Notícias ambientais

“Vou continuar lutando”, diz Alessandra Munduruku, ativista indígena e vencedora do Prêmio Goldman

  • Este ano, a líder indígena e ativista dos direitos humanos Alessandra Korap Munduruku foi uma das seis vencedoras do prestigiado Prêmio Ambiental Goldman, também conhecido como “Nobel Verde”.

  • O prêmio reconhece sua resistência incansável ao garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Munduruku, incluindo tentativas de mineração por parte da gigante Anglo American.

  • Em entrevista à Mongabay, Alessandra fala sobre o significado que o prêmio tem para ela, as mudanças políticas que está vendo no Brasil e a atual crise no território Munduruku.

  • Embora elogie algumas ações do atual governo, ela diz que sua luta não acabou, enquanto alerta para possíveis problemas ambientais decorrentes de projetos de infraestrutura que estão por vir.

Quando Alessandra Korap Munduruku percebeu que garimpeiros ilegais em busca de ouro estavam contaminando o território de sua comunidade, coberto de floresta tropical, desencadeou-se uma intensa campanha contra a mineração ilegal. Essa missão a levou de sua aldeia, no Pará, ao cenário mundial, como ativista de direitos humanos. Oito anos depois, durante os quais Alessandra também enfrentou a gigante da mineração Anglo American, a líder indígena recebeu o Prêmio Ambiental Goldman 2023, um reconhecimento a pessoas que se destacam no ativismo ambiental de base.

“Esse prêmio reflete a importância do trabalho da Alessandra enquanto liderança, por representar o povo de relevância altíssima para a conservação da biodiversidade e por estar também sob um ataque feroz de interesses privados na mineração”, disse à Mongabay, por telefone, Kenzo Jucá, consultor socioambiental que trabalhou com legislação ambiental no Congresso Nacional por mais de 20 anos.

Alessandra estava em São Francisco, nos Estados Unidos, para receber o prêmio. De lá, conversou com a Mongabay por videochamada, sobre uma série de temas: o que o prêmio significa para ela, mudanças nas políticas ambientais do Brasil e dos povos indígenas, e os desafios a ser enfrentados. Embora os holofotes estejam voltados para ela, Alessandra usou o coletivo “nós” ao falar sobre suas campanhas, como forma de reconhecer as outras pessoas e organizações que trabalham com ela: “A gente sempre fala em coletivo, porque a gente está junto na luta”.

Ela diz que a conquista não lhe tirou o foco do objetivo maior: “A gente nunca entrou na luta para ganhar prêmio. A gente entrou na luta para expulsar os invasores que estão dentro do nosso território”. Mas o prêmio é importante como indicação positiva de que seus esforços estão no caminho certo. “O mundo inteiro vai reconhecer a nossa luta”, disse ela. “Esse prêmio me veio dizer que em toda essa luta a gente é capaz de expulsar qualquer empresa que quer negociar, que quer nossa morte.”

Em 24 de abril, Alessandra Korap Munduruku recebeu o Prêmio Ambiental Goldman por seus incansáveis esforços para impedir a mineração na Terra Indígena Munduruku. Foto: Prêmio Ambiental Goldman/divulgação

Sua eloquente campanha resultou no cancelamento de 27 solicitações de licença para prospecção em Terras Indígenas apresentadas pela Anglo American em 2021 – uma grande vitória para o movimento indígena. No entanto, os problemas persistem dentro da Terra Indígena Munduruku, uma área de 2,4 milhões de hectares de Floresta Amazônica na bacia do Alto Tapajós. Com a terra invadida por garimpeiros ilegais desde a década de 1980, um estudo constatou que todos os Munduruku têm algum nível de contaminação por mercúrio, que agora está afetando crianças nascidas com defeitos que afetam suas vidas, de acordo com um novo relatório da Repórter Brasil.

A reação de Alessandra a esses eventos em seu território foi de ação e busca por responsabilização. “É a responsabilidade do governo e das empresas que fornecem esse mercúrio”, disse ela. “A gente não vai parar de lutar, até tirar esses invasores da terra e parar de ter o garimpo.”

Enquanto ela recebia o prêmio Goldman, em 24 de abril, milhares de pessoas se manifestavam em Brasília pelos direitos constitucionais e pela demarcação de terras indígenas, durante o Acampamento Terra Livre 2023, indicando uma tendência crescente de líderes e ativistas indígenas reivindicarem mudanças nas políticas. “Esse crescimento de processos de resistência, na verdade, é um reflexo da crescente pressão de interesses econômicos sobre esses territórios”, disse o assessor parlamentar Jucá. “Esse tipo de denúncia é importantíssima, por um lado, para controlar os ataques no território, e, por outro lado, para estruturar uma série de políticas públicas.”

Protestar e conquistar reconhecimento por meio de prêmios importantes também ajuda a conscientizar o mercado global de ouro sobre os problemas internacionais, dizem os especialistas. “É muito importante que os países consumidores desse ouro saibam a origem desse ouro”, disse à Mongabay, por telefone, José Augusto Sampaio, antropólogo e membro da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí). “É ouro garimpado ilegalmente, comercializado ilegalmente, exportado ilegalmente. Mas quando chega no exterior, vira ouro legal.”

Sampaio disse que dar mais destaque ao trabalho de Alessandra por meio desse prêmio pode ajudar a mantê-la a salvo dos riscos que ela enfrenta em seu ativismo. “Ela tem sido vítima de ameaças de morte. Ela precisa ser protegida”, afirmou. “Toda visibilidade que ela possa ter pode também ajudar a protegê-la.”

No dia 24 de abril, a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, visitou o Acampamento Terra Livre, um encontro de cinco dias em Brasília que reuniu cerca de 6 mil indígenas exigindo a demarcação de suas terras. O evento começou no mesmo dia em que Alessandra Munduruku recebeu o Prêmio Ambiental Goldman, refletindo a tendência crescente de ativistas indígenas reivindicarem seus direitos. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Mudando as políticas ambientais do Brasil

Quando Alessandra falou pela última vez com a Mongabay, em 2019, já haviam transcorrido nove meses do governo de Jair Bolsonaro e começava uma longa série de ações destrutivas contra o meio ambiente. Na época, suas maiores preocupações eram o agronegócio, a exploração madeireira e a construção de infraestrutura, como portos, hidrelétricas e ferrovias, impulsionada pela demanda mundial por commodities que poderiam ser extraídas da floresta tropical. Três anos e meio depois, os mesmos problemas persistem.

“Todos eles são responsáveis”, disse Alessandra, relacionando o atual desmatamento na Amazônia ao apetite que os países desenvolvidos têm por soja, ouro e ferro. “Essa responsabilidade não é só nossa, não só do governo brasileiro e todo mundo.”

Embora persistam os mesmos problemas, muita coisa mudou no Brasil desde 2019, principalmente a posse de um novo governo no início deste ano. “Eu fiz passo para derrotar o Bolsonaro. Com muito orgulho, disse Alessandra. “Eu fiz parte, porque a gente não aguentava mais sofrer.” As políticas ambientais hostis implementadas por Bolsonaro nos últimos quatro anos fizeram com que nenhuma Terra Indígena fosse demarcada e o garimpo ilegal em áreas protegidas atingisse níveis jamais vistos. Alessandra enfrentou constantemente as políticas e a retórica de Bolsonaro, falando em eventos internacionais e participando de protestos locais.

Agora, com Luiz Inácio Lula da Silva no governo, ela vê como um avanço a criação do Ministério dos Povos Indígenas e o aumento do número de representantes indígenas no Congresso. No entanto, “não é suficiente”, disse Alessandra. “A gente quer muito mais. A gente quer a demarcação do nosso território. A gente quer que o governo nos consulte em toda decisão que seja tomada que possa nos afetar.”

Alessandra Korap Munduruku (canto inferior esquerdo) se junta a outras ativistas indígenas na primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto de 2019. Foto: Leo Otero/Prêmio Ambiental Goldman.

Isso é especialmente relevante dada a lista de projetos de infraestrutura que parecem iminentes à medida que o Brasil aumenta suas relações com a China, o que representa uma ameaça ao meio ambiente e às comunidades tradicionais, diz Alessandra. “[Lula] já está negociando na China, e eles têm interesse em infraestrutura de TI [tecnologia da informação] e no agronegócio”, disse ela. “A gente fica preocupado, porque é o nosso território que está em cima disso, e eles vão querer passar por cima da nossa terra.”

Durante a visita de Lula à China, em abril, os dois países incentivaram investimentos recíprocos em infraestrutura, energia, mineração e agricultura. Entre eles, estão os planos de construção de novas ferrovias e portos – empreendimentos de infraestrutura que historicamente prejudicam o meio ambiente e os habitantes da região, principalmente as comunidades indígenas e ribeirinhas.

Para Alessandra, sua luta pelos direitos indígenas rendeu várias conquistas nos últimos anos, mas ainda há trabalho por ser feito e ela ainda não pretende parar. “Eu tenho muito orgulho de ter lutado, e vou continuar lutando, contra qualquer genocídio que aconteça, e qualquer tentativa de fazer decisões sem consultar os povos indígenas”, disse ela.

Samela Sateré Mawé, jovem ativista indígena: “Somos guerreiros digitais”

Imagem do banner: A líder indígena Alessandra Korap Munduruku. Foto: Prêmio Ambiental Goldman/divulgação

Mais reportagens da Mongabay sobre povos indígenas aqui.

Exit mobile version