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Aumenta a violência em conflitos de terra com empresa de óleo de palma na Amazônia

  • Comunidades indígenas e quilombolas do Pará acusam a Brasil BioFuels S.A. (BBF), maior exportadora de óleo de palma do país, de ataques violentos durante atos de reintegração de posse em áreas em disputa no Acará nos dias 12 e 16 de abril.

  • A empresa nega as acusações e alega que foram as liderenças que atacaram seus funcionários, detendo 30 deles “em cárcere privado por três dias” devido ao bloqueio da estrada em que fica localizada a fazenda.

  • O Ministério Público Federal está investigando a ação de milícias armadas e empresas de segurança privada na região, além de denúncias de crimes e irregularidades contra as empresas de óleo de palma.

  • A Defensoria Pública questionou a legitimidade da liminar usada na reintegração de posse, pois foi emitida por uma vara cível e não pela vara agrária; o Ministério Público Estadual disse que vai apurar as denúncias e que uma audiência na Vara Agrária foi agendada para 28 de abril.

Uma nova onda de conflitos de terra entre a maior exportadora de óleo de palma do país e comunidades tradicionais foi deflagrada nos últimos dias na Amazônia, gerando preocupação sobre a escalada da violência na região.

Comunidades indígenas e quilombolas do Pará acusam a Brasil BioFuels S.A. (BBF) de ataques violentos durante atos de reintegração de posse de uma área em disputa na região do Acará. A empresa nega as acusações e alega que foram as comunidades locais que atacaram seus funcionários. As autoridades estão investigando o caso.

Uma fonte do povo indígena Tembé, que pediu para não ser identificada por razões de segurança, descreveu à Mongabay o ataque de 12 de abril: “Eles passaram praticamente a semana ameaçando os quilombolas e os indígenas. Os seguranças da empresa chegaram armados, para nós desocuparmos as áreas”. A fonte disse que os indígenas resistiram e que “eles acabaram não nos machucando”, mas logo em seguida os seguranças foram para a área ocupada pelos quilombolas e “dispararam tiros” contra eles. “Eles não resistiram, acabaram saindo pelo ataque”, disse a fonte em uma mensagem de áudio.

Still from a video where shots can be heard fired
Imagem de um vídeo em que é possível ouvir tiros e ver seguranças armados. Imagem cortesia do povo Tembé.

Os quilombolas tomaram a iniciativa de construir um portão junto com líderes indígenas, disse a fonte, na divisa da área reivindicada como terra ancestral, para dificultar o acesso dos seguranças armados. “Foi aí que a BBF [se] revoltou de novo contra nós”, disse a fonte, relatando que na madrugada de 15 para 16 de abril “veio muita polícia, muito segurança” e que mais de 20 viaturas que expulsaram os quilombolas e destruíram o portão.

Desde 2021, a Mongabay tem publicado investigações com denúncias de grilagem de terra, violência, contaminação da água por agrotóxicos e outros crimes ambientais atribuídos a empresas de óleo de palma no Pará. No caso do BBF, a “guerra do dendê”, como reportado pela Mongabay em outubro, resultou na suspensão da compra de multinacionais.

A área em disputa está localizada nos arredores da sede da Fazenda Vera Cruz, da BBF. Em resposta por e-mail, a BBF disse que um grupo de 30 funcionários da fazenda “permaneceu em cárcere privado por três dias inteiros devido ao bloqueio da estrada em que fica localizada a fazenda” e que “um grupo armado formado por lideranças quilombolas impediu que os funcionários recebessem alimentos, água, medicamentos e combustível para a geração de energia no local”.

A empresa informou que seus funcionários só foram liberados em 16 de abril “graças a uma ação da Polícia Militar”, cumprindo a liminar deferida pelo juiz de plantão no Fórum de Acará, Giordano Grilo. “Os funcionários relataram ter vivido momentos de terror, devido às ameaças e à falta de alimentos, água e combustível”.

A BBF também acusa um grupo de 30 quilombolas de ter invadido a fazenda Vera Cruz em 12 de abril para roubar óleo de palma. “Durante a ação, eles ameaçaram de morte funcionários da empresa e invadiram as instalações do Polo Vera Cruz, com o objetivo de destruir equipamentos e maquinários. A Polícia Militar retirou os invasores do local, mas eles retornaram à fazenda da empresa no dia 14, fazendo novas vítimas”.

A empresa informou que registrou quatro boletins de ocorrência “por invasões promovidas pelo grupo de indígenas e quilombolas” somente na semana de 12 de abril. Segundo a BBF, desde 2021 já foram registrados mais de 750 boletins de ocorrência pela empresa contra as comunidades “noticiando os mais diversos tipos de crimes como roubo, furtos, incêndios criminosos, tentativas de estupro, agressões de trabalhadores, tentativas de homicídio, disparos de armas de fogo, entre outros”.

As comunidades negaram as acusações de violência contra os funcionários da BBF. De acordo com a fonte Tembé, a estrada bloqueada é um acesso secundário não pavimentado à fazenda, conhecido como ramal, e não a via principal. “A gente estava só colocando os pilares para a demarcação da área e o que nós não aceitávamos era que os seguranças passassem armados para nos atacar da forma com que fizeram [no dia 12]”.

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Em setembro de 2022, a casa de cultura da comunidade Ramal Braço Grande, localizada entre os municípios de Tomé-Açu e Acará, no Pará, foi devastada pelo fogo. Imagem cortesia do povo Turiwara.

Denúncias de abusos e milícias na mira de investigações

Denúncias de abusos nas disputas de terra e ações de retomada estão sendo investigadas pelas autoridades do Pará. O Ministério Público Federal informou que está investigando a ação de milícias armadas e empresas de segurança privada na região, bem como denúncias de crimes e irregularidades por parte dessas empresas, disse um porta-voz em uma mensagem de voz.

A promotora de Justiça Ione Nakamura disse à Mongabay vai apurar as denúncias de abuso policial nas ações de retomada assim que receber provas e indícios dessas irregularidades. Ela requereu uma audiência com o juiz da Vara Agrária, agendada para 28 de abril, para ouvir as partes e dirimir o conflito.

Nakamura disse que estava liderando as negociações para “a construção de um acordo de convivência enquanto os órgãos públicos destinam a área a quem de direito”, dado que os quilombolas alegam que parte da fazenda se sobrepõe ao seu território. Mas, enquanto houver conflito, disse a promotora em uma mensagem de texto, não há como destinar a área. “Infelizmente, com acirramento do conflito e situações de violência, não tem condições de diálogo. Por isso, pedi a audiência”.

Em uma declaração por e-mail, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará informou que equipes especializadas das polícias civil e militar realizaram “uma ação integrada” para “desocupação e o desbloqueio das vias de acesso” à fazenda, em cumprimento a uma decisão judicial de 16 de abril. “A ação foi acompanhada por um oficial de justiça e não houve disparos de arma. Um inquérito será instaurado para apuração dos fatos”.

A defensora pública Andreia Barreto, porém, questionou a legitimidade da liminar, que foi emitida por uma Vara Cível e não pela Vara Agrária. “Para a defensoria, houve uma violação da competência técnica do juízo, já que no estado do Pará a Vara Agrária tem competência para conflitos coletivos pela posse e propriedade da terra”, disse ela à Mongabay por mensagem de voz. Ela afirmou também que tanto o juiz da Vara Agrária quanto ela estavam de plantão em 16 de abril.

Barreto disse que não é a primeira vez que a BBF recorre à Vara Cível para obter liminares de reintegração de posse, “violando inclusive a organização do judiciário com relação à competência”. “Parece que as varas cíveis concedem a reintegração com cautelas reduzidas comparadas às varas agrárias e acabam deferindo o pedido da empresa”.

Imagem de destaque: Colheita de óleo de palma no Pará. Foto: Miguel Pinheiro/CIFOR via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aquiEncontre-a no Twitter: @karlamendes

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