As onças-pintadas são fundamentais para ecossistemas saudáveis, mas foram erradicadas de quase 50% de sua distribuição geográfica histórica e, de acordo com algumas estimativas, restam apenas 173 mil indivíduos.
O Brasil é o lar de metade das onças-pintadas do mundo, e um grupo de pesquisadores identificou as áreas protegidas de maior prioridade para a conservação da onça-pintada na Amazônia brasileira.
As 10 principais áreas protegidas de prioridade máxima encontram-se principalmente no Arco de Desmatamento, e oito delas são Terras Indígenas.
Os pesquisadores dizem que os esforços de conservação devem incluir o fortalecimento da participação dos povos indígenas e das comunidades locais, além de mais apoio aos órgãos ambientais fiscalizadores e implementação de políticas ambientais mais robustas.
Embora a distribuição geográfica original das onças-pintadas se estenda do México à Argentina, elas foram erradicadas de quase a metade desse território. De acordo com as estimativas mais otimistas, restam 173 mil indivíduos no continente. Metade desse número vive no Brasil, e pouco menos de um quarto na Amazônia brasileira.
Tendo esses números em mente, um grupo de pesquisadores considerou a densidade e o tamanho da população de onças-pintadas na Amazônia brasileira e utilizou um “índice de ameaça” para calcular os riscos impostos à espécie em todas as 447 áreas protegidas da região. Essas ameaças incluem perda e fragmentação de habitat, caça, mortes por atropelamento nas estradas, mineração e incêndios.
O estudo constatou que as áreas que contêm as maiores densidades e as maiores populações de onças são justamente aquelas mais sujeitas a impactos causados pela ação humana. E, considerando os potenciais riscos à sobrevivência da espécie, identificou as áreas protegidas de maior prioridade para a conservação da onça-pintada – dez que exigem ação imediata e outras 74 que demandam ações em curto prazo.
Das dez áreas protegidas de prioridade máxima para a conservação da onça-pintada na Amazônia brasileira, oito são Terras Indígenas. São as TIs Arariboia, Apyterewa, Cachoeira Seca, Kayapó, Marãiwatsédé, Uru-Eu-Wau-Wau, Xingu e Yanomami, juntamente com a Estação Ecológica da Terra do Meio e o Parque Nacional Mapinguari. Com exceção da TI Yanomami, sujeita às pressões da mineração, todas estão situadas no Arco do Desmatamento, onde a perda florestal foi mais intensa nas últimas décadas.
A TI Yanomami, que abrange uma área do tamanho de Portugal, tem a maior população de onças-pintadas entre essas áreas, com uma estimativa conservadora de 1.003 indivíduos. A menor população é a de Marãiwatsédé, uma área com aproximadamente um sexagésimo do tamanho do território Yanomami, com uma estimativa de 16 onças.
A onça-pintada (Panthera onca) é o terceiro maior felino do mundo, ficando atrás apenas dos tigres e dos leões, mas têm a mordida mais poderosa de todos, capaz de quebrar a carapaça de uma tartaruga. Ela se alimenta de mais de 85 espécies animais e pode viver em qualquer lugar, de florestas a pradarias e pântanos. As onças-pintadas são territoriais e precisam de muito espaço para perambular e caçar.
“Salvaguardar as áreas protegidas é de fundamental importância para as onças, mas não é suficiente. Também precisamos manter a conectividade entre elas por meio de corredores seguros e um planejamento robusto de utilização das terras para garantir o fluxo genético”, diz a coautora do estudo, Valeria Boron, conselheira sênior de programas da WWF do Reino Unido.
De acordo com um estudo de 2018 publicado no periódico Oryx, as subpopulações de onças-pintadas estão ameaçadas de extinção praticamente em todos os lugares, exceto na Amazônia. A conectividade poderia ser uma salvaguarda para as populações desses felinos que vivem fora da maior floresta tropical do mundo.
O Jaguar 2030 Roadmap [“Plano de Ação Onça-Pintada 2030”] é um plano para conectar as principais áreas de conservação de onças-pintadas até o ano de 2030, liderado pela WWF, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Wildlife Conservation Society (WCS) e a organização global para a conservação de felinos selvagens Panthera.
“O Jaguar 2030 Roadmap dá vida nova ao mundo da conservação das onças-pintadas, oferecendo visão e soluções reais para que o mundo possa proteger essa espécie culturalmente icônica e ecologicamente essencial”, disse Howard Quigley, diretor executivo de ciência da conservação da Panthera, em uma declaração de 2018.
Como predadores-chave, as onças-pintadas são fundamentais para um ecossistema saudável. Também são consideradas uma espécie guarda-chuva na conservação. Portanto, proteger seu habitat delas pode ajudar a proteger as milhares de outras espécies que vivem na mesma área.
“Em última instância, conservar as onças-pintadas significa conservar grandes áreas da Amazônia com importantes benefícios planetários”, diz Boron.
De todas as 447 áreas protegidas examinadas no estudo, as reservas indígenas eram o lar de cerca de 24 mil onças-pintadas, ou 63% do número total estimado de onças-pintadas em toda a Amazônia brasileira.
Em vista disso, dizem os autores do estudo, é necessário que haja o fortalecimento da participação dos povos indígenas e das comunidades locais nas decisões e na administração de seus territórios; maior financiamento e apoio às áreas protegidas, Terras Indígenas e órgãos ambientais; e implementação de políticas e estruturas jurídicas mais sólidas no Brasil para impedir que as áreas protegidas sejam diminuídas, rebaixadas ou percam o status de conservação.
“Com a Amazônia encolhendo rapidamente, o estudo aumenta a pressão para que o Brasil (e os países vizinhos) realizem a implementação efetiva da conservação e do apoio às áreas protegidas e Terras Indígenas”, diz Juliano Bogoni, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de São Paulo e da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.
Os autores enfatizam que a grande maioria das áreas protegidas no Brasil sofrem de grave subfinanciamento, falta de pessoal e falta de infraestrutura operacional, o que persiste há décadas.
“A Amazônia é uma dos últimos grandes bastiões para as onças-pintadas, e é fundamental para sua conectividade norte-sul”, diz Allison Devlin, vice-diretora do programa de onças-pintadas da Panthera e que não estava envolvida no estudo. “As onças podem ser protegidas por meio de uma abordagem em mosaico, trabalhando dentro das áreas protegidas, e juntamente com as comunidades locais, os territórios indígenas e os governos para apoiar paisagens amigáveis à vida selvagem que garantirão a passagem segura e a persistência das onças, seu habitat e suas presas – para sempre”.
Referências bibliográficas:
Bogoni, J. A., Boron, V., Peres, C. A., Coelho, M. E. M., Morato, R. G., e Oliveira da Costa, M. (2023). Impending anthropogenic threats and protected area priorization for jaguars in the Brazilian Amazon. [“Ameaças antropogênicas iminentes e priorização de áreas protegidas para as onças-pintadas na Amazônia brasileira”]. Communications Biology, 6(1), 132. DOI:10.1038/s42003-023-04490-1
De la Torre, J. A., González-Maya, J. F., Zarza, H., Ceballos, G., e Medellín, R. A. (2018). The jaguar’s spots are darker than they appear: assessing the global conservation status of the jaguar Panthera onca. [“As pintas da onça são mais escuras do que parecem: avaliando a situação da conservação global da onça-pintada (Panthera onca)”]. Oryx, 52(2), 300-315. DOI:10.1017/S0030605316001046
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2021/11/como-o-turismo-esta-ajudando-a-salvar-a-onca-pintada-no-pantanal/
Imagem do banner: onça-pintada no Pantanal por Steve Winter/Panthera.
Liz Kimbrough é repórter da Mongabay. Encontre-a no Twitter: @lizkimbrough