A Agropalma, única empresa brasileira com a certificação internacional de sustentabilidade RSPO, é alvo de uma ampla gama de denúncias de grilagem de terras no Pará.
As denúncias, que revelam que mais da metade dos 107 mil hectares registrados pela Agropalma foram originados de títulos de terra fraudulentos e contou até mesmo com a criação de um cartório fictício, estão no centro de uma batalha judicial liderada por promotores de Justiça e defensores públicos.
As comunidades quilombolas afirmam que parte da área ocupada pela Agropalma se sobrepõe a suas terras ancestrais, incluindo dois cemitérios visitados pela Mongabay. Em um deles, os moradores afirmam que apenas um quarto do cemitério permanece e que a empresa plantou palmeiras em cima dos túmulos, o que a empresa nega.
Há também outros interesses financeiros nas terras em litígio, como os requerimentos da empresa para mineração de bauxita e a venda de créditos de carbono, o que pesquisadores afirmam que intensifica ainda mais os conflitos fundiários.
ALTO ACARÁ, Pará — Com as mãos trêmulas, Raimundo Serrão acende velas para sua avó no Dia de Finados no cruzeiro do Cemitério do Livramento, pois não conseguiu encontrar o túmulo dela. Serrão e outros moradores da região acusam uma das principais exportadoras de óleo de palma do país de ter plantado palmeiras sobre a sepultura dela.
“Plantaram o dendê em cima da catacumba dela,” Serrão diz à Mongabay em lágrimas, culpando a Agropalma, cujas palmeiras confinam o cemitério às margens do Rio Acará, no Pará. “Ela está debaixo desse dendê aí,” diz Serrão, apontando para dendezeiros a poucos passos, em uma área que, segundo ele, pertencia ao cemitério quando ela morreu aos 110 anos em 1978; a empresa nega.
As acusações fazem parte de uma ampla gama de denúncias de grilagem de terras contra a Agropalma, única empresa brasileira com o certificado internacional de óleo de palma sustentável RSPO, uma organização que inclui produtores de óleo de palma, comercializadores, fabricantes, varejistas, bancos, investidores, entre outros.
A Mongabay esteve no Alto Acará em novembro de 2021 para investigar as acusações de que mais da metade dos 107 mil hectares registrados pela Agropalma eram oriundos de títulos fundiários fraudulentos. O esquema, que contou até mesmo com a criação de cartório fictício, está no centro de uma batalha judicial liderada por promotores de Justiça e defensores públicos.
Serrão é um Quilombola, descendente de escravos afro-brasileiros fugitivos. Ele é um dos líderes quilombolas que guiaram a Mongabay ao longo do Rio Acará e estradas poeirentas, cercados por palmeiras e terras consideradas “reserva legal” da Agropalma, classificação que obriga os proprietários privados a preservar uma porção de suas terras com vegetação nativa.
As comunidades quilombolas dizem que parte da área ocupada pela Agropalma se sobrepõe a suas terras ancestrais, incluindo dois cemitérios visitados pela Mongabay. O Cemitério do Livramento está confinado às plantações de palmeiras de óleo e tem uma sepultura datada de 1928; vimos também as ruínas de uma capela, uma escola e uma cozinha na área registrada como reserva legal da Agropalma, onde está localizado o Cemitério Nossa Senhora da Batalha.
Nessa batalha jurídica, a Defensoria Pública diz que a existência de quatro cemitérios quilombolas e indígenas em áreas ocupadas pela Agropalma entre os municípios de Acará e Tailândia é uma prova crucial do direito fundiário das comunidades.
“Um dos eixos centrais para a gente são os cemitérios. Porque os cemitérios são indicativos de que ali tinha uma comunidade”, diz a defensora pública agrária Andreia Barreto. “A gente tem a relação das famílias que estão lá nesses cemitérios”.
Durante um ano, examinamos milhares de páginas de documentos para investigar as acusações de grilagem de terras contra a Agropalma, responsável por um quarto das exportações de óleo de palma do país, segundo o Trase, grupo de pesquisa dirigido pelo Instituto Ambiental de Estocolmo e pela ONG Global Canopy.
“Essas áreas tiveram problemas com relação ao destacamento do patrimônio público para o particular, então se tratam ainda de terras públicas estaduais”, disse à Mongabay a promotora de Justiça Ione Nakamura, que lidera o caso desde 2021.
A promotora de Justiça Eliane Moreira, que ingressou com ações civis públicas em 2018 e 2020, requerendo o cancelamento dos títulos da Agropalma, diz que não há “nenhuma dúvida” sobre a fraude que à primeira vista parecia “uma história tão impensável” que demandou um longo trabalho de investigação para desvendar o caso.
“É tão elaborado que se criou um cartório fictício, que é o tal do Oliveira Santos. Foi preciso, realmente, um longo trabalho de investigação. São muitas áreas, é um mosaico, uma reunião de várias áreas… O que une todos é uma intervenção do então ‘cartório’ que é um cartório que nunca existiu, que produziu documentos que aparentemente eram muito fidedignos”, Moreira disse à Mongabay. “E aí, ao lado disso, tem também a intervenção de uma cartorária que já não estava mais na atividade e que expede documentos”.
Em uma batalha jurídica que já dura seis anos para provar as fraudes e condenar a Agropalma a pagar indenização por dano moral coletivo por grilagem de terras públicas “tendo em vista os graves prejuízos econômicos, sociais e ambientais que tal prática ocasiona”, a justiça anulou os títulos de propriedade da empresa em 2018 e 2020, cujas decisões foram mantidas nos anos seguintes. Apesar de admitir que os títulos foram falsificados, a Agropalma alega que não estava envolvida no esquema e está tentando recomprar o terreno do estado do Pará.
Além da atividade principal da Agropalma de óleo de palma, há também outros interesses financeiros nas terras em litígio, o que os pesquisadores dizem intensificar ainda mais as disputas. Eles apontam as movimentações da empresa para a mineração de bauxita e a venda de créditos de carbono nas áreas em disputa, desconsiderando as decisões judiciais que cancelaram os títulos de propriedade da empresa.
“Tudo isso são frentes de pressão que vão sufocando, asfixiando essas pessoas que estão lutando para retornar para o seu território”, diz o pesquisador Elielson Pereira da Silva, que conduz pesquisas na área desde 2019 para a Universidade Federal do Pará (UFPA).
Obstáculos para visitar cemitérios
Desde que a Agropalma começou a tomar posse de áreas na região na década de 1980, os quilombolas dizem não ter acesso ao Cemitério Nossa Senhora da Batalha, localizado dentro da reserva legal da empresa. Cansados de esperar por uma decisão judicial, no ano passado eles decidiram ir ao cemitério para limpar a área e as sepulturas e acender velas para honrar seus antepassados no Dia de Finados.
“[Tenho] sepultados quatro filhos aí”, o lavrador Benonias Batista disse à Mongabay aos prantos enquanto acendia velas para seus filhos. “Depois que tomaram conta [daqui], não deixaram ninguém vir mais”.
A Agropalma diz que não impede os quilombolas de ir ao cemitério, pois eles podem visitar livremente o local através do caminho do rio, não através da propriedade da empresa. Os quilombolas dizem que sempre usaram esse caminho antes da chegada da empresa.
“Não havia estrada naquele pedaço antes de ter o plantio”, Tulio Dias Brito, diretor de sustentabilidade da Agropalma, disse à Mongabay em uma chamada de vídeo. Segundo Brito, para utilizar a estrada, os visitantes devem ser identificados no portão da empresa, onde documentos como carteiras de motorista e de veículos são verificados. “Tem uma série de burocracias que a lei nos obriga a fazer, que muitas vezes as pessoas entendem como impedimento de passagem. E, na verdade, não é”.
Especialistas criticam as restrições, argumentando que isso viola a Constituição Federal. “O direito de acesso ao cemitério está na constituição. O cemitério é um lugar sagrado”, disse a socióloga e historiadora Maria da Paz Saavedra, pesquisadora e doutoranda da UFPA, durante uma visita à área.
“Existe um cercamento aí. Não apenas físico, no sentido dos dendezais, mas um cercamento de todas as maneiras”, da Silva disse à Mongabay no centro do Cemitério Nossa Senhora da Batalha. “Essas pessoas são impedidas de ser quem elas são”, acrescentou o pesquisador, doutor em Desenvolvimento Socioambiental e superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no Pará de 2008 a 2013.
Além do acesso aos cemitérios, as comunidades da região do Alto Acará também estão lutando para que sua identidade e direitos fundiários quilombolas sejam oficialmente reconhecidos. Desde 2016, elas esperam uma resposta do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) para um pedido de demarcação de pelo menos 18.000 hectares — parte ocupada pela Agropalma — para o uso coletivo da Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará (ARQVA).
Batista guiou a Mongabay pela área onde ele diz ter fundado e vivido até ser declarada reserva legal da Agropalma, a poucos passos do Cemitério Nossa Senhora da Batalha. “Aqui era a sede de dança. Nós fazíamos o círio da santa aqui. Sempre [no] dia de sábado que tinha serviço aqui, a gente fazia uma brincadeira, para animar o povo. Esse chão, aqui que era a sede”, diz ele, apontando para vestígios de construções na área.
Brito contesta o argumento de que a existência de cemitérios nas áreas da empresa prova o direito ancestral às terras. Segundo ele, a empresa acredita que o cemitério tenha sido fundado por uma família descendente de colonos portugueses.
Ele também contesta os direitos dos quilombolas sobre a área, citando um relatório de 2018 do Iterpa que negou a existência de vestígios da comunidade na área em disputa. “Há uma dúvida, pelo menos da parte doIterpa, se a comunidade é quilombola ou não”, disse ele. “Os representantes da entidade estavam junto com os líderes do movimento visitando e mapeando o local, mas não encontraram nenhuma evidência de comunidades quilombolas atuais ou ancestrais na área reivindicada”, escreveu Brito em um e-mail em dezembro de 2021.
Como reportado pela Mongabay no ano passado, a sobreposição de comunidades quilombolas centenárias foi ignorada durante o processo de licenciamento para a indústria do óleo de palma no Pará, através de um programa de 2010 para o zoneamento agroecológico do produto em áreas desmatadas chamado ZAE-Dendê. A Fundação Cultural Palmares não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay sobre o processo de autoidentificação dos quilombolas e suas reivindicações de terras.
Barreto e pesquisadores como Saavedra e Silva questionam o relatório do Iterpa por não ter sido feito por antropólogos ou especialistas independentes. A pesquisa de Saavedra e Silva, juntamente com a antropóloga Rosa Acevedo Marin para a Universidade Federal do Pará (UFPA), apontam para evidências da existência de escravos e comunidades quilombolas na região do Alto Acará. O estudo afirma que, nas últimas quatro décadas, os moradores foram expulsos das margens do rio Acará, sob pressão de grileiros que enganaram as comunidades para vender a terra antes de revendê-la à Agropalma. De acordo com a pesquisa e os moradores entrevistados pela Mongabay, houve também uso de violência para persuadir os moradores a venderem suas terras.
A Defensoria Pública e os pesquisadores questionaram o relatório do Iterpa com as provas do estudo e solicitaram uma revisão.
Um mapa publicado pela ONG Global Witness em setembro mostra a sobreposição das áreas reivindicadas pelos quilombolas e comunidades tradicionais sobre áreas sob a posse da Agropalma.
Brito nega que a empresa tenha plantado palmeiras na área dos cemitérios. “Isso não é verdade”, diz ele, acrescentando que a empresa entrevistou várias pessoas com mais de 70 anos que negam essas acusações. “Conseguimos fazer oito entrevistas. Sete deles afirmaram categoricamente que não tem nada de dendê no cemitério. Todos eles têm parentes enterrados lá”, acrescenta Brito, alegando que a única pessoa que divergiu não sustentou as reclamações.
“A gente não entende que o cemitério legitima o direito de qualquer um pelas áreas que estão em volta do cemitério. Mas a gente entende que o cemitério é uma área sagrada”, diz Brito. “É uma área que nunca deve ser tocada. E que a comunidade tem todo o direito de ir lá fazer a limpeza, fazer a iluminação. Fazer tudo que tem que fazer. E, inclusive, usar os caminhos que sempre foram usados, que o caminho é pelo rio. Não é dentro das estradas da empresa”.
O mapa da Global Witness é parte de um relatório sobre os conflitos entre comunidades tradicionais e empresas de óleo de palma, incluindo a Agropalma. O relatório também rastreou 20 importadores da Agropalma. “O fato de todas as empresas multinacionais responderem à Global Witness e afirmarem estar cientes dos conflitos em suas cadeias de fornecimento de óleo de palma brasileiro e continuarem a comprar óleo de palma da BBF e/ou da Agropalma indica que falharam completamente em prevenir ou mitigar os abusos aos direitos humanos que ocorrem nesta região do Pará”, disse a Global Witness no relatório.
Subsidiária do conglomerado Alfa — que atua nos setores de finanças, seguros, agronegócios, materiais de construção, comunicações, couro e hotelaria no país — a Agropalma registrou receitas de R$ 1,4 bilhão em 2020. Sua produção anual varia entre 165.000-170.000 toneladas de óleo, a maior produção “sustentável” de óleo de palma das Américas, segundo a empresa, que pretende aumentar a produção em 50% até 2025, de acordo com a página da empresa na internet.
Raiz do problema: títulos de terra não confiáveis
No coração da Amazônia, o Pará tem uma das piores taxas de desmatamento do país, bem como de extração ilegal de madeira, grilagem de terras e assassinatos de ativistas. Especialistas dizem que a raiz desses problemas é a precária estrutura de registro e de regularização fundiária do estado.
Grilagem de terras é um dos principais vetores de desmatamento. Com um sistema antiquado e pouco transparente de registro de terras que remonta ao período colonial, o Brasil carece de um sistema centralizado para verificar quem é o proprietário da terra, um instrumento-chave para evitar fraudes.
Em vez disso, os títulos de propriedade são emitidos por milhares de cartórios de registro de imóveis que não se comunicam entre si. Como resultado, não são raras as emissões de múltiplos registros de propriedade sobre uma mesma área, sobretudo na Amazônia, juntamente com denúncias de corrupção ligadas à emissão de títulos e envolvimento de funcionários públicos que permitem que terras públicas sejam indevidamente ocupadas.
No caso da Agropalma, a investigação do Ministério Público do Pará foi desencadeada por denúncias de uma família de Belém, que alega que a Agropalma grilou áreas pertencentes à família. O esquema teria sido executado por um grileiro que comprou uma área de 2.678 hectares da família e emitiu títulos falsos como se a área correspondesse a 35.000 hectares. O grileiro, mais tarde, vendeu a área à Agropalma, e as terras foram registradas num cartório falso, segundo o Ministério Público.
O caso da família contra a Agropalma está nos tribunais há anos.
“A notícia chegou a nós por intermédio dessa família… A gente investigou e verificou que existiam fundamentos ali”, a promotora de Justiça Eliane Moreira disse à Mongabay em seu escritório em Belém em agosto de 2019, quando esta repórter começou a investigar essas denúncias de grilagem de terras. Depois de conduzir suas investigações, o Ministério Público do Estado do Pará entrou com duas ações civis públicas em 2018 e 2020 para cancelar os títulos de terra da Agropalma. Como cada área tem um problema diferente, explica Moreira, ela acabou dividindo-a em sete blocos. “O que une todos é uma intervenção do então, entre aspas, cartório, que é um cartório que nunca existiu… Essas terras têm que voltar pro patrimônio público”.
A Agropalma solicitou recentemente o cancelamento dos títulos após a ação judicial. “A empresa alega que, agora no decurso do processo, que ela mesma pediu [o cancelamento]… Mas eles só tomaram providências depois que a gente ingressou com a ação”, explica a promotora.
Moreira acrescentou que a empresa também deve ser condenada a pagar danos morais coletivos. “Quem grila terra causa um dano ao patrimônio registral. Registro público é uma coisa muito séria. Se alguém introduz uma informação fraudulenta, formada para ser fraudulenta, ele causa um dano ao sistema de registros “.
Brito nega as acusações de que a empresa tenha ocupado ilegalmente terras públicas. “Na verdade, a gente não se apropriou. A gente comprou terras. Comprou terras ao longo de um período longo de tempo. A gente começou a comprar terra ali em 81 e veio comprando terra até os anos 2010”, disse ele. “A gente entende que sim, os nossos títulos foram cancelados. Estão cancelados temporariamente e nós vamos recorrer”, disse Brito.
Segundo o diretor de sustentabilidade da Agropalma, a empresa comprou as terras do “suposto” proprietário de boa fé: “A gente pagou o preço de mercado e registrou em cartório. Tudo que fizemos é transparente. Está registrado”.
Brito alega que a empresa está respaldada pelo Código Florestal e o Estatuto da Terra, que estabelecem que “quem está na posse tem o domínio daquela unidade”. “E a nossa posse é legítima. É mansa, é pacífica. Ela está registrada. A gente tem toda a documentação da empresa funcionando na posse e nós estamos tramitando nosso processo de regularização baseado na posse”, disse o diretor da empresa.
O Ministério Público também requereu à justiça a retirada do certificado RSPO da Agropalma. Através deste documento, a Agropalma exportou 21.941 toneladas em 2017, os últimos dados disponíveis divulgados pela Trase. Os títulos fundiários “não deveriam estar gerando os efeitos que eles estão gerando. Então foi por isso que a gente, inclusive, ingressou contra a certificadora, também”, disse Moreira, referindo-se à IBD Certificações (IBD), responsável pelo processo de certificação no Brasil. “A gente entende que eles têm a obrigação de, uma vez que eles têm conhecimento da situação, também de adotar as providências”, disse Moreira.
“Ao ostentar o referido Selo RSPO, a Empresa valida-se no mercado perante seus concorrentes e consumidores como empresa cumpridora da legislação vigente, o que, conforme já demonstrado, não confere com a realidade ante à pratica de conduta danosa ao sistema registral,” Moreira escreveu na ação judicial, pedindo a retirada da certificação.
O IBD, institutição responsável pelas certificações no Brasil, não respondeu ao recente pedido de comentários da Mongabay. Em uma declaração por e-mail em 2020, o IBD disse que “responde somente aos clientes, ao RSPO e às autoridades jurídicas do país”. Em uma declaração por e-mail, o RSPO disse que a certificação pelo IBD foi suspensa em 8 de junho, sem fornecer detalhes do motivo.
Com relação aos processos judiciais do caso, a RSPO disse não ter recebido nenhuma informação sobre seu andamento e que vai respeitar o processo legal. A RSPO acrescentou que os produtores de óleo de palma são certificados através da “verificação rigorosa” e que faz “todos os esforços” para assegurar que seus membros mantenham os padrões da certificação.
A promotora Eliane Moreira também acusou o Iterpa na ação judicial por ter usado indevidamente os documentos falsos para emitir títulos definitivos à Agropalma e por continuar o processo de regularização fundiária da empresa. O Iterpa não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay em relação às ações judiciais.
Os pedidos do Ministério Público em relação à suspensão do processo de regularização fundiária da Agropalma e a suspensão de seu certificado RSPO, no entanto, foram negados pela justiça até agora.
Novas fronteiras
Pesquisadores dizem estar preocupados com outros negócios que a Agropalma pretende expandir, como a mineração de bauxita e o comércio de créditos de carbono, apesar de ter tido a maioria dos títulos de terra das áreas canceladas por decisões judiciais.
De acordo com pesquisas recentes realizadas por Silva, da UFPA, a Agropalma fez 17 pedidos de autorização de pesquisa para mineração de bauxita cobrindo 121.000 hectares na região do Alto Acará. Parte desses pedidos abrange áreas reivindicadas pelas comunidades quilombolas como suas terras ancestrais, incluindo o Cemitério Nossa Senhora da Batalha.
“E o resultado é chocante”, Silva disse à Mongabay em uma entrevista telefônica em outubro, referindo-se ao cruzamento das informações dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs) da Agropalma e os pedidos de mineração.
O levantamento mostra que os requerimentos de pesquisa mineral da Agropalma expiraram entre 2018 e 2019 e que a empresa solicitou uma prorrogação para 88,2% das licenças. A Agência Nacional de Mineração (ANM) negou os pedidos, disse Silva, e a empresa está recorrendo da decisão.
Brito, entretanto, diz que a empresa não tem intenção de extrair a bauxita das áreas em questão. Em vez disso, a Agropalma solicitou as licenças de pesquisa para “proteger” as áreas da empresa, acrescentou ele. “Com a gente tendo o direito de fazer pesquisa, a gente dá segurança de que as áreas vão continuar protegidas. É uma autorização de pesquisa mineral. Enquanto você tem a autorização de pesquisa mineral, ninguém mais pode pedir[o direito de exploração minerária]”, disse ele.
Silva também levantou preocupações sobre uma proposta em andamento para criar um “corredor ecológico” reunindo áreas de “reservas privadas” de empresas de óleo de palma no Alto Acará, incluindo a Agropalma. De acordo com ele, a iniciativa permitirá a venda de créditos de carbono em áreas sobrepostas às terras disputadas por quilombolas.
Brito disse que o projeto aumentaria a preservação da biodiversidade na reserva legal da empresa e que os estudos de crédito de carbono ainda estão em andamento.
Em um comunicado por e-mail em outubro, a Agropalma disse que anunciou no ano passado uma parceria com uma empresa de consultoria especializada em conservação florestal e na “comercialização de serviços ambientais”, para o projeto Redução de Emissões por Desmatamento e Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), um incentivo desenvolvido no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). “Com o projeto, a Agropalma não só será uma empresa neutra em emissões, mas também contribuirá para que outras empresas possam fazer sua parte no combate à mudança climática”.
O projeto “permitirá, a partir de 2023, a venda de créditos de carbono, dado que a companhia é negativa em emissões“, de acordo com informações no site da empresa.
Contaminação
A Agropalma também é acusada de contaminar os rios e igarapés com um efluente do óleo de palma conhecido como tibórnia, que é usado como fertilizante nas plantações. “Hoje de manhã, acordamos na Vila Palmares com o odor da tibórnia, que é uma parte dos efluentes que eles derramam no dendezal, a pretexto de que vai servir como uma forma de fertilizar essas plantas”, disse Silva. “Eles jogam para o campo aquilo, perto do dendê. Aí, cai no campo todinho. Aí, escorre para os igarapés… No entanto, isso provoca danos seríssimos inclusive. Não só pelo forte odor, mas pela ânsia de vômito, dores de cabeça”, ele acrescentou.
O pesquisador lembra-se da primeira vez que sentiu o odor da tibórnia, quando testemunhou o momento de sua aplicação nas plantações de palma de óleo em junho de 2021. Ele diz que três ou quatro minutos “foi o suficiente pra eu ter uma dor de cabeça durante dois dias, que não tinha medicamento que fizesse atenuar essas dores”. “Foi uma sensação bem difícil, bem horrível mesmo. Dores e ânsia de vômito, aquela agonia. E isso [porque] eu fiquei três minutos. Imagina as pessoas que estão aí, expostas permanentemente, porque você tem uma vila com mais de 10 mil moradores [Vila Palmares], que está cercada por dendezais por todos os lados”.
Em Tomé-Açu, uma área de produção de outra empresa de óleo de palma no Pará, a Mongabay revelou contaminação da água por agrotóxicos usados nas plantações de óleo de palma que causaram as mesmas náuseas e dores de cabeça descritas por quilombolas e pelo pesquisador. Esta repórter teve crise de tosse, falta de ar, náuseas e dores de cabeça após inalar o odor dessas palmeiras com agrotóxicos durante uma investigação na região.
Brito diz que a substância que a empresa aplica em uma área limitada é um tipo de fertilizante líquido aprovado pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) e que não é prejudicial à saúde, pois deriva de um processo orgânico.
“Todo nosso processo de extração é um processo orgânico. Não vai nenhum produto químico ali. E aquilo, basicamente, é fruto, a parte aquosa do fruto, que não é óleo e também não é sólida foi para o efluente”, disse ele, acrescentando que também se adiciona água extra antes de passar por um tratamento anaeróbico em lagoas. “E a gente faz um sistema de fertirrigação, conforme estabelecido pela Secretaria de Meio Ambiente. Está na nossa licença ambiental, que tem que ser aplicada dessa maneira”.
“Eu já coloquei a mão nele. Eu já cheirei. Eu já fiquei horas exposto, e eu nunca tive nada. Em tese, não é pra ter nada mesmo. E a nossa área de aplicação na fazenda, o pedaço que fica mais próximo à vila dos Palmares fica a 2.750 metros”, diz ele.
A Semas não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay.
Luta por reconhecimento
Assim como as disputas de terra com a Agropalma, também há conflitos sobre áreas utilizadas por outras empresas de óleo de palma. Na Vila da Balsa, às margens do Rio Acará, comunidades que já foram deslocadas de outras áreas, incluindo quilombolas, estão agora sob o risco de serem removidas para dar lugar ao asfaltamento de uma estrada usada para transportar frutos de palma e outras mercadorias.
Um dos casos mais tocantes é o de Maria Julieta Gonçalves da Conceição, de 96 anos, que vive na região desde criança, quando plantou uma castanheira — a única que resta na comunidade.
“Nossa casa era bem aqui, onde tem essa castanheira. Essa castanheira é minha planta com minha mãe, meu pai. Aqui era minha roça com meu pai e minha mãe”, ela disse à Mongabay, ao lado da castanheira. “Aqui [era a] a fazenda do Urucuré, queriam derrubar [a castanheira]. Derrubaram as outras [castanheiras] tudinhas, já estavam com motosserra no pé dela, do lado. Aí, eu embarguei. Não deixei derrubar”.
Ela vive com 10 pessoas, incluindo sua filha e netos, há cerca de 35 anos em um barracão ao lado da estrada não pavimentada PA-256. “Aqui é muito barulho. Não deixa a gente dormir a noite todinha”, disse ela, enquanto caminhões com dendê passam ao fundo.
Julieta disse ter ficado doente com problemas de coração, pressão arterial e falta de ar, devido ao risco de ser despejada. “Eu doente como eu ando de pressão[alta]. É coração. É falta de ar. Eu sofro. E tem noite que eu não durmo. Amanheço quase doida, ando caindo, me segurando nas paredes… nós não temos para onde ir, sair. Aqui não tem mais canto para ninguém”, disse ela às lágrimas. “Eu me sinto feliz aqui no meu lugar… Nasci e me criei aqui, nesse lugar. Nunca abandonei o Acará… Meu sonho é que eu só queria desprezar aqui depois que eu fechasse os meus olhos”.
A Vila da Balsa está incluída no pedido da ARQVA como uma área que seria destinada ao direito de regresso dos quilombolas. Barreto, a defensora pública, diz estar preocupada porque o avanço do projeto da estrada — liderado pelo governo do estado do Pará e financiado pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), ligado ao Brics, grupo de países em desenvolvimento — vai inviabilizar o caso sem uma decisão favorável da justiça.
“Então, a gente está preocupado, por quê? Porque o processo de licenciamento para a estrada, o cadastramento das famílias está sendo mais ativo do que o próprio processo do Iterpa, que já dura desde 2016. Então, quanto mais esse processo se alastra, quanto mais o Estado não dá uma resposta para a comunidade, [mais] a comunidade fica fragilizada”. O governo do Pará não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay.
Barreto, Silva e Saavedra dizem que os residentes devem ter o direito de retornar ao local onde viveram no passado. Eles argumentam que, depois que a Agropalma chegou à área nos anos 80, muitos residentes foram removidos à força de suas terras ancestrais.
“O meu pai tinha uma terra bem aqui embaixo. Um cidadão botou na cabeça dele [para] sair das áreas. E o cidadão falava assim: tu vende e não adianta ficar aqui porque a empresa tem documento. Então, tu vai sair de qualquer jeito. Não é teu. Então, nós vamos te dar uma gratificação e tu vai tocar tua vida para outro canto. E assim foi com todos que aconteceu desse jeito”, o pescador Adilson José Pimenta diz à Mongabay nas margens do Rio Acará.
Serrão diz que ele e sua família só permaneceram vivos após ameaças de pistoleiros porque seu pai aceitou à força uma pequena quantia de dinheiro para as terras na margem do rio Acará, para onde seus antepassados anteriormente escravizados escaparam no início do século 19. “Ia acontecer o pior, ele ia matar ele lá e vinha matar o resto da família. Porque ele não ia deixar ninguém vivo”, Serrão disse. A área agora está sob a posse da Agropalma, diz ele.
“Esse fazendeiro lá comprou tudinho do pessoal que morava lá onde eu morava. Ele enganou a gente, comprando a terra da gente baratinho”, Francisco Neves Costa, um lavrador indígena que vive na Vila da Balsa, disse à Mongabay. “Naquele tempo também nós todos praticamente [éramos] analfabetos, não [entendíamos] muito as coisas. O cara vinha com uma mixaria e enganava o pessoal lá. Todo mundo ficava ameaçado. O pessoal ficava com medo”, disse Costa.
Costa diz que ele e sua família foram deslocados algumas vezes desde que ele era criança. “Não sei nem direito foi onde que eu nasci. Sei que nasci na beira do Rio Acará, para baixo. Agora é tudo da Agropalma… [todo mundo] saiu tudo assim também, ameaçado”.
A Agropalma nega o uso da violência para adquirir terras. Depois das denúncias dos moradores, a empresa entrevistou uma dúzia de pessoas na área, incluindo aquelas críticas da empresa, e nenhuma delas relatou violência ou tiros, de acordo com Brito, diretor da Agropalma.
“Essa é uma área de ocupação muito antiga… O que eu sei te dizer é o seguinte: que todos, inclusive a pessoa que foi muito contra a Agropalma, eu perguntei: você já viu alguém em nome da Agropalma, seja segurança da Agropalma, seja algum intermediário, alguém falando em nome da Agropalma, ameaçando ou expulsando gente daqui? Ah, não. Eu nunca vi. Mesmo um cara que era contra”, diz ele.
Pesquisadores dizem que o caso de Neves é um claro exemplo de “etnocídio” enfrentado pelas comunidades tradicionais deslocadas no Alto Acará após a monocultura de óleo de palma. Quando perguntado se Neves era um Tembé, um povo indígena que vive no Amazonas e no Pará, ele disse: “Até hoje eu tenho dúvida sabe… Meu pai morreu, eu era novo. Mamãe também. Vovó também. Morreu todo mundo e eu era novo. Sei que meu pai era índio. Minha vó era índia”.
Como Neves, vários povos indígenas Tembé foram deslocados de suas terras ancestrais, dizem os pesquisadores.
Na Vila Palmares, uma comunidade toda cercada pelas plantações da Agropalma para onde a maioria dos moradores foram deslocados, Nitônia dos Santos, do povo Tembé, diz que ela se lembra quando ela e sua família tiveram que sair de repente de sua casa perto do Rio Acará depois que seu pai lhes disse que “foi vendida” por uma família não indígena, proprietária da terra que transferiu os títulos da terra para a Agropalma.
Cemitérios unindo indígenas e quilombolas
A situação no Alto Acará piorou este ano, dizem quilombolas e especialistas. Cansados de esperar por uma decisão da justiça, em fevereiro um grupo de cerca de 60 quilombolas ocupou a reivindicada Vila Nossa Senhora da Batalha, desencadeando outra rodada de disputas judiciais sobre a área.
A Agropalma reagiu imediatamente “tomando todas as medidas para proteger seus colaboradores e patrimônio” para retirar os “invasores” da área, disse Brito, da Agropalma, em um e-mail em fevereiro. Cabines de segurança e torres de vigilância também foram instaladas, dizem os residentes, restringindo ainda mais o acesso dos quilombolas à área e ao rio, dos quais eles dependem para a pesca.
“Estamos criando barreiras com caçambas de caminhão e cavando valas, dificultando o acesso para impedir que mais pessoas cheguem ao local. Esse direito de autoproteção é garantido pela legislação [direito ao desforço imediato] e em 40 anos de existência é a primeira vez que a Agropalma tem de adotar esse tipo de medida”, disse Brito em um e-mail na época. Segundo ele, as lideranças disseram que “só vão sair da área com uma decisão da justiça”.
Após o conflito, somente os residentes cujos nomes estão em uma lista aprovada podem entrar na área, disse Barreto. As torres de vigilância próximas aos cemitérios e ao longo do rio também permanecem no local.
“O rio é um problema. E é um absurdo você privatizar o rio. Dizer que o rio está patrulhando… Eles sempre viveram ali. Eles não são pescadores profissionais. Não precisa estar autorizado, é uma inversão”, disse a defensora pública.
Embora Barreto discorde de todas essas medidas, ela diz que não vale a pena continuar o impasse.
“Está se focando em um único processo que a própria empresa judicializou, que é a ação possessória, mas não se está enfrentando o problema central, que é a destinação da terra pública e a não conclusão do processo dos quilombolas, que também está no Iterpa. Esse é o grande debate”, disse a defensora pública.
O Iterpa ainda não tornou público seu novo relatório sobre as reivindicações dos quilombolas, mas não reconhecerá os direitos dos quilombolas sobre as vilas Nossa Senhora da Batalha e Balsa e outras áreas reivindicadas devido à falta de provas, de acordo com uma cópia do relatório obtida pela Mongabay. “Só que a nossa tese não é essa. Nossa tese é que os cemitérios já são evidência. Por isso que a gente está pedindo perícia na área por conta do próprio cemitério”, disse Barreto.
Após a ocupação da Vila Nossa Senhora da Batalha, um grupo de cerca de 60 indígenas Tembé, incluindo Neves, também estão lutando pelo reconhecimento e enviaram um documento de autodeclaração em setembro à Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo os estudos de Silva, Paz e Marin, eles foram deslocados e espalhados pelas comunidades da região e têm uma relação de proximidade, de parentesco, com os quilombolas.
“Espaços sagrados, os cemitérios têm se constituído como um elemento de mobilização dos indígenas e dos quilombolas”, disse Silva. “Esses indígenas assinaram uma ata, um documento se autorreconhecendo como indígenas, descrevendo todo o processo de expulsão violenta que eles foram submetidos”.
Na carta obtida pela Mongabay, Sipriano dos Santos Campos, cacique Tembé da aldeia Turi-Açu, disse à Funai: “Nós, indígenas Tembé do Alto Acará, residentes e dispersos em várias comunidades (Turi-Açu, Palmares, Balsa e Gonçalves), localizadas nos municípios de Tailândia e Acará no estado do Pará. Nós, indígenas desaldeados, fomos expulsos violentamente do nosso território situado em Itapeua, no Alto Acará, desde a década de 1970, quando da implantação de grandes empreendimentos da dendeicultura. Hoje, vivemos em uma completa dependência econômica dos não-indígena, perambulando em busca de trabalho”.
De acordo com Campos, eles ainda preservam alguns costumes tradicionais, apesar de estarem “confinados e ilhados em meio a grandes latifúndios, em especial o da dendeicultura”. Ele instou a Funai para realizar os estudos necessários para o reconhecimento das terras ancestrais tradicionalmente ocupadas pelos Tembé que ” foram tomadas à força por pistoleiros e grileiros a serviço de fazendeiros e megaempresas do agronegócio”. “Para confirmar a presença indígena anterior à chegada dos fazendeiros e da empresa de dendeicultura, além da presença dos cemitérios, temos restos de antigos utensílios domésticos achados recentemente no território reivindicado”, ele escreveu.
“O processo de autoidentificação é resultado de uma mobilização consciente e visa a restituição de direitos territoriais historicamente solapados e negados a nosso povo e, ao mesmo tempo, fazer cessar décadas de abandono, violações, estigmatizações e outras práticas etnocidas que ameaçam a nossa existência física, social e cultural”.
A Funai não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay.
O Iterpa é acusado de favorecer a Agropalma enquanto acelera os processos de registro de terras da empresa em detrimento das comunidades quilombolas, que deveriam ter prioridade.
A Agropalma nega a acusação, alegando que seu processo de regularização fundiária está paralisado devido ao pleito quilombola.
Em uma declaração enviada por e-mail, o Iterpa não respondeu às acusações e disse que “o Pará assegura em lei, em estrutura e em ações o devido processo legal necessário para reconhecer os direitos territoriais das comunidades de remanescentes quilombolas”.
Conflitos acirrados
A Agropalma está à venda. Autoridades e pesquisadores dizem temer que a venda possa piorar ainda mais a situação, espelhando o que aconteceu na região de Tomé-Açu, onde a violência aumentou após a aquisição da Biopalma da Amazônia pela Brasil BioFuels S.A. (BBF) em 2020. O caso desencadeou uma “guerra do óleo de palma“, como reportado pelo Mongabay.
Nesse caso, líderes comunitários e autoridades disseram que os acordos anteriores entre a Biopalma e as comunidades não foram honrados sob a nova gestão. Há também disputas de terra sobre áreas reivindicadas por ambos os lados, agravadas pela inércia da Funai para demarcar terras ancestrais.
Em uma reunião com o Iterpa em outubro, Barreto diz que o instituto sinalizou que era necessário acelerar a resolução do problema agora incontroverso, que é a Vila Gonçalves (única comunidade quilombola que o órgão reconhece no relatório), devido às incertezas quanto à venda da Agropalma. “Não se sabe qual seria a política da empresa sucessora. Que é o que aconteceu, inclusive, com a própria BBF. Quando a BBF veio, veio uma política mais agressiva contra as comunidades”, disse a defonsora.
“Seis anos não são seis dias. Esse processo, no meu ponto de vista, já era para ter terminado”, disse José Joaquim dos Santos Pimenta, líder quilombola que preside a associação ARQVA, em uma reunião com o Iterpa em outubro. Nessa reunião, um representante do Iterpa destacou que “a questão é bem complexa”, de acordo com uma gravação a que a Mongabay teve acesso.
Barreto, a defensora pública, instou o Iterpa a encontrar uma solução para acabar com os conflitos. “Enquanto o estado do Pará não der uma resolução para a situação da destinação da terra, o conflito vai continuar”.
De fato, uma nova ocupação na comunidade Nossa Senhora da Batalha foi deflagrada nos últimos dias, mas agora tem os quilombolas e os indígenas como protagonistas, disse Silva, o pesquisador, à Mongabay. “Território Indígena: Estas terras pertencem aos indígenas e aos quilombolas”, diz uma faixa afixada em um dos portões colocados pela Agropalma para dificultar o acesso da comunidade à área através de suas plantações, após a ocupação em fevereiro.
A Agropalma comunicou à justiça que os quilombolas descumpriram um acordo assinado após a ocupação de fevereiro. Uma audiência judicial está agendada para 15 de dezembro. No entanto, Silva disse à Mongabay que, desta vez, os quilombolas e indígenas chegaram à área por outro caminho do outro lado do Rio Acará, não através das plantações da empresa.
A promotora Ione Nakamura diz que a legislação do Pará é clara quando se trata da prioridade do uso público do solo: as populações locais. “O olhar do Ministério Público é sempre um olhar muito criterioso a favor do reconhecimento do direito aos povos e comunidades tradicionais, que são vulneráveis e que têm historicamente ocupado essa região há muito tempo”. De acordo com Nakamura, embora a Agropalma tivesse investido na área, “essa atividade não pode passar por cima das pessoas que já moravam aqui, que têm uma relação histórica, cultural, ancestral, religiosa com a terra e com os seus antepassados”.
Apesar dessa longa batalha judicial, Pimenta diz que tenta manter a esperança de um resultado positivo para os quilombolas. “Espero em Deus e confio no trabalho do Iterpa que, em breve, estaremos recebendo a titulação do nosso território”, disse ele, acrescentando que também está esperançoso em mais reconhecimento de terras para os quilombolas pelo futuro governo do presidente Lula, que toma posse em janeiro.
Batista, o lavrador quilombola, diz que seu sonho é ver a comunidade Nossa Batalha da Glória ativa novamente. “Ter uma comunidade boa aqui, nossa. Nós [podermos] trabalhar, [produzirmos] alguma coisa. Nossa macaxeira, nosso feijão, nossa abóbora”, ele disse à Mongabay muito emocionado, sentado nos escombros de um fogão que ele mesmo construiu na comunidade de Nossa Senhora da Batalha. “Se nós tomarmos essa posse daqui, nós [estaremos] muito felizes”.
Serrão, lavrador quilombola, disse que sonha em voltar para a terra de onde foi expulso com sua família há décadas sob ameaça de pistoleiros.
“Meu sonho é morar na beira desse rio. É voltar a ser livre,”, disse ele próximo da área de onde foi expulso com sua família. “Esse rio aqui é nossa estrada. Nós fomos criados aqui. Esse rio aqui é uma vida para nós”.
Imagem do banner: Raimundo Serrão acende velas para seus ancestrais no Cemitério do Livramento. Imagem cortesia de Elielson Pereira da Silva.
Karla Mendes é editora e repórter investigativa da Mongabay no Brasil. Encontre-a no Twitter: @karlamendes
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