 a 100 anos, a equipe faz buracos verticais usando tubos de 75 milímetros de diâmetro e com aproximadamente 90 centímetros de altura. Foto: Thayriny Fonseca.

A importância do estudo não está ligada à área ocupada pelos lagos naturais do mundo, que é muito pequena se comparada às das florestas. Eles cobrem aproximadamente 2,67 milhões de quilômetros quadrados ou 1,8% da superfície terrestre em quase todas as zonas climáticas. Na Amazônia, existem cerca de 15 mil lagos, que ocupam uma área de aproximadamente 20 mil quilômetros quadrados, ou 1% da área total da floresta, e sequestram 2,7 milhões de toneladas de carbono por ano.

Esse volume pode estar subestimado, no entanto pois há lagos embaixo das copas das árvores, escondidos dos sensores dos satélites e por isso não foram estudados. Além disso, faltou avaliar ainda os sedimentos acumulados em várzeas de rios e áreas pantanosas. Seja como for, as descobertas do estudo podem servir também para determinar áreas prioritárias à conservação, que devem incluir tanto ecossistemas terrestres quanto alagados.

A importância dos lagos dentro de bacias hidrográficas vem do fato de serem ambientes de deposição de material orgânico, com taxas de soterramento de carbono recentes geralmente altas, desempenhando um papel essencial no ciclo global desse elemento, que é desproporcional a sua área relativamente pequena. “Nosso estudo conseguiu evidenciar que, apesar de serem pequenos em área, esses lagos têm a capacidade muito grande para absorver carbono”, disse Amora-Nogueira.

O biólogo e geógrafo Humberto Marotta, da UFF, orientador de Amora-Nogueira no doutorado, disse à Mongabay por telefone que os lagos podem ser pequenos em área, mas recebem aportes de vastas áreas da bacia de drenagem. Ele lembrou que há rios desaguando neles, tem escoamento superficial por cima do solo que chega até esses corpos d’água lacustres, além da infiltração no solo, que pelo lençol freático também os alcança. “Ao mesmo tempo, os lagos são ecossistemas propícios para a deposição e ao acúmulo de materiais inorgânicos e orgânicos”, completou.

Para Marotta, quando se fala da importância da floresta, é preciso considerar as áreas alagadas, ou seja, é necessário preservar não somente as árvores, mas também os lagos e outros corpos d’água como um todo. “Temos que colocar no radar da conservação não só a segurança hídrica e alimentar e a preservação da riqueza da biodiversidade”, disse. “Tudo isso é fundamental, mas temos que pensar em termos de crédito de carbono. A preservação dos lagos para acumular biomassa e evitar a liberação de gases efeito estufa para atmosfera. E ressaltar nossa descoberta de que áreas desmatadas apresentam menos biomassa acumulada nos lagos.”

Segundo Amora-Nogueira, o estudo representa um esforço ainda inicial para entender o sequestro de carbono pelos lagos das florestas tropicais úmida. “Diante de toda a diversidade que se encontra nesses ambientes, ainda são necessárias muitas pesquisas para conseguir entender essa relação entre matéria orgânica produzida pela floresta e o que dela é acumulado nos lagos”, explicou. “Mas, por outro lado, foi uma pesquisa fundamental, que acaba inserindo dados de diferentes regiões. Mostramos que esses lagos dessas regiões tropicais úmidas têm uma capacidade de acumular carbono que é muito superior a que encontramos para os outros biomas.”

O pesquisador disse, no entanto, que quando se fala em conservação dos ecossistemas não é apenas a capacidade de acumulação de carbono que se deve olhar. Existe também uma rica biodiversidade e serviços ecossistêmicos que são perdidos quando ocorrem esses eventos de desmatamento. “Quando pensamos na discussão sobre o mercado de carbono, se ela não estiver associada à proteção dos ecossistemas, se torna vazia”, disse. “O que também chamamos a atenção no trabalho é que é necessário olhar para biodiversidade sustentada por esse ambiente. E também para as pessoas que vivem nesses lugares e dependem dessas funções naturais, que são oferecidos por esse ecossistema.”

O trabalho poderá ter continuidade, abordando outros aspectos que ficaram de fora. Os pesquisadores acreditam que em extensas áreas alagadas dentro de florestas tropicais úmidas, temperaturas anuais mais altas podem estimular ativamente a degradação de quantidades consideráveis do carbono aprisionados no fundo dos lagos, aumentando a incerteza sobre o papel das variações de temperatura na determinação das taxas de soterramento de sedimentos. Essa degradação também pode, eventualmente, liberar grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), um dos gases do efeito estufa.

Imagem em destaque: Pesquisa inédita mostra que corpos d’água da Amazônia, como o lago Puruzinho, em Humaitá, capturam 39% mais carbono do que a própria floresta. Foto: Humberto Marotta

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