No Pará, terras ao longo do Rio Acará estão no centro de uma batalha judicial há seis anos: quilombolas acusam a Agropalma, segunda maior exportadora de óleo de palma do país, de grilagem de suas terras ancestrais, incluindo cemitérios, como revelou uma investigação da Mongabay que durou um ano.
Uma dessas áreas é o Cemitério Nossa Senhora da Batalha, onde a Mongabay testemunhou a celebração do Dia de Finados pelos quilombolas pela primeira vez em décadas, em novembro de 2021. Os quilombolas afirmam que o acesso à área foi negado desde que a área tornou-se “reserva legal” da Agropalma — regra que obriga os proprietários privados a preservar uma porção de suas terras com vegetação nativa — na década de 1980.
Neste vídeo, a Mongabay mostra essa “celebração histórica”, com imagens e entrevistas inéditas com quilombolas que foram a esse cemitério pela primeira vez em décadas, eimagens impressionantes de palmeiras a poucos passos dos túmulos do Cemitério do Livramento, completamente cercado pelas plantações da Agropalma. Os quilombolas acusam a empresa de destruir três quartos da área do cemitério para dar lugar a suas plantações; a empresa nega.
O Ministério Público do Estado do Pará incluiu a investigação da Mongabay nos procedimentos que analisam os conflitos entre as comunidades quilombolas que buscam o reconhecimento de seu território e áreas ocupadas pela Agropalma “para subsidiar futuras ações judiciais”.
ALTO ACARÁ, Pará — “Esse direito ao acesso das pessoas que moravam aqui e querem ver o cemitério, isso está na Constituição… O cemitério é um local sagrado”, a socióloga e historiadora Maria da Paz Saavedra disse à Mongabay durante nossa visita ao Cemitério Nossa Senhora da Batalha, na Amazônia.
A área, localizada no Pará, está no centro de uma batalha legal há seis anos: quilombolas acusam a Agropalma, segunda maior exportadora de óleo de palma do país, de grilagem de suas terras ancestrais, incluindo cemitérios, como revelou uma investigação da Mongabay que durou um ano. A empresa nega as acusações.
Saavedra faz parte do grupo que guiou a Mongabay pela região em novembro de 2021, quando os quilombolas celebraram o Dia de Finados no Cemitério Nossa Senhora da Batalha pela primeira vez em décadas. Os quilombolas afirmam que o acesso à área foi negado desde que a área tornou-se “reserva legal” da Agropalma — regra que obriga os proprietários privados a preservar uma porção de suas terras com vegetação nativa — na década de 1980.
“Eles são impedidos de vir aqui… E todas as comunidades da beira do rio teriam que ser expropriadas porque a reserva legal tem como base não haver pessoas”, diz Saavedra, pesquisadora e doutoranda da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Eles saíram daqui na década de 1980, seja através de compra dos seus terrenos por fazendeiros ou através de expulsão mesmo, por pistoleiros”.
Neste vídeo, a Mongabay testemunhou o que quilombolas e pesquisadores consideram um “momento histórico” e recebeu filmagens e entrevistas em primeira mão com quilombolas indo a esse cemitério pela primeira vez em décadas. “Eles consideram a homenagem dos mortos um ato simbólico muito importante. Eles acham que é justo não esquecer os antepassados”, diz a pesquisadora no vídeo.
“[Tenho] sepultados quatro filhos aí… Depois que tomaram conta [daqui], não deixaram ninguém vir mais”, disse à Mongabay no vídeo o agricultor Benonias Batista, o quilombola mais antigo da comunidade, enquanto acende velas para seus filhos no Cemitério Nossa Senhora da Batalha.
A Mongabay também visitou o Cemitério do Livramento, localizado às margens do Rio Acará, completamente cercado por plantações da Agropalma. Este vídeo mostra imagens impressionantes de palmeiras a poucos passos dos túmulos. Quilombolas acusam a empresa de destruir três quartos da área do cemitério para dar lugar a suas plantações; a empresa nega.
“A minha avó morreu em [19]78, morreu com 110 anos. No meu ponto de vista, ela está debaixo desse dendê aí. Plantaram o dendê em cima da catacumba dela”, o agricultor quilombola Raimundo Serrão diz à Mongabay muito emocionado no vídeo.
A promotora de Justiça Ione Nakamura, que lidera o caso desde 2021, disse que incluiu a investigação da Mongabay nos procedimentos que analisam os conflitos entre as comunidades quilombolas que buscam o reconhecimento de seu território e as áreas ocupadas pela Agropalma para “subsidiar futuras ações judiciais”.
Pesquisa de Saavedra, da antropóloga Rosa Acevedo Marin e do pesquisador Elielson Pereira da Silva, doutor em Desenvolvimento Socioambiental, apontam evidências da existência de escravos e comunidades quilombolas na região do Alto Acará, e o deslocamento de moradores das margens do Rio Acará nas últimas quatro décadas, sob pressão de grileiros que enganaram as comunidades para vender suas terras e revendê-las posteriormente para a Agropalma.
“Vocês tiveram oportunidade de conhecer, de vir aqui e de verificar que existe ancestralidade, que existem cemitérios tradicionais, que existem pessoas, que têm voz, que têm rosto, que têm história, que têm memória. Portanto, é algo assim até surreal o Estado negar de maneira reiterada e deliberada esse reconhecimento”, disse Silva, que foi superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no Pará de 2008 a 2013.
Água contaminada
A investigação também denuncia a contaminação da água por efluentes do óleo de palma da Agropalma; a empresa nega. Nakamura diz que também enviou a investigação a outros promotores que investigam os impactos ambientais causados pelo uso de agrotóxicos nas plantações de palma “para que seja juntado nesses procedimentos que apuram impactos ambientais a esses territórios”.
Em outubro, uma investigação sobre contaminação da água por agrotóxicos do óleo de palma publicada pela Mongabay no ano passado foi chave para o Ministério Público Federal (MPF) obter uma decisão judicial para provar os impactos ambientais dos agrotóxicos usados nas plantações de palma para comunidades indígenas do Pará.
A investigação, que durou 18 meses, ganhou o segundo lugar no prêmio na Sociedade de Jornalistas Ambientais dos Estados Unidos (SEJ) por excelência em reportagem investigativa e o terceiro lugar no prêmio do Fetisov Awards por excelência em jornalismo ambiental.
Imagem do banner: Quilombolas e indígenas no Cemitério Nossa Senhora da Batalha no Dia de Finados. Imagem cortesia de Elielson Pereira da Silva.
Karla Mendes é editora e repórter investigativa da Mongabay no Brasil. Encontre-a no Twitter: @karlamendes
Leia a investigação completa aqui:
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2022/12/grande-exportadora-de-oleo-de-palma-acusada-de-fraude-grilagem-de-terras-em-cemiterios-quilombolas/