A Agropalma, única empresa brasileira com o certificado internacional de óleo de palma sustentável RSPO — organização que inclui produtores de óleo de palma, comerciantes, fabricantes, varejistas, bancos, investidores, entre outros — está com sua certificação “temporariamente suspensa” desde fevereiro.
Em 15 de dezembro, a Mongabay publicou uma investigação revelando que mais da metade dos 107 mil hectares registrados pela Agropalma no Pará eram oriundos de títulos fundiários fraudulentos, parte emitidos por um cartório fictício, além da sobreposição a terras ancestrais requeridas por indígenas e quilombolas, incluindo dois cemitérios, que estão no centro de uma batalha judicial.
Poucas semanas após a publicação da investigação, representantes das certificadoras contataram líderes quilombolas “para entender as denúncias” publicadas pela reportagem, foram à região e realizaram auditorias em todas as comunidades afetadas; logo depois o IBD Certifications Ltd. suspendeu o certificado RSPO da Agropalma.
A Assurance Services International (ASI), que audita o trabalho das certificadoras, confirmou que “a reportagem foi o motivo para a ASI conduzir uma avaliação de conformidade no IBD, certificadora da Agropalma, nas instalações do detentor da certificação”; especialistas contratados pela ASI também citaram a investigação de Mongabay e esta repórter quando contataram outras fontes-chave da reportagem, como mostra correspondência por e-mail a que a Mongabay teve acesso.
Uma investigação da Mongabay sobre grilagem de terras na Amazônia desencadeou a suspensão do certificado de sustentabilidade da segunda maior exportadora de óleo de palma do país, como mostra correspondência por e-mail a que esta repórter teve acesso, o que também foi confirmado pelas principais fontes do caso.
A Agropalma, única empresa brasileira com o certificado internacional de óleo de palma sustentável RSPO — organização que inclui produtores de óleo de palma, comercializadores, fabricantes, varejistas, bancos, investidores, entre outros — está com sua certificação “temporariamente suspensa” desde fevereiro, o secretariado da RSPO confirmou à Mongabay por e-mail.
Em 15 de dezembro, a Mongabay publicou uma investigação que revelou que mais da metade dos 107 mil hectares registrados pela Agropalma no Pará eram oriundos de títulos fundiários fraudulentos, parte deles emitidos por um cartório fictício, o que está no centro de uma batalha judicial travada por promotores de Justiça e defensores públicos. A investigação da Mongabay durou um ano.
Parte da área se sobrepõe a terras ancestrais reivindicadas por comunidades indígenas e quilombolas, incluindo dois cemitérios visitados pela Mongabay. No Cemitério do Livramento, os moradores afirmam que apenas um quarto dele permanece intacto e que a empresa plantou palmeiras em cima dos túmulos. Os quilombolas também acusam a Agropalma de poluir a água do rio do qual dependem para viver. A empresa nega as acusações.
Apenas algumas semanas após a publicação da investigação, representantes da Assurance Services International (ASI) — organização que audita o trabalho das certificadoras e, consequentemente, se as empresas estão cumprindo as regras da RSPO — e da certificadora brasileira IBD Certifications Ltd. contataram no início de janeiro o quilombola Joaquim dos Santos Pimenta, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará (ARQVA), “para entender as denúncias” publicadas pela investigação, ele afirmou à Mongabay.
“Eles me falaram da tua matéria, que essa matéria bateu na verdade muito forte na questão da certificação”, Pimenta disse à Mongabay em entrevista por telefone. Ele afirmou que a investigação “foi um instrumento importante também pelo fato de ser publicada em inglês e português”.
Depois dos primeiros contatos, um grupo de especialistas da ASI e do IBD foram à região do Alto Acará e realizaram auditorias em todas as comunidades afetadas, segundo Pimenta. Após ouvirem as denúncias das comunidades e checarem vários documentos, ele disse que “já saíram de dentro das comunidades com a decisão do cancelamento da certificação, foram para a Agropalma, juntaram todos os documentos e cancelaram a certificação dela”.
Em comunicado por e-mail para a Mongabay, a ASI confirmou que “a reportagem foi o motivo para a ASI conduzir uma avaliação de conformidade no IBD, certificadora da Agropalma, nas instalações do detentor da certifcação”. A ASI informou que a suspensão do certificado da Agropalma “foi uma decisão tomada pelo IBD”.
Professores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) contratados como especialistas locais pela ASI também citaram a investigação da Mongabay e esta repórter quando contataram outras fontes-chave citadas na investigação. Um e-mail a que a Mongabay teve acesso, enviado ao pesquisador Elielson Pereira da Silva, que conduz pesquisas na área desde 2019 para a Universidade Federal do Pará (UFPA), diz: “Tivemos informações sobre sua atuação na região graças à reportagem da Karla Mendes na Mongabay. O volume de críticas à empresa Agropalma fizeram com que o ASI estabelecesse uma diligência para verificar a situação in loco”. A carta explica que os especialistas estariam em Tailândia, Acará e Tomé-Açu no fim de janeiro “para visitar a empresa e comunidades listadas na reportagem da Mongabay”.
Silva disse ter recebido e-mails de duas pessoas que se apresentaram como consultores da ASI, ambas citando a investigação da Mongabay. “Na mensagem que eu recebi eles diziam textualmente que a reportagem publicada pela Mongabay foi fundamental para essa decisão de vir até o Pará verificar in loco essa questão das violações”, Silva disse à Mongabay por mensagem de voz. “A publicação da reportagem da Mongabay contribuiu sobremaneira para que a repercussão desses conflitos e violações pudesse ganhar escala internacional por causa da relevância desse tipo de abordagem, do tema, e o respeito que Mongabay tem a nível internacional”.
A promotora de Justiça Ione Nakamura disse que também foi entrevistada pelos auditores e destacou a importância da publicação das denúncias na investigação da Mongabay. “O papel da reportagem foi importantíssimo para dar visibilidade a esse problema e chamar a atenção das autoridades,” Nakamura disse à Mongabay por mensagem de voz. “A suspensão do selo RSPO vem confirmar as irregularidades que vêm sendo apontadas pelas comunidades e que vêm sido investigadas pelo Ministério Público”.
Ações corretivas necessárias
RSPO e IBD não divulgaram os detalhes sobre a suspensão da certificado da Agropalma, mas destacaram questões a serem corrigidas.
“A Agropalma será requerida a tratar das não-conformidades e fornecer propostas de ações corretivas para as quais o IBD verificará a implementação das ações acordadas”, a RSPO informou, sem detalhar as inconsistências que levaram à suspensão. “Para retirar a suspensão, as não-conformidades devem ser corrigidas e finalizadas”.
Em uma declaração por e-mail, o IBD confirmou a suspensão e informou que a Agropalma “pode apelar ou apresentar plano de ação para atender aos indicadores em questão”. Entretanto, recusou-se a fornecer detalhes da suspensão, alegando que “as informações de todos os clientes são confidenciais”.
Em declaração por e-mail, a Agropalma disse que recebeu em fevereiro comunicado do IBD informando que “a certificação RSPO de suas plantações havia sido temporariamente suspensa” e recorreu da decisão. “A companhia analisou o relatório da certificadora e discorda dos apontamentos por entender que a avaliação foi inadequada, pois não reflete a realidade e as regras da RSPO”.
A Agropalma disse, porém, que os certificados RSPO de suas refinarias em Belém e Limeira (SP) “seguem vigentes e não há impacto na entrega de pedidos” e que “desde a nossa primeira certificação, em 2011, sempre demonstramos total comprometimento e evidências sólidas quanto ao atendimento dos Princípios e Critérios da RSPO”.
Duas ações civis publicas do Ministério Público Estadual do Pará em 2018 e 2020 cancelaram mais da metade dos títulos de propriedade da Agropalma. Apesar de admitir que as escrituras foram falsificadas, a empresa alega que não estava envolvida no esquema e está tentando recomprar a área do governo do Pará. Desde então, o Ministério Público requeria a suspensão do certificado RSPO da Agropalma e incluiu o IBD como réu nos processos, mas o juiz negou os pedidos na ocasião, conforme relatado pela Mongabay em dezembro.
Em junho de 2022, a ASI suspendeu a atuação do IBD como certificadora RSPO devido a “falha na implementação de correções e/ou ações corretivas eficazes, não permitindo assim que a ASI fechasse uma significativa NC [não-conformidade] dentro dos prazos especificados”, ASI publicou em sua página na internet.
A ASI retirou a suspensão do IBD em 4 de fevereiro, apenas quatro dias antes da suspensão da certificação RSPO da Agropalma. O IBD não respondeu os pedidos de resposta da Mongabay especificamente sobre sua suspensão pela ASI e sobre os processos do Ministério Público e apenas informou que “segue estritamente as normas RSPO e todas as questões e dúvidas são discutidas com cliente, RSPO ou acreditadora ASI”.
A Mongabay contatou alguns dos principais compradores multinacionais da Agropalma, incluindo Unilever Brasil, Cargill e General Mills, para verificar o status das relações comerciais após a suspensão RSPO.
Em comunicado por e-mail, a Unilever Brasil disse que “está acompanhando os desdobramentos de todas as questões envolvendo a Agropalma com extrema cautela e seriedade, como o assunto exige” e que “não tolera e não compactua com violações aos direitos humanos ou à lei”. A Unilever disse que o óleo de palma que utiliza tem certificação RSPO e que verificou com o próprio RSPO que “a certificação da Agropalma continua vigente”, mas solicitou esclarecimentos adicionais sobre eventual suspensão da certificação.
A Cargill disse por e-mail que recebeu as informações sobre a suspensão RSPO da Agropalma e que está em contato com o fornecedor para “avaliar eventuais medidas a serem tomadas” de acordo com o Código de Conduta de Fornecedores da empresa. “Se um fornecedor violar nossas políticas e não quiser participar de nosso processo de engajamento, a Cargill deixará de fazer negócios com esse fornecedor”.
Em declaração por e-mail, a General Mills disse estar “ciente e acompanhando ativamente as reclamações envolvendo a Agropalma”, o que pode ser visto em seu rastreador da cadeia de óleo de palma.
A Hershey Company disse por e-mail que tem vínculos indiretos com a Agropalma através de seus fornecedores diretos Cargill e AAK e que está ciente das alegações contra a empresa, o que foi informado a seus fornecedores diretos através de um processo de investigação e reclamações em sua página na internet, que cita a investigação da Mongabay. A Hershey disse que também está ciente da suspensão da certificação RSPO da Agropalma e está acompanhando o caso através da Cargill.
Compras suspensas em meio à “guerra do dendê”
Além da Agropalma, a maior exportadora de óleo de palma do país, a Brasil BioFuels S.A. (BBF), também está envolvida em conflitos no Pará que as comunidades locais apelidaram de “guerra do dendê“, como reportado pela Mongabay em outubro, resultando na suspensão de compras de alguns clientes.
A escalada da violência foi desencadeada por disputas de terra entre as comunidades indígenas Tembé e Turiwara, quilombolas e BBF entre os municípios de Tomé-Açu e Acará, área reivindicada pelos povos indígenas como sua terra ancestral.
Em setembro de 2022, lideranças denunciaram um ataque a tiros que culminou no assassinato de um não-indígena e deixou dois indígenas Turiwara e um não-indígena feridos. Na manhã seguinte, a casa de cultura de uma aldeia indígena foi queimada. Eles atribuíram os ataques a seguranças privados contratados pelo BBF, que nega as acusações de violência e qualquer sobreposição das áreas que ocupa com terras indígenas.
A Cargill informou que suspendeu a BBF de sua cadeia de fornecedores de óleo palma desde 13 de outubro “até termos a garantia da capacidade da BBF em cumprir suas obrigações como fornecedora Cargill, como estabelecido em nosso Código de Conduta de Fornecedores”. A empresa informou que “monitora constantemente sua rede de fornecedores e vem acompanhando com atenção os acontecimentos no Pará”.
A General Mills disse que não é mais cliente da BBF porque o fornecedor com relação de compra direta com a empresa “confirmou a suspensão dos negócios com a BBF “, o que foi observado em seu rastreador da cadeia de óleo de palma.
A Hershey Company informou que tinha ligações indiretas com a BBF através da Cargill, mas que a BBF foi formalmente suspensa de sua cadeia de fornecimento em dezembro, após ter tomado conhecimento das alegações contra a BBF.
A Unilever Brasil disse que não é cliente da BBF.
Em declaração por e-mail, a BBF disse que “não comenta questões comerciais internas”.
Esperança de decisão definitiva
A suspensão do certificado RSPO da Agropalma foi comemorada pelas comunidades, especialistas e autoridades como um passo importante e um sinal positivo para a batalha fundiária dos quilombolas, mas também requereram outras ações para uma solução definitiva do caso.
Para a defensora pública agrária Andreia Barreto, que também foi contatada por representantes da ASI, a suspensão da certificação em si “não vai resolver o problema”, mas terá impacto nas negociações. “É um passo importante. Porém, não sei até que ponto a certificadora vai mudar os seus padrões, inclusive com o Brasil”, ela disse à Mongabay em entrevista por telefone. “O que eu vejo é que há uma não-conexão [das certificadoras] com a questão fundiária e com questões socioambentais”.
Ela observou que ainda há “um grande caminho a percorrer” para a resolução fundiária dos quilombolas, pois o governo do Pará reconheceu até agora apenas uma das áreas requeridas, a Vila Gonçalves, que se sobrepõe à “reserva legal” da Agropalma, classificação que obriga os proprietários privados a preservar uma porção de suas terras com vegetação nativa.
Silva, o pesquisador da UFPA, disse que a suspensão RSPO da Agropalma, apesar de temporária, foi um passo importante “no sentido de reconhecer a existência de um conjunto de violações de direitos, sejam eles territoriais, étnicos, humanos, sociais” das comunidades quilombolas e indígenas que têm sido “sistematicamente violados” há mais de quatro décadas. Para ele, a medida mais efetiva seria a suspensão definitiva da certificação “uma vez que ela se caracteriza na prática como uma estratégia de greenwashing”.
Desde o ano passado, indígenas Tembé se uniram à luta dos quilombolas contra a Agropalma. Em dezembro, eles colocaram uma faixa em um dos portões instalados pela Agropalma para dificultar o acesso da comunidade ao Cemitério Nossa Senhora da Batalha, localizado dentro de sua reserva legal, com os dizeres: “Território Indígena: Estas terras pertencem aos indígenas e aos quilombolas”.
Em setembro, um grupo de cerca de 60 indígenas Tembé enviou um documento de autodeclaração à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), requerendo a demarcação de suas terras ancestrais de onde alegam ter sido “expulsos violentamente” nos anos 1970, quando grandes plantações de palma de óleo foram instaladas na região. A área reivindicada sobrepõe-se a parte da área da Agropalma, onde suas plantações de palma cercam o Cemitério do Livramento, até uma área chamada Cachoeira.
O cacique Sipriano dos Santos Campos disse à Mongabay que três funcionários da Funai foram à área no dia 20 de março para conversar com os indígenas e visitaram todas as áreas reivindicadas durante três dias. Ele disse que outro grupo de servidores da Funai também irá ao local para realizar pesquisas antropológicas onde seus ancestrais moravam.
Foi criada a Associação dos Indígenas Ita Pewa do Alto Acará, que agora tem 150 membros, disse o cacique. “Aí você dá uma força para nós também. Estamos com pressa de chegarmos para o nosso território,” ele disse a esta repórter por telefone.
A Funai não respondeu aos pedidos de reposta da Mongabay.
Pimenta, o líder quilombola, diz estar esperançoso de, finalmente, conseguir justiça para as comunidades. “O que o IBD me falou foi o seguinte: só será atualizada a certificação dela [Agropalma] novamente quando ela resolver o problema, sanar as questões com a comunidade, devolver o território da comunidade, e resolver a questão da titulação das áreas que supostamente ela diz que é dela”.
Ele disse que os quilombolas ficaram muito satisfeitos com a investigação da Mongabay. “O pessoal gostou demais e aí gostaram mesmo no dia que chegou o pessoal da certificadora aqui”. Ele destacou que foi a primeira vez que foram ouvidos por instituições nacionais e internacionais que avaliam a Agropalma, apesar de vários anos de denúncias.
Para Pimenta, a ação da certificadora de “vir aqui no mato para poder ver a comunidade é porque o interesse financeiro é grande” e “para fazer isso acontecer, teria que ser algo muito maior que o interesse”. Ele destaca a “reportagem muito bem feita” da Mongabay, que representou “uma cobrança muito grande para poder forçar eles virem aqui” e ouvir a comunidade.
Logo após a publicação da investigação da Mongabay, a promotora de Justiça Ione Nakamura incluiu a reportagem nos procedimentos que analisam os conflitos entre as comunidades quilombolas que buscam o reconhecimento de seu território e as áreas ocupadas pela Agropalma para “subsidiar futuras ações judiciais”. Nakamura disse que também enviou a investigação para ser juntada aos procedimentos de outros promotores de Justiça que investigam os impactos ambientais causados pelo uso de agrotóxicos nas plantações de palma.
Barreto disse que também incluirá a investigação de Mongabay nas ações judiciais da Defensoria Pública assim que ela receber os procedimentos de volta.
Em outubro, uma investigação sobre contaminação da água por agrotóxicos do óleo de palma publicada pela Mongabay em 2021 foi chave para o Ministério Público Federal (MPF) obter uma decisão judicial para provar os impactos ambientais dos agrotóxicos usados nas plantações de palma para comunidades indígenas do Pará. A investigação, que durou 18 meses, ganhou o segundo lugar no prêmio na Sociedade de Jornalistas Ambientais dos Estados Unidos (SEJ) por excelência em reportagem investigativa e o terceiro lugar no prêmio do Fetisov Awards por excelência em jornalismo ambiental.
Imagem de destaque: O quilombola Antônio Santana acende velas para seus ancestrais no Cemitério do Livramento no Dia de Finados, no Alto Acará, Pará. Imagem cortesia de Elielson Pereira da Silva.
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Twitter: @karlamendes
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