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Qual o som da Amazônia? Cientistas estão ouvindo a floresta para descobrir como salvá-la

  • Estudo inédito analisa a biodiversidade presente em mais de 16 mil minutos de sons gravados na Floresta Nacional de Carajás, área protegida no sudeste do Pará.

  • Cerca de 230 espécies de aves já foram reconhecidas em 7 mil minutos de gravação — destaque para o cricrió (Lipaugus vociferans) e a araponga-da-amazônia (Procnias albus); próximos a serem identificados serão os mamíferos da área.

  • O estudo mostra que os 14 locais distintos de amostragem de som trouxeram paisagens sonoras semelhantes e que a floresta não dorme: há muitos bichos vocalizando à noite.

  • Por meio da sonoridade da floresta é possível conhecer sua biodiversidade, os serviços ecossistêmicos prestados e avaliar medidas de conservação e mitigação das mudanças climáticas.

O cricrió (Lipaugus vociferans) é quem dá as boas-vindas na Floresta Nacional de Carajás, área protegida da Amazônia no sudeste do Pará. “O cricrió é bem característico de florestas conservadas porque é bem sensível a perturbações. Às vezes, eles são tão abundantes e cantam tão alto que acabam mascarando outras vocalizações”, conta o pesquisador Leonardo Miranda.

“Você escuta esse passarinho em toda a região, então esse é um exemplo super interessante do que a gente chama na literatura de espécies que caracterizam o local”, diz Tereza Giannini, pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale. “Quando você chega no lugar, você reconhece: ah bom, estou dentro de Carajás”.

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Há, contudo, momentos em que uma sonoridade se sobrepõe: é a da araponga-da-amazônia (Procnias albus), que tem a voz mais eloquente dentre os animais mais barulhentos já pesquisados. Alcançando os 125 decibéis, a ave supera uma banda de rock e até uma motosserra. Pesquisadores se preocupam, inclusive, com eventuais danos que tais decibéis poderiam causar aos ouvidos da fêmea durante as canções de acasalamento.

Os cantos do cricrió e da araponga-da-amazônia são significativos na paisagem sonora de Carajás e são os favoritos de Leonardo, biólogo que atua na pesquisa liderada por Tereza Giannini sobre a paisagem sonora da região.

Para além do fascínio que a comunicação entre os animais exerce — são quase 10 mil espécies de aves, 7 mil espécies de anuros, 6 mil espécies de mamíferos e número desconhecido de peixes e insetos vocalizando mundo afora —, conhecer a sonoridade da floresta é uma maneira de dar voz à biodiversidade e, assim, identificar a mudança de comportamento dos animais a partir do avanço das mudanças climáticas, avaliar os efeitos do clima sobre os serviços ecossistêmicos e embasar programas de sustentabilidade.

Esses são os objetivos da pesquisa que usou gravadores para captar cerca de 16 mil minutos de som, instalados em árvores a aproximadamente dois metros do solo em 14 locais diferentes da área protegida. A análise da paisagem sonora é um dos estudos de fauna pertencente ao projeto Capital Natural da Floresta Nacional de Carajás, que analisa os recursos naturais da floresta e sua contribuição para a absorção do carbono, regulação do clima, proteção da água e da própria biodiversidade.

Cricrió (Lipaugus vociferans). Foto: Nereston de Camargo

Música da floresta

Dentre os 16 mil minutos de som gravados, mais de 7 mil minutos já foram analisados por um ornitólogo especialista do Museu Paraense Emílio Goeldi, que reconheceu o canto de cerca de 230 espécies de aves. Até fevereiro de 2024 será analisada também a biodiversidade de mamíferos, anfíbios e insetos – já se sabe que as cigarras são bastante assíduas — presente nas gravações.

Além de contar com a escuta de especialistas, também serão usados acervos ou bibliotecas de som, que armazenam registros acústicos de diferentes espécies. Estes registros poderão ser, então, comparados com a gravação em programas de computador. O Global Biodiversity Information Facility é um exemplo de rede internacional que disponibiliza sons da biodiversidade.

Entre as curiosidades que as gravações na Floresta Nacional de Carajás revelaram até o momento está o fato de que os sons na Amazônia mudam ao longo do dia. Perto do meio-dia o som é forte, e quando chega o entardecer a mata vai silenciando. A floresta, contudo, não dorme. Na biodiversidade amazônica cada um tem seu ritmo circadiano e, depois que a curva de sons cai um pouco por volta de 17 horas, a música vai novamente aumentando de volume e permanece animada noite adentro. “Isso não indica que a floresta é barulhenta, mas que tem muitos bichos vocalizando à noite”, explica Tereza.

Outra curiosidade foi que os 14 locais distintos de amostragem de som trouxeram paisagens sonoras semelhantes. Mesmo considerando localizações com perfis diferentes, seja numa área estacional seca ou numa área de ombrófila densa, os sons produzidos parecem homogêneos.

Boa surpresa para os pesquisadores foi escutar o canto da curica-urubu (Pyrilia vulturina), ave endêmica que ocorre no sul do Amazonas, no Pará e Maranhão e é considerada vulnerável no Brasil. Além das espécies de aves, já foram identificados nas gravações o cachorro-vinagre (Speothos venaticus), a ariranha (Pteronura brasiliensis), a suçuarana (Puma concolor), os macacos cuxiú (Chiropotes satanás) e guariba-de-mãos-ruivas (Alouatta belzebul).

Escutar para conservar

“As mudanças ambientais causadas pelo ser humano, como a degradação ambiental, o desmatamento e a exploração dos recursos naturais, ocorrem numa velocidade e a nossa capacidade de obter informações é bem reduzida”, avalia Leonardo. “Essas ferramentas modernas que trazem a inovação são muito vantajosas para a gente tentar andar no mesmo passo que a mudança ambiental.”

Para coletar os sons da floresta, aparelhos foram programados para gravar por 24 horas, captando um minuto a cada hora. Leonardo vê o uso de gravadores como recurso seguro, ágil e econômico, permitindo monitoramento em longo prazo. “Para a gente cobrir 14 horas durante 7 dias simultaneamente, por exemplo, como foi o caso com os gravadores, eu precisaria de 14 biólogos em campo por 24 horas escutando os sons e anotando quem está vocalizando”, considera.

Ainda que simples, o uso do recurso na gravação dos sons da floresta parece não ser tão frequente nas pesquisas. “Aqui na Amazônia talvez seja uma das primeiras, especialmente pensando na Amazônia Oriental”, diz Tereza.

Araponga-da-amazônia (Procnias albus). Foto: Brendan Ryan (CC BY-NC-SA 2.0)

Outras pesquisas já mostraram a relevância do monitoramento acústico para avaliação da biodiversidade na Amazônia, como foi o caso do estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) em abril deste ano, analisando a biodiversidade em florestas degradadas por incêndios ou exploração madeireira.

“Na hora que a gente pensa em conservação de uma floresta como a amazônica, a gente está pensando também em conservar as contribuições que essa floresta traz para o ser humano”, diz Tereza, que pesquisa há 15 anos os impactos das mudanças climáticas. “A gente chama isso de serviços ecossistêmicos, que é o quanto a floresta regula a mudança climática, o quanto ela protege a água, ou o quando ela sequestra o carbono.”

“Você não conserva aquilo que você não conhece e você precisa de dados numéricos”, afirma Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, professora da Universidade de São Paulo que já realizou diversas pesquisas na região de Carajás.

Segundo os especialistas, os dados sobre a biodiversidade que estão sendo revelados pela pesquisa poderão ser usados de diversas maneiras para colaborar com medidas de conservação. Há a possibilidade, por exemplo, de cruzar as informações com outras pesquisas já realizadas na região, como é o caso do estudo realizado por Leonardo, Vera e Tereza e publicado em 2019 na revista Plos One, que mostra os serviços ambientais prestados pelas aves de Carajás e a tendência de declínio de espécies até 2050 por causa das mudanças climáticas.

“Pensar que em 30 anos a gente pode perder grande parte dos serviços da floresta por causa do clima… Biodiversidade e clima são questões sérias e através dos sons da floresta você pode fazer um biomonitoramento muito importante”, conclui Vera.

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Imagem do banner: Guariba-de-mãos-ruivas (Alouatta belzebul). Foto: Nick Athanas (CC BY-NC-SA 2.0)

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