A partir dos anos 90, ecologistas de ecossistemas e cientistas atmosféricos da agência espacial brasileira iniciaram uma sofisticada colaboração com a Nasa e outras instituições internacionais de pesquisa; seu objetivo era compreender e modelar as interações entre a atmosfera, o oceano e o ecossistema florestal. Eles coletaram dados usando instrumentos montados em satélites, plataformas aerotransportadas e torres de dossel, uma colaboração que descobriu como as anomalias cíclicas nas temperaturas oceânicas, como o El Niño/La Niña, impulsionam as secas e enchentes que impactam a Amazônia a cada década. Sua descoberta mais importante foi elucidar como as florestas tropicais reciclam a água entre a superfície e a troposfera superior por meio de um processo conhecido como “convecção profunda”, às vezes chamado de “bomba biótica” (biotic pump); esse sistema natural mantém a alta precipitação que define a floresta tropical amazônica. Leia aqui o texto em inglês e espanhol A “Monção da América do Sul” é determinada e controlada pela rotação da Terra, pela mudança sazonal da Zona de Convergência Intertropical (ITCZ), pela altura dos Andes e pelos gradientes de pressão atmosférica impulsionados pelas diferenças de temperatura na América do Sul. Fonte dos dados: Marwan, N. e J. Kurths. 2015. “Técnicas baseadas em redes complexas para identificar eventos extremos e transições (repentinas) em sistemas espaço-temporais”. Chaos: An Interdisciplinary Journal of Nonlinear Science 25 (9): 097609. Os impactos do desmatamento, da fragmentação florestal e da degradação florestal estão debilitando a reciclagem da água, e isso está aumentando a intensidade e a frequência da seca sazonal e interanual. O risco é particularmente grave no sul da Amazônia, uma zona de transição climática onde mudanças sutis na sucessão ecológica podem determinar se uma paisagem é dominada por espécies florestais ou de savana. Quando, e se, uma comunidade florestal for estabelecida, mecanismos de retroalimentação reforçarão a bomba biótica, o que favorece um estado de equilíbrio que sustenta a manutenção da floresta tropical. Uma rápida transição para um equilíbrio não florestal pode ocorrer se um importante fator ambiental, como seca, incêndio ou extração de madeira, ultrapassar um limiar a ponto de alterar o microclima que favorece as espécies florestais. Quando isso ocorre, as árvores da floresta tropical sofrem altas taxas de mortalidade e são substituídas por espécies adaptadas às condições de savana aberta. Os incêndios geralmente começam quando os proprietários de terras queimam pastagens para renovar a forragem ou limpar a floresta para estabelecer novos campos; o fogo manejado muitas vezes se espalha na floresta natural adjacente e, durante os anos de seca, pode danificar milhões de hectares de habitat florestal primário. Esta fotografia dos incêndios ao longo do Rio Xingu foi tirada pelos astronautas da Estação Espacial Internacional em 2011. Observatório da Terra da Nasa, https://earthobservatory.nasa.gov/images/71256/fires-along-the-rio-xingu-brazil Os modelos climáticos mostram que a seca na Amazônia se tornará mais frequente e intensa, ao mesmo tempo em que as temperaturas mais altas aumentam o estresse das árvores tropicais. Há uma crescente preocupação com a possibilidade de que o sul da Amazônia possa sofrer dois ou mais anos consecutivos de seca, o que poderia desencadear uma mortandade florestal em larga escala de proporções catastróficas. Conhecida como a “hipótese do ponto de inflexão”, é uma chamada de atenção para os perigos do desmatamento descontrolado, do corte ilegal e do uso indiscriminado do fogo por pequenos agricultores e pecuaristas. O impacto de um ecossistema florestal em colapso se estenderia muito além da perda de biodiversidade na floresta remanescente do sul da Amazônia, pois sinalizaria uma redução drástica da pluviosidade em toda a região – e mais além. A descoberta economicamente mais significativa dos últimos anos surgiu de uma colaboração entre agências meteorológicas para integrar as manifestações sub-regionais das estações úmidas e secas anuais em um sistema climático comum em escala continental. Batizado de Sistema de Monção da América do Sul (SMAS), controla o fluxo de água do Oceano Atlântico para o oeste através da Amazônia, para o sul ao longo da base dos Andes e, por fim, para o sudeste nas paisagens subtropicais da Bolívia, Paraguai, Brasil Central e norte da Argentina. Tão logo saem dos ovos enterrados na areia da praia, os filhotes de tartaruga-da-amazônia buscam o caminho do rio. Foto: Luiz Baptista/Ibama. A combinação da reciclagem da água impulsionada pela convecção profunda dentro da Amazônia, e a distribuição de água pelo continente com o SMAS, liga diretamente a produtividade de uma das fontes de alimento mais importantes do planeta – e a saúde econômica de quatro nações – com a conservação da floresta tropical amazônica. Nota do autor: O Sistema de Monção da América do Sul (SMAS) é estabelecido e controlado pela rotação da Terra, a altura dos Andes e os gradientes de pressão atmosférica resultantes das diferenças de temperatura entre o Oceano Atlântico e a massa terrestre sul-americana. “Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).