Cientistas alertam que a Amazônia está se aproximando de um ponto de inflexão, a partir do qual a floresta tropical começaria a se transformar de modo irreversível em uma savana seca e degradada. Este ponto pode ser alcançado quando 25% da floresta for perdida.
Em um relatório recém-divulgado, o Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP, na sigla em inglês) estima que 13,2% da vegetação original amazônica tenha se perdido devido ao desmatamento e outras causa.
Segundo o mesmo relatório, 31% da Amazônia oriental já desapareceu. A umidade percorre a floresta de leste a oeste, criando até metade de todas as chuvas na Amazônia. O número de 31% é crítico, diz o relatório, “porque o ponto de inflexão provavelmente será desencadeado no leste”.
Especialistas dizem que as próximas eleições podem ter consequências dramáticas para a Amazônia e que, para evitar o ponto de inflexão, devemos reduzir as emissões, empreender projetos ambiciosos de reflorestamento e construir uma economia baseada na floresta. Conceder e honrar a posse de terras indígenas e áreas protegidas também são estratégias fundamentais.
Cientistas alertam que a Amazônia está caminhando para um ponto de inflexão, a partir do qual a floresta tropical começaria a se transformar de modo irreversível em uma savana seca e degradada, incapaz de suportar a imensa diversidade de vida que a região abriga.
Essa mudança pode ser desencadeada quando 25% da floresta já tiver sido perdida, estimam os cientistas. Mas quão perto estamos do ponto de inflexão? Para responder a essa pergunta, precisamos saber quanto do bioma amazônico original já desapareceu.
“Surpreendentemente, não encontramos nenhum estudo definitivo que respondesse diretamente a essa pergunta”, disse à Mongabay Matt Finer, especialista sênior em pesquisa e diretor do Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP, na sigla em inglês). Foi exatamente isso que o MAAP se propôs a fazer.
Em um relatório recém-divulgado, o MAAP estima que 13,2% da vegetação original amazônica tenha se perdido devido ao desmatamento e outras causas. Isso equivale a mais de 85 milhões de hectares – quase um estado de Mato Grosso inteiro.
Para chegar a esse número, o MAAP primeiro teve que criar um mapa do bioma amazônico original, antes da colonização europeia, e depois sobrepor a perda histórica total da floresta. Os pesquisadores combinaram dados da Universidade de Maryland, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), imagens de satélite ArcGis, mosaicos de planetas, imagens de satélite do Google Earth e dados oficiais de governos de vários países.
O MAAP destaca outro número crítico. Quando dividido em terços, o mapa mostra que 31% da Amazônia oriental desapareceu. “Esta descoberta é crítica”, diz o relatório, “porque o ponto de inflexão provavelmente será desencadeado no leste” – onde hoje se espalha o Arco do Desmatamento sobre o território do Pará. A perda de árvores no leste é significativa porque a umidade percorre a floresta de leste a oeste, criando até 50% de todas as chuvas na Amazônia.
“A água para a Amazônia vem do oceano [Atlântico]”, disse Finer. “Você vê o mapa e de repente percebe que o jogo mudou.”
A Floresta Amazônica recebe até metade de suas chuvas com a reciclagem de umidade. Começa com o sol aquecendo as águas superficiais do Oceano Atlântico e fazendo com que o vapor suba e forme nuvens. Essas nuvens carregam chuva para o leste da Amazônia. A floresta absorve a chuva e, em seguida, libera vapor de água de volta à atmosfera através da transpiração. Esse vapor de água das florestas orientais é levado pelos ventos para o oeste e forma os “rios voadores” da Amazônia, que causam chuvas no oeste. Assim, o desmatamento no leste pode ter um efeito prejudicial em todo o sistema.
Outro estudo recente descobriu que, para cada três árvores que morrem devido à seca na Floresta Amazônica, uma quarta árvore, mesmo que não diretamente afetada pela seca, também morrerá. Com menos árvores no leste para reciclar a umidade, o resto da Amazônia fica mais seco. “A falta de reciclagem de umidade em algumas partes da floresta pode ser propagada pelo vento, resultando em aproximadamente um terço de todas as mudanças abruptas na floresta”, diz o artigo.
Quando foi concebido pela primeira vez, o conceito de ponto de inflexão foi pensado como uma mudança abrupta do ecossistema, “mas agora acredita-se que a mudança pode acontecer gradualmente”, ao longo de 30 a 50 anos, diz o relatório do MAAP.
Ao invés de pensar na Floresta Amazônica como algo que desaparecerá de repente, é útil notar que algumas regiões são muito mais vulneráveis às mudanças do que outras, disse à Mongabay Nico Wunderling, pesquisador do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, na Alemanha, que não esteve envolvido no relatório do MAAP.
“Não acho que haja um ponto sem volta para toda a Amazônia”, disse Daniel Nepstad, presidente do Earth Innovation Institute, à Mongabay em uma entrevista de 2019. “É tudo uma questão de quão frequentes e intensas são essas secas realmente severas.”
E os primeiros sinais de secas mais permanentes e mais severas na floresta tropical já estão aparecendo, alertam os cientistas. Espécies de plantas adaptadas a condições úmidas estão começando a morrer, e imagens de satélite mostram uma diminuição do vapor d’água em partes da floresta tropical que estão longe do Arco do Desmatamento .
“Não somente a estação seca é mais longa, mas também mais seca, com menos chuvas e de 2 a 3 °C mais quente”, disse à Mongabay Carlos Nobre, um dos principais cientistas climáticos do Brasil e pesquisador do Universidade de São Paulo, que revisou o relatório do MAAP. Secas como as vividas na Amazônia em 2005 e 2010, disse ele, “podem se tornar a norma”.
“O risco do ponto de inflexão é muito real”, disse Nobre.
O desmatamento e os incêndios na Amazônia aumentaram sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro , que adotou políticas que prejudicam as várias agências de proteção e monitoramento ambiental do Brasil. Sob Bolsonaro, a Amazônia brasileira perdeu uma área de floresta maior que a Bélgica e registrou sua maior taxa de desmatamento em 15 anos .
Na Amazônia, os incêndios não ocorrem naturalmente, mas sim após o desmatamento para limpar a terra e prepará-la para a pecuária ou o cultivo agrícola. Um estudo de 2021 descobriu que a Amazônia brasileira está emitindo mais carbono do que capturando-o, principalmente devido a incêndios.
“Nós realmente temos que reduzir o desmatamento, começar a combater incêndios e acelerar a recuperação”, disse Nepstad à Mongabay em 2019. “Temos tudo o que precisamos saber para agir agora, urgentemente, para evitar um incêndio em grande escala e a morte da floresta.”
Afastar-se do ponto sem volta exigirá que as nações mudem os modelos do agronegócio, realizem projetos ambiciosos de reflorestamento e elevem a qualidade de vida das pessoas que vivem nas cidades amazônicas construindo uma economia baseada na floresta em pé, escreveram Nobre e o falecido Thomas Lovejoy, um proeminente e influente biólogo de conservação que trabalhou com o MAAP nos estágios iniciais deste relatório, em um editorial de 2019 publicado na Science.
Nobre observou que uma Amazônia mais seca é causada tanto pelo desmatamento quanto pelas mudanças climáticas, portanto reduzir as emissões para cumprir a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C também é crucial para evitar desastres na Amazônia e além.
“Há também um lado mais positivo nesta história”, disse Adriane Esquivel Muelbert, especialista em alterações na Floresta Amazônica da Universidade de Birmingham, à Mongabay. “Algumas grandes áreas da Amazônia ainda estão muito úmidas e não sofrem com o aumento da aridez. [Se] controlarmos o desmatamento agora podemos evitar o ponto de inflexão da Amazônia.”
Áreas protegidas e territórios indígenas são redutos importantes para a proteção dos remanescentes florestais e para o cumprimento das metas climáticas. A maior parte do desmatamento e dos incêndios na Amazônia nos últimos cinco anos ocorreu fora dessas principais designações de uso da terra, destacando a importância de conceder e honrar a posse da terra indígena e seu status de proteção.
As próximas eleições também podem ter consequências dramáticas para o destino da Amazônia, dizem especialistas. “A reeleição de um governo que incentiva o desmatamento pode acelerar drasticamente o ponto de inflexão da Amazônia”, disse Muelbert. “A eleição do ex-presidente Lula, atualmente a principal figura nas pesquisas, promete reduzir novamente as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira. As políticas de Lula já ajudaram a reduzir o desmatamento anual em 82%, para o menor índice desde o início do monitoramento por satélite.
Em última análise, ninguém pode prever com que rapidez a floresta se encaminhará para ponto de inflexão, disse Lovejoy à Mongabay em 2019. “Será um longa queda ou as mudanças que já estão sendo vistas começarão a acontecer com maior magnitude?”, ele pergunta. “Não vamos descobrir se não encararmos os fatos.”
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2022/10/rede-de-estradas-espalha-arterias-de-destruicao-por-41-da-amazonia-brasileira/
Imagem do banner: Incêndio próximo ao Rio Manicoré, no estado do Amazonas, em agosto de 2022. Foto: Christian Braga / Greenpeace