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A destruição invisível: 38% do que resta da Amazônia já sofre com a degradação

  • Segundo estudo inédito assinado por 35 cientistas do mundo todo, mais de 2,5 milhões de km2 do que resta da Floresta Amazônica sofrem com a degradação; isso equivale a mais de 10 vezes o tamanho do Reino Unido.

  • Ao contrário do desmatamento, visível por satélite, a degradação é mais difícil de ser quantificada – as florestas impactadas, porém, podem emitir tanto carbono quanto as áreas onde as árvores já  foram derrubadas.

  • Os autores afirmam que a degradação está sendo impulsionada por quatro distúrbios principais: incêndios florestais, exploração madeireira, secas extremas – intensificadas pelas mudanças climáticas – e efeitos de borda (impacto que áreas abertas têm sobre florestas adjacentes).

Quando se fala na destruição da Amazônia, frequentemente a referência é em relação a dados sobre o desmatamento. Ao longo das últimas décadas, são os índices do corte raso da floresta que são melhor documentados, e assim, ganham as manchetes na mídia e guiam as estratégias de proteção ambiental.

“Historicamente, o desmatamento era o vetor principal de mudanças do uso da terra na Amazônia. Entre 1975 e 1985, quase 300 mil km2 foram desmatados na Amazônia brasileira. E era principalmente o mecanismo de retirar florestas e substituir por pastagens e pecuária”, diz o climatologista Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo (USP).

Todavia, com o passar do tempo, cresceu o volume de áreas que não eram totalmente desmatadas, mas sofriam vários estágios de degradação.

“O desmatamento é muito importante – mas se olharmos apenas para isso, ignoramos as mudanças nas florestas remanescentes que podem emitir tanto CO2 quanto o desmatamento”, alerta Jos Barlow, professor da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, co-fundador da Rede Amazônia Sustentável e um dos co-autores de um artigo recém-publicado na revista Science, “Os vetores e os impactos da degradação da Floresta Amazônica”.

Um grupo de 35 cientistas de diversas instituições internacionais, entre os quais vários brasileiros, fez um levantamento inédito que não apenas quantifica a exata extensão da degradação em todos os países amazônicos, como também avalia a intensidade dessa perturbação, localiza as áreas mais atingidas, revela os principais responsáveis e apresenta seus impactos em níveis local, regional e global.

Área desmatada no município de Careiro da Várzea, no Amazonas. Florestas adjacentes, embora mantidas de pé, sofrem diretamente com os efeitos do desmatamento vizinho, em um fenômeno conhecido como efeito de borda. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Para começar, os pesquisadores ressaltam a distinção entre os termos desmatamento e degradação.

“O desmatamento é a remoção de árvores e a conversão para outro uso da terra, normalmente a agricultura. Já a degradação ocorre na floresta que resta. Distúrbios severos podem levar à perda da maioria das árvores, mas se o uso da terra não mudar, é degradação e não desmatamento”, explica Barlow.

Segundo a análise feita a partir de estudos anteriores, realizados entre 2001 e 2018, 38% do que resta da Floresta Amazônica, ou seja, do que ainda não foi desmatado, sofre com algum tipo de degradação provocada pela ação humana.

“Estamos falando de 2,5 milhões de km2, portanto, mais de 10 vezes o tamanho do Reino Unido”, ressalta o professor da universidade britânica.

Os autores do estudo apontam que a degradação está sendo impulsionada por quatro distúrbios principais: incêndios florestais, exploração madeireira, secas extremas – intensificadas pelas mudanças climáticas induzidas pela espécie humana – e efeitos de borda (impacto que áreas abertas têm sobre florestas adjacentes).

Corpo carbonizado de um tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) após incêndio no município de Apuí (AM), em agosto de 2020. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

“É surpreendente saber que 38% da floresta já está nesse processo”, lamenta Patricia Pinho, diretora adjunta de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e uma das coautoras do estudo. “Quando se olha a dimensão disso, sem contar as áreas que já estão desmatadas, soa realmente um sinal de alerta para a nossa floresta.”

Perda da biodiversidade e aumento de CO2

Os pesquisadores também demonstraram como há uma associação entre os vetores da degradação e os motores do desmatamento. Frequentemente, eles “co-ocorrem e interagem”, como o artigo ressalta.

A extração de madeira, por exemplo, é impulsionada pela demanda do mercado, mas facilitada pela corrupção e a governança fraca (85% da exploração madeireira na Amazônia é ilegal). Os incêndios florestais são, em geral, causados por práticas agrícolas, e muitas vezes exacerbados por secas extremas. Também ficam mais intensos em áreas que já têm efeito de borda.

E tanto o desflorestamento quanto o que eles chamam de “perturbações florestais” fazem com que a Amazônia deixe de exercer seu importantíssimo papel ambiental de absorção de dióxido de carbono da atmofera – e, numa troca de função perversa, se torne uma fonte emissora de CO2.

Gráfico mostra como os motores do desmatamento provocam a degradação das florestas remanescentes da Amazônia. Imagem:  Alex Argozino/Studio Argozino

“Comparamos estimativas de uma série de estudos e mostramos que o desmatamento e as emissões de degradação são realmente muito semelhantes. Embora o desmatamento seja obviamente mais severo, a degradação afeta uma área muito maior”, afirma Barlow.

Ainda que áreas degradadas emitam enormes quantidades de gases de efeito estufa, elas não constam nos inventários nacionais de emissões. “Esses não são números oficiais, mas há muitas emissões nessas áreas”, ressalta Nobre.

Além de contribuir para o aumento da temperatura global, uma floresta degradada por perturbações graves, como incêndios, apresenta uma estrutura muito diferente e isso impacta as espécies que vivem nela, sejam da fauna ou da flora. Como um efeito dominó, depois de sua biodiversidade afetada, as comunidades que moram em sua volta começarão a sofrer também com essas mazelas.

“Essa é uma questão muito importante do estudo. Trazemos quem se beneficia com essas perturbações da degradação florestal e para quem fica o peso da perda”, destaca Patricia.

No caso da extração madeireira, por exemplo, são os atores regionais e globais, incluindo empresas e indústrias, que colocam no bolso os maiores lucros, deixando com que os trabalhadores locais lidem com eventuais conflitos e violência decorrentes da atividade.  Ou, no mínimo, com o impacto da falta de vegetação na disponibilidade dos recursos hídricos.

Madeira ilegal retirada da Terra Indígena Pirititi, em Roraima. Foto: Felipe Werneck/Ibama

Secas extremas estão mais recorrentes

Um dos principais especialistas na atualidade em mapeamento da cobertura e uso do solo, o engenheiro florestal Tasso Azevedo, cofundador e coordenador da iniciativa MapBiomas, reconhece que o corte raso da floresta é sempre mais fácil de ser identificado. A degradação é bem mais difícil de qualificar.

“Sinais de regeneração podem ser confundidos com degradação, por exemplo, e isso resulta em se ter menos atenção”, diz. “Mas ela afeta igualmente as funcionalidades da floresta. Desmatada, ela perde completamente sua função e degrada parte dessas funções.”

Para Azevedo, entre os vetores apresentados pelo novo estudo, as mudanças climáticas são seguramente as mais preocupantes, já que não dependem de uma ação específica e local para serem combatidas: a redução global de gases de efeito estufa.

Açude seco no Acre, em evento de crise hídrica provocado por seca extrema em 2016. Foto: Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real

“Contudo, essa degradação provocada pelas mudanças climáticas é intensificada e amplificada por aquilo que é feito diretamente na floresta. Então, se não houvesse desmatamento, o efeito da mudança do clima sobre ela seria menor”, garante.

Um dos pontos levantados pelos pesquisadores do artigo da Science é justamente a maior ocorrência de secas extremas na Amazônia, principalmente nas regiões sul e central. Durante as quase duas décadas analisadas, foram registrados quatro eventos desses de maior magnitude.

Cada vez mais frequentes, longas e intensas, essas mega-secas induzem a expansão do fogo, que se propaga rapidamente pelo chão da floresta e provoca a morte de milhares de árvores.

Para deter esse cenário de devastação, os autores do artigo recomendam o combate sem trégua ao desmatamento e medidas para conter as atividades de degradação na Amazônia.

“Apesar dos resultados do estudo, há espaço para esperança”, diz Barlow. “Reduzir o desmatamento evitará novos efeitos de borda e a expansão de fontes de ignição que iniciam incêndios florestais. Mas precisamos de medidas que também abordem as causas dos distúrbios – combatendo a extração ilegal de madeira, encontrando maneiras de controlar o fogo com menos riscos. Globalmente, também precisamos de ações para limitar as mudanças climáticas, pois isso pode estar relacionado a secas extremas. Os desafios são muitos – mas, dada a importância da região para as pessoas e para a natureza, o fracasso não é uma opção.”

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Imagem do banner: Incêndio em Rondônia, em agosto de 2020. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

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