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Os Intermediários: Maior exportadora de pisos do país acusada de corrupção exporta para os EUA

  • Novas evidências desvendadas por uma investigação conjunta da Mongabay e Earthsight revelam negócios suspeitos feitos pela Indusparquet, maior exportadora de pisos do país, e seus fornecedores. A investigação durou mais de um ano.

  • A empresa é ré em dois processos judiciais por usar funcionários públicos para o fornecimento de madeira. Mongabay e Earthsight tiveram acesso a dezenas de horas de escutas telefônicas e imagens em vídeo, além de milhares de páginas de documentos judiciais que detalham como os supostos esquemas de propina funcionavam.

  • Um dos processos judiciais acusa a empresa de pagar propina a um funcionário público para garantir o fornecimento de bracatinga, uma espécie nativa da Mata Atlântica, para um “cliente dos Estados Unidos”.

  • Também encontramos indícios de que o cliente americano era a Floor & Decor, a maior cadeia varejista de pisos do país, que já esteve envolvida em escândalos de madeira ilegal com a Indusparquet anteriormente. A LL Flooring, que pagou a maior multa da história dos EUA por suas exportações de madeira ilegal, também é cliente da Indusparquet.

Uma investigação realizada pela Mongabay e Earthsight desvendou novas evidências de negócios corruptos e práticas ilegais usadas pela maior exportadora de pisos do Brasil, a Indusparquet, e seus fornecedores.

A investigação, que durou mais de um ano, revela que a Indusparquet usou intermediários para garantir acordos secretos de madeira com fornecedores que receberam multas milionárias por suas práticas ilegais, desde a sede da empresa, no estado de São Paulo, até a Amazônia e a Mata Atlântica. A gigante brasileira afirma ter fornecido produtos para projetos de alto padrão como o Hotel Mirage de Las Vegas, o Vaticano e o Taj Mahal.

A empresa é ré em dois processos de corrupção (um no estado de São Paulo e outro no Paraná) pelo pagamento de propina a funcionários públicos para assegurar o fornecimento de madeira. Após uma denúncia de uma fonte anônima, obtivemos acesso a dezenas de horas de escutas telefônicas e imagens de vídeo revelando como José Antonio Baggio, co-fundador da empresa e réu em um dos casos, ofereceu propina a um funcionário público do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em União da Vitória (PR) para obter bracatinga (Mimosa scabrella), uma espécie de árvore nativa da Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do país.

Pedidos de acesso à informação confirmaram que a Indusparquet comprou bracatinga de fornecedores nomeados no processo judicial contra Baggio durante o mesmo período, o que as escutas telefônicas mostram ser para um “cliente dos Estados Unidos” não identificado. Apesar de a justiça ter recusado as acusações contra os reús e a Indusparquet afirmar que os processos estão encerrados, ainda há espaço para recurso, como o Ministério Público confirmou à Mongabay.

A segunda acusação que documentamos foi desencadeada por uma grande incursão na sede da Indusparquet em 2018: a Operação Pátio. O Ministério Público Federal (MPF) acusa a empresa de envolvimento em um esquema de lavagem de madeira de 154,37 milhões de reais (US$ 30 milhões) que utilizou um analista do Ibama para fraudar créditos madeireiros na base de dados da autarquia. O funcionário admitiu posteriormente receber subornos de um funcionário da Indusparquet.

Nossa investigação também descobriu que a Indusparquet adquiriu madeira de serrarias do Pará ligadas à Operação Handroanthus, deflagrada pela Polícia Federal e Ibama e apreendeu 226 mil metros cúbicos de madeira em 2020. A Operação Handroanthus teve repercussões políticas significativas, pois após as visitas do então ministro do meio ambiente Ricardo Salles à área para fazer lobby em nome de proprietários de terras que abasteciam as serrarias, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu duas investigações que levaram à saída do ministro em junho de 2021.

A Polícia Federal apreendeu madeira na fronteira entre os estados do Amazonas e do Pará em março de 2021 como parte da Operação Handroanthus. Foto cortesia da Polícia Federal no estado do Amazonas via Smoke Signal.

Em outra parte do Pará, rastreamos madeira de uma Terra Indígena com povos isolados vendida para a Indusparquet por fornecedores multados em mais de US$ 465 mil por falsificação de dados sobre a origem de madeira. Além disso, os proprietários das terras dentro da reserva foram multados em US$ 2,7 milhões em 2021 por destruir quase mil hectares de floresta e violar as restrições de acesso às áreas onde residem povos isolados.

Um panorama parcial dos centenas de fornecedores da Indusparquet mostra que eles foram multados em cerca de US$ 3,7 milhões entre 2015 e 2021 por uma ampla gama de irregularidades na atividade madeireira, desde falsificação de informações em bancos de dados oficiais até a extração de madeira em terras indígenas e florestas protegidas.

Apesar de todas essas denúncias, a Indusparquet continua sendo o maior exportador de piso do Brasil, com vendas estimadas em US$ 250 milhões para os Estados Unidos entre janeiro de 2017 e agosto de 2022. Após ser multada em US$13 milhões por infringir o Lacey Act em 2013 por suas exportações ilegais de madeira e ser monitorada de perto pelas agências americanas desde então, a LL Flooring continuou a se abastecer de madeira da empresa, assim como outros grandes varejistas.

O acordo

A cidade de União da Vitória, no Paraná, estava movimentada em setembro de 2016. Era véspera das eleições municipais do mês seguinte, e os comícios em todo o país atraíam multidões diariamente. Enquanto os candidatos procuravam cortejar os eleitores, os documentos judiciais vistos pela Mongabay e Earthsight mostram que a Indusparquet também estava ocupada.

“Já combinamo[s] com ele, entendeu? … Com ele tudo certo p[a]ra serra[r a madeira], só p[a]ra você ajeita[r] aí [arranjar as toras de bracatinga]. Daí depois … a gente fala com você p[a]ra ajeita[r] as coisa[s] p[a]ra você também [comissão]”. A voz foi identificada pelas autoridades como Baggio, co-fundador da Indusparquet, em conversas telefônicas grampeadas que se tornaram alvo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná. A promotora de Justiça Juliana Mitsue Botomé acusa Baggio de pagar propina a André Luis Aleixo, então chefe do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em União da Vitória, em troca do acesso a 250 metros cúbicos de bracatinga através de Luiz Roberto Granatyr, proprietário de uma serraria na cidade.

“Não há dúvida de que o réu André Luis Aleixo se valeu do cargo público e auxiliou a empresa Indusparquet na aquisição de madeira bracatinga e nos trâmites burocráticos perante o órgão ambiental, em troca de vantagem indevida (“comissão”)”, Botomé escreveu na ação.

Essas conversas só vieram à tona porque os promotores de Justiça do município vizinho de Guarapuava solicitaram ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) a coleta de provas de irregularidades de funcionários públicos no licenciamento de processos ambientais no Paraná. As escutas coletadas pelos investigadores entre 26 de setembro e 8 de novembro de 2016 revelam em detalhes como funcionou o suposto esquema de propina.

Alessandro Faria, gerente da Masterpiso, subsidiária da Indusparquet no Paraná, foi o primeiro ponto de contato com Aleixo, descrevendo Baggio como “meio desesperado” para cumprir um pedido de bracatinga para um cliente dos Estados Unidos em uma chamada em 26 de setembro. Faria explicou que a madeira serrada seria transportada para as instalações da Indusparquet, onde seria convertida em piso para exportação.

“Você já conseguiu fazer lâmina de bracatinga?”Aleixo pergunta a Granatyr, que parece estar na mesma sala e confirma. “E você consegue volta[r] a fazer se nós precisa[rmos]?”, Aleixo pergunta e Granatyr confirma novamente. Aleixo diz a Faria que Granatyr cobra R$ 700 reais por metro cúbico. “Na realidade eu ia deixa[r[ em 700 [reais] p[a]ra v[er] se ele [Baggio] me pagava uma comissãozinha, né? (risos)”,  Aleixo diz. Faria sugere então que Aleixo envie uma cotação de R$ 750 a R$ 800 reais para que sua comissão possa ser garantida. “Lógico, tem que pedi[r], passe uns 750, 800 p[a]r[a] o Zé Antônio [Baggio]… Daí já pega uma comissãozinha pra você”.

Aleixo diz a Granatyr e a Faria que ajudará a financiar a serraria da Granatyr e a trabalhar como seu parceiro. “Daí eu entro com você, eu te ajudo a financia[r] a empresa e viramo[s] sócio na lâmina [de bracatinga]”, ele diz a Faria. “Ahá… Então beleza, meu amigo. Eu aqui achei um cara que é importante, um cara, veja que Deus faz as coisa[s] certinha trouxe o cara na minha porta aqui”.

Com as diretrizes gerais definidas, Faria diz a Aleixo que Baggio assumiria a liderança das negociações. Dezoito minutos depois, Baggio liga para o celular de Aleixo, que o cumprimenta como “meu amigo”.

Desmatamento e incêndio em florestas do Paraná. Imagem cortesia © Christian Braga / Greenpeace.

“Ele tem madeira tudo certinho, ele falou… daí eu pedi p[a]ra ele fala[r] com você”, Baggio diz a Aleixo. “Já combinamo[s] com ele, entendeu? … Com ele tudo certo p[a]ra serra[r a madeira], só p[a]ra você ajeita[r] aí [arranjar as toras de bracatinga]. Daí depois … a gente fala com você p[a]ra ajeita[r] as coisa[s] p[a]ra você também [comissão]”.

Dois dias depois, Aleixo diz a Baggio que ajudará Granatyr a encontrar produtores locais de bracatinga: “Me faz ganha[r] comissão nessa”. Baggio responde: “Isso claro, com certeza”.

Baggio foi gravado em conversas diretas com Aleixo duas vezes e seu nome é mencionado em conversas separadas entre Aleixo e Granatyr, que se tornou o principal ponto de contato de Baggio durante as negociações.

As negociações avançaram durante todo o mês de outubro, com Granatyr indicando que Baggio estava interessado em fechar o negócio o mais rápido possível. Novas pessoas foram acrescentadas ao esquema. Alexandre Freiberger Puzyna, que atuou como intermediário no acordo a pedido de Aleixo, comprou e transportou Bracatinga de um produtor rural para a serraria de Granatyr, mostram os documentos judiciais.

“Vamos fazer o seguinte: mesmo que você ache o cara que tem a autorização vamos passar p[a]r[a] o Puzyna lá. Eu prefiro que cada um cuide de uma linha”, Aleixo diz a Granatyr em uma ligação no dia 28 de setembro.

O termo “comissão” aparece em vários trechos das comunicações interceptadas. Em 26 de setembro, ao discutir o preço da madeira com Faria, Aleixo pergunta se ele seria pago por seu serviço:

– André: Na realidade eu ia deixa[r] em 700 [reais] p[a]ra v[er] se ele me pagava uma comissãozinha, né? (risos).

– Faria: Não, mais lógico, tem que pedi[r], passe uns 750, 800, p[a]ro Zé Antônio [Baggio] daí.

– André: Hum, hum.

– Sandro: Daí já pega uma comissãozinha pra você.

Em uma escuta de 28 de setembro, Baggio também foi gravado sugerindo que Aleixo se torne seu representante em troca de uma “comissão”. “Já mande a propostinha da minha comissão também (risos)”, Aleixo diz na ligação. Baggio responde, “Isso com certeza, claro, claro, não, isso é lógico. Você pode fica[r como] nosso comprador na região porque eu [es]to[u] na expectativa [de] que vai vende[r] bem isso daí, entendeu?”.

Com seu papel no esquema aparentemente garantido, no dia 25 de outubro Aleixo pediu a seus colegas do IAP em Curitiba que agilizassem a emissão de licenças para a serraria Granatyr através do sistema do Ibama. As permissões foram emitidas em novembro de 2016.

As escutas telefônicas mostram que Aleixo usou seu escritório do IAP em várias ocasiões como ponto de encontro para negociações com Puzyna e Granatyr durante o horário de trabalho. Ele também ajudou Granatyr a encontrar fornecedores de bracatinga e facilitou os trâmites para um caminhão que transportava a madeira sem a documentação adequada.

À medida que os preparativos para o acordo avançavam, Baggio continuava a aplicar pressão ao grupo. “ele precisa porque o material que ele tem lá não é suficiente p[a]ra ele fazer o que ele combinou com os cara[s] e ele [está] preocupado, porque o processo é demorado, né?”,  disse Granatyr a Aleixo em 8 de novembro, de acordo com uma das escutas.

Essa foi uma das últimas conversas interceptadas pelo Gaeco, que estavam encerrando sua investigação sobre crimes ambientais na região. Apesar da falta de detalhes sobre como o negócio foi concluído, recibos e licenças de transporte de madeira emitidos pelo fornecedor e empresas de transporte mostram que as toras chegaram à serraria de Granatyr no dia 2 de dezembro.

Entre dezembro de 2016 e março de 2017, cinco carregamentos da serraria de Granatyr chegaram à sede da Indusparquet em Tietê (SP), totalizando 35,64 metros cúbicos, segundo documentos do Ibama vistos pela Mongabay e Earthsight. Não há registro de nada sendo negociado entre essas duas empresas após esse período.

Indusparquet's headquarters
Sede da Indusparquet em Tietê, em São Paulo. Imagem cortesia da Earthsight.

No processo criminal e cível, Botomé acusou Aleixo de enriquecimento ilícito enquanto em cargo público e Baggio e Indusparquet porque “ofereceram comissão (propina)” a um funcionário público em troca de informações sobre fornecedores de madeira com as devidas licenças. Puzyna, Granatyr e a empresa de serraria Granatyr também foram acusadas por sua participação no esquema.

“No plano objetivo, restou plenamente comprovado que o réu André Luis Aleixo solicitou vantagem indevida (comissão), em razão da sua função de Chefe Regional do IAP e aceitou promessa de tal vantagem, e que o réu José Antonio Baggio ofereceu e prometeu vantagem indevida ao réu André Luis Aleixo (comissão), para que este lhe prestasse informações a respeito dos beneficiários de autorizações florestais e garantisse o fornecimento de madeira à empresa Indusparquet Indústria e Comércio de Madeiras Ltda.”, Botomé escreveu na ação.

Longa batalha judicial

Ao longo dos quatro anos desde que os processos foram ajuizados, houve retrocessos não apenas para arrolar testemunhas solicitadas pela defesa, mas também por réus que negaram o que foi registrado nas chamadas interceptadas, com alguns até mesmo mudando seus depoimentos anteriores.

A promotora Botomé refutou todos os argumentos dos réus e suas testemunhas, destacando não apenas o conteúdo das chamadas interceptadas, mas também documentos e depoimentos de testemunhas arroladas pela acusação.

Em 2017, Baggio alegou não se lembrar de ter falado com Granatyr e nunca ter ouvido falar de Aleixo. No entanto, em seu depoimento em 5 de novembro de 2021, ele admitiu ter ligado para Aleixo e ter pedido bracatinga, embora tenha afirmado ter cortado o contato com Aleixo alguns dias depois. Ele nega saber que Aleixo era um funcionário do IAP. “Eu que falei com ele, só que ele era um representante e um possível fornecedor de madeira… Nós sabendo muito bem disso, porque a gente mexe com Ibama há muito tempo, conhece muito a legislação. [E q]ue jamais um funcionário público pode fazer [isso]. Mas a gente ignorava que ele era um funcionário público”, disse ele.

A promotora, no entanto, duvida que Baggio teria ligado para Aleixo sem antes ter feito uma simples verificação de antecedentes, de acordo com a ação judicial.

Baggio também alegou que não sabia que Aleixo e Granatyr estavam trabalhando juntos e disse que negociou com Granatyr dois ou três meses antes de falar com Aleixo. Esse relato difere não apenas das conversas interceptadas, mas também dos Documentos de Origem Florestal (DOFs) e recibos que mostram que a bracatinga foi enviada da serraria de Granatyr para a Indusparquet de dezembro de 2016 a março de 2017.

“Ora, por qual motivo o réu José Antonio Baggio diria para Luiz Roberto Granatyr procurar o réu André Aleixo, se estava tudo combinado para que Luiz serrasse a madeira?”, Botomé escreveu na ação. “Obviamente porque o réu José Antonio Baggio tinha plena segurança de que o réu André Luis Aleixo possuía as ferramentas e conhecimentos necessários para facilitar a aquisição da madeira, o que somente se justificaria em razão do cargo público que exercia.”

Em seu depoimento, Aleixo negou ter solicitado comissão ou ter trabalhado como consultor para Granatyr. Ele argumentou que procurou a subsidiária da Indusparquet para obter mais detalhes sobre suas operações, pois estava considerando trabalhar no setor privado após deixar o IAP no início de 2017 — o que não foi gravado em nenhuma conversa. “Pela minha formação, eu sei qua[is] [são] as consquências por descumprir os princípios da administração pública”, disse Aleixo, que é advogado.

Ele também negou usar seu cargo público para facilitar a emissão de licenças para a serraria Granatyr, acrescentando que abandonou as negociações depois de perceber que Baggio estava exigindo uma enorme quantidade de madeira para ser entregue enquanto ainda estava no cargo.

Granatyr alegou que o negócio foi levado adiante sem a ajuda de Puzyna e Aleixo, ao contrário do que foi registrado pelas autoridades.

O depoimento de uma testemunha arrolada pela promotora mostrou que Puzyna e Aleixo estavam envolvidos na busca de bracatinga. Antonio Remi Iusviak, proprietário da fazenda de onde as toras foram obtidas, disse que Puzyna havia visitado sua propriedade junto com Granatyr.

Em sua defesa, a Indusparquet arrolou funcionários e três de seus fornecedores para testemunhar a favor de Baggio. As testemunhas tentaram convencer o juiz de que pedir uma “comissão” nas negociações de madeira é prática comum, assim como a informalidade entre Baggio e fornecedores, bem como que a empresa não tinha conhecimento de que Aleixo era o chefe do IAP na época.

Há nuances curiosas nas quatro horas de audiências de vídeo vistas pela Mongabay e Earthsight. Os três fornecedores, por exemplo, todos repetiram a mesma narrativa, na mesma ordem, o que pode ser uma indicação de que podem ter sido treinados pela Indusparquet para desacreditar as alegações de corrupção.

Baggio, prosecutor Botomé, Aleixo, and judge Emerson.
Depoimento de Jose Antonio Baggio, sócio da Indusparquet. Na foto, em sentido horário: Baggio, a promotora Juliana Mitsue Botomé, André Luis Aleixo e o juiz criminal Emerson Luciano Prado Spak. Imagem cortesia da Justiça do Estado do Paraná.

Decisão judicial controvesa

Um veredito sobre os casos foi finalmente emitido no início deste ano. As sentenças dos juízes de primeira instância, tanto no processo criminal quanto no cível, absolveram os réus alegando prescrição dos crimes. As decisões também consideraram os pagamentos a Aleixo um assunto privado que não estava relacionado à sua posição como funcionário público.

O Brasil alterou a lei de impropriedade administrativa em outubro de 2021, aumentando o prazo de prescrição para ajuizar a ação de cinco para oito anos, mas estabeleceu que o julgamento deve ocorrer em 4 anos, sob pena de prescrição. As principais testemunhas no caso contra a Indusparquet não puderam ser encontradas por mais de dois anos, o que colaborou para que o processo avançasse para além dos quatro anos previstos na nova lei.

Durante seu depoimento perante o juiz criminal Emerson Luciano Prado Spak, Baggio disse que pretendia abrir uma fábrica em Irati, no Paraná, e perguntou ao juiz: “Parece que é a terra do doutor, não é isso? O juiz concordou com a cabeça e com a mão. Spak concluiu a audiência parabenizando Baggio.

Spak não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay e da Earthsight.

Em 3 de fevereiro, Spak decidiu que as escutas “demonstram de forma mais que do suficiente” que André participou ativamente desde a extração da madeira … até ela ser transportada para a serraria de Luiz Granaytr”. Os fatos, disse ele em suas observações finais, mostram que a comissão “foi ajustada em razão da venda da madeira”, não pela prática de um ato ligado à posição de Aleixo no IAP.

A promotora recorreu da decisão da Spak, mas ela foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que alegou falta de provas para provar um nexo causal entre a vantagem oferecida a Aleixo e as informações privilegiadas que ele passou para Baggio. O Ministério Público na segunda instância apresentou embargos de declaração em agosto. Em julho, Botomé também recorreu da sentença da ação civil pública que absolveu todos os réus.

Em resposta enviada por e-mail à Mongabay e Earthsight, a Indusparquet disse que as acusações criminais foram rejeitadas, argumentando que as gravações telefônicas usadas nas ações “simplesmente confirmam uma negociação regular, com linguagem e tom corriqueiros, em que preços, medidas e comissões de vendas são discutidos”. A empresa acrescentou que Aleixo não se identificou como funcionário público e que Baggio e Faria só tomaram conhecimento de seu cargo posteriormente. A empresa chamou de insinuações “ridículas e absurdas” os questionamentos enviados sobre as informações sobre o fato de Baggio ter dito que abriria uma fábrica na cidade natal do juiz e a posterior decisão do juiz de encerrar o caso.

Em uma declaração por e-mail, Aleixo negou as acusações, chamando de “infundadas” as alegações da promotora, acrescentando que ele foi absolvido na primeira e segunda instâncias na ação penal e a ação de improbidade administrativa foi arquivada, com recurso do Ministério Público Estadual.

Em uma resposta enviada por e-mail, Puzyna também negou as acusações. “Nunca houve qualquer compra ou negociação de compra realizada por mim, muito menos o transporte de madeira de um produtor rural até a serraria de Luiz Roberto Granatyr”, disse ele, acrescentando que a ação penal é infundada e foi “julgada totalmente improcedente” pela justiça na primeira e segunda instâncias.

Granatyr e o IAP não responderam aos pedidos de resposta.

Deforestation in Parana
Casos no Paraná. Imagem cortesia de Flávio Reis / Earthsight

Esquema de suborno orquestrado para manipular o sistema

Em outro caso que espelha o modelo utilizado no Paraná, um suposto esquema de suborno foi descoberto envolvendo a Indusparquet, um funcionário do Ibama, e seis empresas madeireiras na cidade de Bauru, em São Paulo. De acordo com os processos judiciais, relatórios policiais e e-mails interceptados, o esquema visava manipular o sistema de rastreamento de madeira do Ibama em benefício da empresa.

O sistema Sisdof/Sinaflor do Ibama é utilizado para monitorar o comércio e a exploração madeireira em todo o país, alocando créditos virtuais aos concessionários florestais para permitir a verificação das espécies e do volume de madeira autorizada a ser cortada.

Os investigadores encontraram 988 entradas no sistema Sisdof/Sinaflor beneficiando a Indusparquet e as outras empresas madeireiras entre 2014 e 2016. Desse total, 106 registros foram “diretamente relacionados” a e-mails mencionando o pagamento de propinas, de acordo com um relatório do Ibama de 2017 contido na ação judicial movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em Bauru. Uma análise mais detalhada revelou “inconsistências” em 37 casos (42%)  porque a coordenada geográfica não corresponde ao endereço da empresa ou porque as imagens disponíveis nos registros mostram uma estrutura incompatível com empreendimento madeireiro,como residência, por exemplo.

Diagrama em um documento da Polícia Federal , reproduzido na ação civil pública do Ministério Público Federal, mostra o comércio de madeira entre a Indusparquet e as outras empresas mencionadas na ação, de 2014 a 2016. Imagem cortesia da Polícia Federal/Ministério Público Federal em São Paulo.

Os documentos judiciais mostram que o analista do Ibama Markus Otto Zerza estava no centro dessas manipulações. Zerza foi supostamente pago por Alberto Antonio Cezar, que trabalhava simultaneamente no departamento de compras da Indusparquet e como intermediário na resolução rápida de questões burocráticas e operacionais para empresas madeireiras.

Por lei, cada transação de madeira deve ser respaldada por um certificado de origem, conhecido por DOF. Enquanto Cezar se especializou em resolver “desbloqueios de DOF” para a venda de madeira, Zerza aprovava a liberação de madeira apreendida, autorizando estoques de madeira para vemda e fazendo “ajustes” nos créditos das empresas, inundando o banco de dados do Ibama com “dados falsos e indevidos”, mostram os registros judiciais.

A Indusparquet foi a maior beneficiária das supostas manipulações de Zerza. Enquanto a gigante do piso ainda esperava por novas licenças de operação, Zerza teria entrado com “licenças de conversão” no Sisdof/Sisflora em junho de 2014, outubro de 2014 e fevereiro de 2015, permitindo à empresa converter madeira serrada em outros produtos sem a necessidade de autorização prévia.

Essas conversões para a Indusparquet geraram benefício de R$ 154,37 milhões para a empresa através da conversão de 19.753 metros cúbicos de créditos de madeira, o MPF calcula.

“Esses crimes de corrupção são dificílimos de você detectar”, disse o procurador da República em Bauru, Pedro Antonio de Oliveira Machado, em uma entrevista por telefone com a Mongabay. “Se não tivesse essa quebra de sigilo de e-mails, o que eu consegui[ria] identificar era que ele tinha feito lançamentos indevidos no sistema, mas nunca que ele tinha recebido propina. A gente não ia conseguir descobrir isso”.

O primeiro e-mail interceptado reproduzido no processo é uma mensagem de Zerza para Cezar em 29 de março de 2014, revelando como os subornos foram pagos.

“V[ê] se anota esse endereço na sua agenda. V[o]c[ê] vai usar ele muito ainda. (risos),” Zerza escreveu de um de seus  e-mails pessoais.

O “endereço” eram os dados bancários de sua esposa, Marisa dos Santos Zerza. A Polícia Federal identificou cinco pequenas transferências bancárias de Cezar, totalizando R$ 2.900, para a conta da esposa de Zerza em 2014 e 2015. Quinze transferências maiores totalizando R$ 173.945 de fontes não identificadas também foram encontradas em sua conta entre 2014 e 2017, o que os investigadores disseram estar provavelmente ligadas ao esquema de suborno.

Essas novas revelações são o resultado de uma operação anterior ao comércio ilegal de madeira no país: a Operação Pátio, uma investigação conjunta realizada entre 2016 e 2018 pelo Ibama e a Polícia Federal que apreendeu a maior quantidade de “madeira ilegal da Amazônia” na história do estado de São Paulo na época. As centenas de páginas de registros da Polícia Federal atestando que Zerza manipulou o sistema de créditos Sisdof/Sinaflor foram geradas nessa operação.

Além da apreensão de mercadorias que, segundo o Ibama, não possuía as autorizações necessárias, a operação também revelou em maio de 2018 um suposto esquema de lavagem utilizado pela Indusparquet para ocultar 10.740 metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente entre seus estoques legais através de créditos de madeira adulterados. Acusada de práticas ilegais, a gigante do piso foi multada em R$ 995.762 e seu pátio principal na cidade de Tietê foi temporariamente proibido de comercializar madeira.

Como já foi denunciado anteriormente pela Mongabay e Earthsight, a maior multa da Indusparquet foi suspensa e sua madeira foi liberada sob circunstâncias alegadamente suspeitas em junho de 2019 em meio ao afrouxamento da aplicação das leis ambientais no país após a posse do presidente Jair Bolsonaro.

Deforestation in Sao Paulo
Casos em São Paulo. Imagem cortesia de Flávio Reis / Earthsight.

Fluxo de propina

Em março de 2021, Machado entrou com uma ação civil pública contra a Indusparquet e outras seis empresas envolvidas no esquema: Baurupisos, Thais Cristina Teixeira Brasil, Ulimax Esquadrias de Madeira, Indústria Madeireira Uliana, Demarchi & Co, e Faurtil Fábrica de Urnas Tietê (também chamada Jonacir Amorim). Ele também entrou com 15 processos criminais contra Cezar, Zerza e sua esposa, e outras 30 pessoas envolvidas no esquema.

A maior parte dos documentos judiciais, incluindo depoimentos dos principais participantes do esquema e trechos de e-mails interceptados, mostram que Zerza manipulou o sistema de créditos Sisdof/Sinaflor “de forma totalmente ilícita”, disse Machado.

“Os e-mails são claros. Ele pedia propina. Enfim. É muito claro… Está tudo documentado [nos] e-mails que ele trocava com as pessoas”.

As centenas de páginas de e-mails interceptados obtidas no âmbito da Operação Pátio vistas pela Mongabay e Earthsight também indicam um padrão consistente: Cezar enviava documentos a Zerza, pedindo-lhe que avançasse com o pedido de uma empresa, e Cezar cobrava a empresa pelo serviço.

Em um e-mail de 25 de agosto de 2014, Cezar encaminhou um pedido do departamento de contas da Ulimax para Zerza, onde Zerza menciona uma planilha descrita como “o pedido”, além de uma taxa de transferência acordada de R$ 2.200.

No mesmo mês, Zerza fez um “ajuste” nos créditos da Ulimax, eliminando 1.722 metros cúbicos de madeira de seus estoques, mostram os registros jurídicos. Dois meses depois, a Uliana teve duas cargas de madeira excluídas dos registros de seu pátio, totalizando 3.848 metros cúbicos de madeira.

Zerza também liberou estoques de madeira apreendidos para outras quatro empresas: 297 metros cúbicos de madeira no valor de R$ 575.510 para a Demarchi; Baurupisos lucrou com benefícios estimados em R$ 1,64 milhão, referentes a 253.8536 metros cúbicos de créditos de madeira adulterados; Faurtil recebeu 119.251 metros cúbicos de madeira liberados em fevereiro de 2014 e fevereiro de 2015 no valor de R$ 251.747; e para Thais Cristina Teixeira Brasil, em fevereiro de 2015 (sem valores especificados), mostram os documentos.

O relatório do Ibama mostra que o esquema continuou até 2017, de acordo com o MPF.

Fiscais do Ibama inspecionam as instalações da Indusparquet facility durante a Operação Pátio. Imagem cortesia do Ibama

Em 30 de janeiro de 2015, Cezar encaminhou um e-mail para Zerza com o assunto “Desbloqueio de pátio” (“Courtyard unblocking”). O corpo do e-mail estava em branco, mas tinha quatro imagens anexadas: três com informações sobre a empresa Thais Cristina Teixeira Brasil e uma contendo a primeira página de seu pedido para liberar os estoques de madeira.

As ações judiciais acusam os réus de corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e inserção de dados falsos no banco de dados do governo para tentar obter “benefícios indevidos”. Machado afirmou também que as ações dos réus “prejudicaram a governança pública ao atrapalhar a capacidade do órgão ambiental Ibama de fazer cumprir a lei”.

Para várias empresas, os investigadores apresentaram e-mails como prova de comissões pagas pelas ações de Zerza. Embora nenhuma das conversas interceptadas fornecesse provas de suborno contra a Indusparquet, o procurador citou outras evidências. De acordo com a lei anti-corrupção, a prova de que a administração da empresa sabia sobre o suposto esquema de suborno não é exigida para que a empresa seja legalmente responsável.

“Primeiro, quem praticou a corrupção foi o servidor do setor financeiro, não é qualquer servidor”, disse Machado. “Segundo, ele ofereceu propina [em nome de] empresas que tinham negócios com a Indusparquet, que beneficiam empresas que tinham negócios com a Indusparquet. Seja porque transferiram madeira para a Indusparquet, seja porque a Indusparquet transferiu madeira para elas”.

A terceira prova no caso foi a liberação imprópria de uma grande quantidade de madeira para a Indusparquet, acrescentou o procurador. “Embora não tenha um pedido, um ato de corrupção expresso, explícito para liberar madeira para a Indusparquet, houve uma liberação de uma quantidade enorme de madeira de forma indevida para a Indusparquet”, disse Machado à Mongabay. “E essa liberação indevida só foi constatada porque teve toda essa investigação, senão ia passar em alto. Então, uma situação como essa, a lei anticorrupção caracteriza como um ato ilícito e [a empresa] também sofre as sanções da lei anticorrupção”.

O processo também mostrou que Baurupisos, Uliana e Faurtil mantiveram “relações comerciais” com a Indusparquet. De fato, os processos judiciais do Ibama mostram 74 transações de 2014 a 2016 entre a Indusparquet e as outras empresas no processo, totalizando 1.245 metros cúbicos de madeira no valor de R$ 3.370.652.

Documentos judiciais também apontam outras evidências de que algumas empresas estão sob o guarda-chuva da Indusparquet: Ulimax e Uliana são de propriedade de membros da família Uliana, o nome de um dos proprietários da Indusparquet, Luiz Francisco “Kiko” Uliana. Uma empresa de nome semelhante com sede no estado do Paraná, Uliana Pisos e Portas, também afirma ser um distribuidor da Indusparquet. Há ainda um processo trabalhista de 2019 contra a Indusparquet, Uliana e Ulimax — o processo identifica Uliana e Ulimax como subsidiárias da Indusparquet.

Exceto Baurupisos e Tais Cristina Teixeira Brasil, todas as outras empresas mencionadas no processo têm sede em Tietê, incluindo a Indusparquet — Ulimax, Uliana e Faurtil têm endereços próximos e a Demarchi está sediada em uma parte diferente da cidade.

Confissões

Quando foi preso em maio de 2018, Zerza disse à polícia que usava a conta bancária de sua esposa para receber subornos para liberar madeira para Cezar. Ele também confessou ter manipulado o sistema Sisdof/Sisflora muito depois que seu acesso deveria ter sido revogado.

A esposa de Zerza disse à polícia federal que achava que o dinheiro transferido para sua conta bancária se referia ao trabalho de consultoria dele, uma alegação que não convenceu o procurador. “Ele está prestando assessoria numa área na qual ele é fiscal? Quer dizer ele é quem tem que fiscalizar e multar se tiver alguma irregularidade. E aí ele vai lá e presta assessoria p[a]ra [a] empresa e ainda cobra por isso. Quer dizer, é uma coisa totalmente incompatível,”, disse Machado à Mongabay. “E isso, p[a]ra mim, caracteriza claro crime de corrupção. Em relação à improbidade então… ele viola os deveres de lealdade com a administração. Um dos deveres que o servidor público tem é de lealdade com a administração pública”.

Em seu depoimento, Cezar negou o pagamento de propinas, alegando que havia depositado dinheiro na conta da esposa de Zerza para a compra de um telefone celular usado. “Quando confrontado com a mensagem encaminhada por Markus com dados bancários da esposa Marisa dos Santos Zerza, [Cezar] apresentou fantasiosa versão de que isso ocorreu porque pediu para Markus ver um celular usado na cidade de Bauru para comprar, mas o negócio não deu certo”, diz Machado nos autos.

Em setembro de 2021, a Indusparquet contestou nos autos, alegando que “não tem qualquer relação com os fatos narrados na inicial, não tendo oferecido em seu nome ou por meio de qualquer funcionário ou representante vantagem indevida, recebido vantagem de servidor público, muito menos causado danos ao patrimônio público, o que é requisito para o processamento da ação”, acrescentando que o processo MPF é baseado em uma “narrativa caótica”.

Outras provas vieram em maio de 2018, quando Cezar foi levado sob custódia e contatou o co-proprietário da Indusparquet, José Antonio Baggio, para saber se a empresa nomearia um advogado defendê-lo, de acordo com um relatório da Polícia Federal.

Photo of Markus Otto Zerza and wife Marisa
Foto de Markus Otto Zerza e sua esposa Marisa em um arquivo da Polícia Federal obtido pela Mongabay e Earthsight. Imagem cortesia da Polícia Federal / Ministério Público Federal em São Paulo.

Em uma declaração por e-mail, a Indusparquet negou as acusações e qualquer ligação entre a Operação Pátio e a ação judicial do Ministério Público Federal. A empresa alegou que o processo carecia de qualquer dano ambiental causado pela Indusparquet e envolvia “meras perguntas sobre informações administrativas fornecidas ao Ibama”, acrescentando que não tinha nenhum relacionamento ilegal com funcionários do Ibama.

Em uma resposta enviada por e-mail, a Uliana disse que estaria disponível para quaisquer esclarecimentos “in loco”, mas alegou que, como o processo não transitou em julgado, “qualquer notícia na mídia pode causar danos irreparáveis para a empresa e seus colaboradores”.

Em uma declaração por e-mail, Baurupisos forneceu uma resposta genérica, afirmando que não houve fatos novos fornecidos pela ação civil pública, que está sob “segredo de justiça”, ameaçando tomar medidas caso as informações fossem tornadas públicas. “Nos moldes da legislação em vigor, se houver qualquer publicação de informações acobertadas por segredo de justiça que de alguma forma seja prejudicial à imagem da empresa, seus representantes através de sua assessoria jurídica tomarão as devidas providências jurídicas no intuito de responsabilizar civil e criminalmente os idealizadores da divulgação em questão”.

Mongabay e Earthsight tiveram acesso à ação antes de a justiça decretar o sigilo dos autos.

Em uma resposta enviada por e-mail, Ulimax disse que não está “comprovado” que Zerza havia agido em nome da empresa ou que ela contratou os serviços de Zerza para cometer atos ilegais. “O único documento juntado foi um e-mail no qual é solicitada a baixa dos créditos de madeira da empresa no sistema do IBAMA. Anexo ao e-mail está um requerimento expedido pelo próprio Ibama para regularizar a situação. Não há, portanto, qualquer comprovação de que a Ulimax tenha contratado os serviços do Sr. Markus para que fossem praticados atos ilícitos que a beneficiasse de alguma forma”.

Entretanto, Ulimax não negou ter utilizado os serviços de Zerza. “A contratação do Sr. Markus se deu, apenas e tão somente, para auxiliar a empresa no ajuste do estoque mantido no sistema do Ibama. Esse procedimento não estava sendo possível devido a inconsistências do próprio sistema, o que foi reportado para o Ibama. A empresa requereu a intimação do setor responsável do Ibama para que apresente as documentações juntadas pela Ulimax para tentar sanar o problema”.

A Ulimax também classificou as penalidades requeridas pelo procurador de “infundadas” e questionou sua extensão, afirmando que se fossem calculadas corretamente de acordo com a legislação, “o valor da multa, se devido, cai consideravelmente”.

Em um e-mail, Cezar negou as acusações, alegando que foi “indevidamente” incluído na investigação e que algumas de suas mensagens com Zerza “foram interpretadas fora do seu contexto real”. “Terei a oportunidade de me defender e apresentar, diretamente para o juiz, as provas e documentos que demonstrarão que não tenho nada a ver com o esquema investigado”, escreveu Cezar, acrescentando que “nem eu, nem a empresa para a qual trabalhava, participaram desse suposto esquema”.

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Imagem cortesia da Earthsight.

Zerza e sua esposa acusaram o recebimento do pedido de resposta, mas não responderam dentro do prazo; as outras empresas mencionadas no caso não responderam aos pedidos de resposta.

Luta contra corrupção

O inquérito da Polícia Federal sobre o esquema de corrupção ainda está em andamento, pois envolveu centenas de empresas, segundo o MPF. A pilha de documentos cresce a cada 90 dias, disse Machado à Mongabay, quando atualizações sobre a investigação da polícia são enviadas ao seu escritório. Ele disse que analisou centenas de páginas de provas para apresentar o maior número possível de casos contra as empresas para as quais havia provas suficientes para acusá-las de corrupção. Ele conseguiu ajuizar 28 processos contra 42 empresas até julho deste ano, quando expirou o prazo para evitar a prescrição de cinco anos das ações cíveis.

Para as ações criminais, o prazo é muito mais longo: 20 anos. Machado disse à Mongabay que entrou com 15 processos criminais visando Zerza e sua esposa e 30 outros envolvidos no esquema. E outras estão a caminho, disse Machado, já que a Operação Pátio está agora sob a coordenação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF, coordenado por ele em São Paulo. “Ele negociava com todas as empresas. Com todas que ele tinha contato. Então, ele negociava com todas elas, recebendo propina de tudo quanto é lado”.

Machado explicou que, inicialmente, ajuizou as ações agregando todas as empresas que se beneficiaram dos atos de Cezar. Mas uma decisão de junho de 2021 do juiz federal Marcelo Freiberger Zandavali determinou a separação das ações por empresa.

“Essa separação vai ser ruim para a ação civil pública”, disse Machado à Mongabay. “ Por que? Porque existe um elo entre essas empresas. O elo é o empregado da própria Indusparquet. O elo é o fato de [e]ssas empresas terem negócios com a Indusparquet. Por isso, existe um motivo pelo qual eu deixei todas elas nessa mesma ação”.

Os processos eram públicos, mas desde então estão sob sigilo.

Embora Machado tenha dito que o Ibama tenha cooperado com as investigações, ele acrescentou que a agência segurou as provas de crime durante anos.

Apesar de sua confissão e das provas contra ele, Zerza continuou a trabalhar como funcionário do Ibama por quase três anos, até 4 de março de 2021, quando finalmente foi exonerado do cargo por decreto ministerial. O Ibama não respondeu aos pedidos de resposta.

Cezar ainda está trabalhando na sede da Indusparquet em Tietê, conforme consta em suas redes sociais.

Machado, porém, está confiante quanto às punições contra os réus, dadas as “provas robustas” de corrupção contra os acusados, que geram “penas altíssimas, tanto no criminal quanto nas ações civis da lei anticorrupção”.

Para crimes de corrupção, explicou Machado, a pena máxima para pessoas físicas é de 12 anos. As empresas podem receber multas de até um quinto do faturamento bruto e serem forçadas a pagar danos morais, patrimoniais e sociais, com valor equivalente ao valor da multa, no mínimo. Machado também solicitou a suspensão das atividades das empresas como o comércio de madeira e o uso do sistema de créditos do Ibama e dos pátios de madeira por pelo menos dois anos, bem como a proibição de receber subsídios ou empréstimos de órgãos públicos pelo período entre um e cinco anos.

“A lei quer evitar que os agentes públicos funcionem à base de receber vantagens ou de promessa de vantagens”, disse Machado. “Então, se entende que há uma gravidade muito grande quando isso acontece, tanto que as penas dos crimes de corrupção são penas altas”.

Laços políticos na Amazônia

Há dois anos, as autoridades apreenderam na região amazônica o maior volume de madeira ilegal da história do Brasil: 226.760 metros cúbicos, no valor de mais de US$ 25 milhões. A operação, batizada de Operação Handroanthus, foi realizada pela Polícia Federal e pelo Ibama no final de 2020. Um ano depois, o ministro do meio ambiente pediu demissão.

Como parte dessa investigação, descobrimos que a Indusparquet também estava envolvida nesse esquema fraudulento como compradora de madeira de duas fazendas onde foi apreendida madeira ilegal como parte da incursão.

Detentora de uma concessão no Pará, a MDP Transportes teve sua madeira apreendida. A empresa acionou a justiça para obter a liberação de suas mercadorias confiscadas, um movimento seguido por outras empresas. Inicialmente, a MDP obteve êxito, com um juiz autorizando a liberação da madeira em maio de 2021, mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a anulou um mês depois.

Entretanto, a Polícia Federal no Amazonas descobriu que os 31.500 metros cúbicos de toras apreendidas da MDP haviam desaparecido ou foram vendidas a empresas alvo da operação entre junho e agosto de 2021, quando as mercadorias estavam sob guarda do Exército — que colaborou na Operação Handroanthus —  de acordo com documentos obtidos pela revista Carta Capital.

A análise da Earthsight dos documentos oficiais vistos pela Mongabay revelou que a MDP vendeu 550 metros cúbicos de toras de jatobá naquele período para duas serrarias, Madeireira Moju e Madeireira Portes In. Comercio e Exportação Eirelli – EPP. Desse total, 44 metros cúbicos de Jatobá serrado entraram na cadeia de abastecimento da Indusparquet em outubro de 2021.

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Operação Handroanthus no Pará. Imagem cortesia de Flávio Reis / Earthsight.

A investigação também revelou que um dos fornecedores recebeu multas de quase US$ 200 mil entre 2015 e 2019 por inserir informações falsas em bancos de dados oficiais de madeira.

A outra fazenda que forneceu madeira para a Indusparquet é a Francine II, que respondeu por 41.202 metros cúbicos, ou 18%, do total de madeira ilegal apreendida na operação.

Uma análise dos documentos de transporte de madeira mostra que a Francine vendeu 200 metros cúbicos de cumaru para a serraria RSK, localizada perto de Belém. Entre junho e agosto de 2021, a RSK vendeu 110 metros cúbicos de cumaru serrado através de 11 transações enviadas para a Indusparquet em São Paulo.

Assim como a Francine, a RSK também foi anteriormente implicada em ações indevidas. Entre 2015 e 2018, a madeireira foi multada 12 vezes — cerca de R$ 1,59 milhão — por diversas infrações: falta de documentos necessários para comprovar a origem legal de sua madeira; ausência das devidas autorizações para armazenamento de madeira; inserção de informações falsas nos bancos de dados oficiais de rastreamento de madeira do Pará; discrepâncias no volume de créditos de madeira (quantidade de madeira que a empresa está legalmente autorizada a vender) e nos volumes das licenças de corte, entre outras.

Apesar de tudo isso, a RSK é o maior fornecedor da Indusparquet no Pará: vendeu mais de 3.100 metros cúbicos para a empresa entre 2018 e 2021 — últimos dados disponíveis — ou cerca de 20% da madeira que a empresa comprou de seus 81 fornecedores no estado, de acordo com a análise da Earthsight dos documentos de transporte de madeira.

Indusparquet's website
Reprodução do site da Indusparquet do anúncio de seu piso de cerejeira brasileira.

Conexões políticas

Na fazenda Francine II, as autoridades apreenderam mais madeira ilegal do que em qualquer outro local da Operação Handroanthus, de acordo com uma carta enviada ao STF pelo ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, que foi o mentor da operação. Acompanhado por um grupo de políticos locais, Ricardo Salles, o controverso ex-ministro do meio ambiente, visitou a fazenda Francine II enquanto estava no cargo para fazer lobby para que a madeira fosse liberada.

“Verificamos o sistema de rastreamento das árvores. Etiquetas nas toras indicam [o] local exato de onde vieram”, Salles publicou no Twitter no dia 31 de março. “Andamos na mata para conferir. Os dados bateram certinho. Agora faremos a confirmação pelo teste comparativo do DNA das amostras”.

“Há gente séria fazendo o trabalho direito. Não é correto demonizar todo o setor madeireiro. É preciso identificar os criminosos e puni-los duramente, mas sem generalizar”, disse Salles em outra publicação no Instagram no mesmo dia.

Uma semana depois, Salles voltou para o Pará. Suas viagens a Francine II ocorreram depois de duas reuniões em março com um grupo de empresários — proprietários de terras no Pará e madeireiro — e políticos fazendo lobby para que a madeira fosse liberada em seu gabinete em Brasília. Um deles foi Rafael Dacroce, neto de Walter Dacroce, proprietário da Francine II.

Quando questionado por repórteres sobre a reunião, Dacroce disse que Salles havia prometido examinar seu caso e pediria ao chefe do Ibama e a outros políticos que fizessem o mesmo. “Ele quis entender, mas em momento nenhum ele fez um pré-julgamento de olha, ah, vocês estão certos, vamos liberar a madeira amanhã”, disse ele.

Após a visita de Salles à Francine II, Dacroce publicou no Instagram seu entusiasmo sobre a visita oficial. “Ontem tivemos a grata satisfação de recebermos em Santarém o Ministro do Meio Ambiente, Sr. Ministro Ricardo Salles, juntamente com outras autoridades para fiscalizarem a legalidade da extração de madeiras no Estado do Pará, oriundas de Projetos de Manejos Sustentáveis! Esse é o Brasil que queremos”.

Ricardo Salles durante o seu mandato como ministro do meio ambiente. Imagem: reprodução do Ministério do Meio Ambiente.

Salles teria chegado em um helicóptero do Ibama em uma das fazendas da Dacroce utilizadas para a extração ilegal de pelo menos 43.000 toras, de acordo com a revista ISTOÉ.

Em uma carta (notícia-crime) enviada ao STF, Saraiva destacou as provas de ilegalidade coletadas pela operação, acusando Salles de desacreditar as investigações policiais e agir como defensor dos madeireiros. Saraiva foi demitido do cargo de superintendente no dia seguinte.

Mais tarde naquele mesmo mês, Salles disse ter sido pressionado por vários políticos a agir para liberar os registros apreendidos, de acordo com uma entrevista à rádio CBN.

Em maio de 2021, juízes do Pará e do Amazonas responderam ao pedido da empresa madeireira, decidindo que as toras apreendidas deveriam ser liberadas. Salles orgulhosamente publicou no Twitter sobre a decisão do juiz do Amazonas: “Vejam, era mentira que ninguém tinha aparecido como dono da madeira e que não havia procurado a Justiça. Essa sentença de hoje desmente isso”. A decisão do juiz do Pará foi emitida na mesma semana em que Salles fez outra viagem ao Pará, desta vez para supervisionar o Ibama e as operações policiais.

Mas uma decisão da ministra Carmen Lúcia do Supremo Tribunal Federal suspendeu ambas as decisões em junho. Mais tarde naquele mês, a conduta do juiz federal Antonio Campelo, autor da sentença do Pará, começou a ser investigada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Campelo foi afastado de seu cargo em dezembro, após a investigação mostrar que ele não agiu de forma imparcial e precisa ao decidir sobre o caso durante suas férias, violando o código de conduta do Judiciário.

Em junho de 2021, Salles foi demitido “a pedido“, após ser citado em uma investigação criminal sobre supostas exportações ilegais de madeira, especialmente do Pará. Representantes do mesmo grupo de lobby madeireiro que havia se aproximado de Salles durante a Operação Handroanthus também foram citados nesse mesmo processo.

Apesar de toda a atividade relacionada às tentativas anteriores de liberar a madeira apreendida na sequência da operação, em janeiro de 2022 o advogado Frederick Wassef conseguiu liberar parte da madeira apreendida da MDP Transportes, uma das empresas cujas toras haviam sido apreendidas. Wassef é também advogado do presidente Jair Bolsonaro.

A procuradora da República Raquel Branquinho criticou a decisão de liberar a madeira, alegando que ela só deveria ter sido tomada uma vez que “desde que cumpridas essas cautelas da devida identificação da madeira, isso porque, a questão da ‘legalização’ ou não desses bens é, justamente, o objeto da investigação”.

‘Grilagem grotesca’

Com mais de 600 hectares de floresta densa no município de Santarém, a fazenda Francine II possui mais de 20 espécies de árvores tropicais, incluindo ipê, jatobá, angelim, cumaru, tauari — todas altamente cobiçadas pela indústria madeireira e algumas em risco de extinção — de acordo com sua autorização para exploração florestal (AUTEFs) vista pela Mongabay e Earthsight.

Além das alegações de exploração madeireira ilegal, Saraiva também acusou os donos de Francine II de grilagem de terras. “Uma grilagem de terras grotesca, grotesca”, disse Saraiva à Mongabay e à Earthsight em uma entrevista em vídeo. Ele se referiu ao meio pelo qual a família Dacroce, apelidada de “grileiro profissional” pela revista ISTOÉ, havia adquirido a propriedade de várias propriedades no Pará.

A carta de Saraiva ao Supremo Tribunal Federal também contestou a legalidade da licença de exploração madeireira da fazenda, descrevendo várias falhas no plano de manejo florestal da Francine II. Uma delas é sua sobreposição com áreas protegidas conhecidas como Áreas de Preservação Permanente (APPs), disse Saraiva em uma sessão na Câmara dos Deputados em abril de 2021.

Em uma resposta enviada por e-mail, os proprietários da fazenda Francine II negaram as acusações, alegando que a generalização “do termo ilegal prejudica os produtores de madeiras”, acrescentando que tem em mãos toda a documentação que prova a legalidade da atividade. “Podemos afirmar e comprovar que as madeiras originadas da fazenda Francine II são legais. Sendo totalmente caluniosas e tendenciosamente difamatórias as afirmações de ilegalidade, sem a devida comprovação e o devido processo legal para apuração dos fatos”.

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Desmatamento e incêndio em florestas do Pará. Imagem cortesia © Greenpeace.

Eles também disseram que nunca foram notificados sobre a apreensão de madeira da fazenda pelo Ibama na operação e negaram que Salles esteve na Francine II. “Ricardo Salles nunca esteve no pátio da fazenda Francine II. A visita aconteceu no pátio central em um porto de embarque das madeiras, onde havia madeiras de diversos proprietários, não havendo ilegalidade alguma nisso”.

A MDP Transportes, RSK, Madeireira Moju e Madeireira Portes não responderam aos pedidos de resposta feitos pela Mongabay e Earthsight. A Indusparquet não respondeu especificamente às acusações desse trecho da investigação.

Indígenas isolados em risco

Em outro caso de aparente ilegalidade ligada à Indusparquet que descobrimos, a empresa adquiriu madeira supostamente extraída ilegalmente de uma Terra Indígena (TI) no meio da floresta Amazônica.

Entre janeiro e fevereiro de 2017, a gigante do piso comprou 137,69 metros cúbicos de três espécies diferentes de madeira da Terra Indígena Ituna-Itatá no Pará, de acordo com uma análise feita pela Earthsight dos documentos oficiais de comércio de madeira emitidos pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas).

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Imagem captura de imagens de vídeo do Greenpeace mostrando o desmatamento na Terra Indígena Ituna-Itatá. Imagem cortesia © Greenpeace.

Cobrindo 142.000 hectares nos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, Ituna-Itatá abriga grupos indígenas sem contato, incluindo o povo Asurini. O Brasil abriga o maior número de grupos indígenas isolados do mundo, que são consideradas as pessoas mais vulneráveis do planeta.

A Indusparquet comprou cumaru, ipê e jatobá — toras de grande valor no mercado madeireiro — originárias da Fazenda Morro Alto, uma propriedade de 3.829 hectares (9.461 acres) que se sobrepõe à reserva indígena, respondendo por 2,6% de sua área, mostram documentos.

A Earthsight identificou três carregamentos, com 96,67 metros cúbicos de cumaru e ipê da Fazenda Morro Alto, que foram vendidos à Indusparquet pela serraria MadBrasil Eireli EPP; e 40,94 metros cúbicos de jatobá que foram comprados pela Canoer Indústria e Comércio Importação e Exportação Eireli EPP. As duas madeireiras estão localizadas em Anapu, cidade onde a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada em 2005, não muito longe de Ituna-Itatá.

É ilegal extrair madeira e construir uma fazenda dentro de uma terra indígena sob a lei brasileira, que protege — ou deveria proteger — a área da ação de forasteiros. Então, como a fazenda Morro Alto pôde ser construída dentro da reserva?

A história remonta há uma década, quando o governo federal deu o sinal verde para a construção da controversa hidrelétrica de Belo Monte — um dos maiores projetos de infra-estrutura do planeta — no Pará, despertando a indignação de ambientalistas e celebridades do mundo inteiro.

Em meio a uma batalha judicial para deter a construção de Belo Monte, em 2011 o governo federal criou a Terra Indígena Ituna-Itatá, após estudos avaliarem o impacto da barragem e da existência de provas de grupos não contatados na área.

Um documento da Fundação Nacional do Índio (Funai) de setembro de 2009 reconheceu a presença do povo isolado Asurini desde os anos 1970. Outro documento da Funai de julho de 2009 também trouxe evidências da presença de povos indígenas no norte da Terra Indígena Koatinemo, que faz fronteira com Ituna-Itatá; rastros deixados pelo grupo foram detectados dentro e fora de seus limites e na cabeceira do Rio Ituna.

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Pote de um grupo indígena isolado dentro da Terra Indígena Ituna-Itatá, em agosto de 2021. Imagem cortesia da Funai via Survival International.

A aquisição da Morro Alto por Evandro Carlos de Oliveira e Wilson Paulo da Mota foi acordada apenas um mês após o último relatório da Funai, em outubro de 2009. De Oliveira e Da Mota também haviam reivindicado anteriormente a posse de duas outras propriedades dentro de Ituna-Itatá: as fazendas Sossego e Serra Dourada, com 6.431 hectares; Morro Alto fica entre elas.

Para começar a extração de madeira na Morro Alto, eles tiveram que passar por um longo processo para obter licenças de extração de madeira da Semas. Mas documentos mostram que eles solicitaram essas licenças meses antes de obter o título de propriedade da fazenda e até contrataram um agrônomo para realizar uma análise de georreferenciamento para ser juntada ao processo que estava em andamento. A licença foi emitida pela Semas em agosto de 2016, declarando que “não havia sobreposição da área com nenhum território indígena”, ignorando a decisão da Funai que havia negado o acesso a forasteiros desde 2011. A exploração madeireira começou logo depois, mostram os documentos.

Em fevereiro de 2017, enquanto a Indusparquet comprava madeira da Morro Alto, a Funai enviou uma carta à Semas exigindo que todas as licenças de extração de madeira dentro da reserva fossem suspensas, um pedido que foi imediatamente atendido pelas autoridades locais.

Alguns meses depois, o Ibama multou a serraria MadBrasil em R$ 673.000 por fornecer informações falsas sobre centenas de metros cúbicos de madeira em seu sistema de rastreamento. Duas dessas multas foram emitidas em abril e maio de 2017, um período próximo ao da venda de madeira para a Indusparquet, mas não está claro se essa multa se refere a essas remessas.

Não há provas de que madeira da Morro Alto tenha sido vendida para a gigante do piso desde 2017. Entretanto, a MadBrasil é o quinto maior fornecedor da Indusparquet no Pará (de 81 fornecedores), tendo vendido 587 metros cúbicos de madeira para a empresa entre 2016 e 2021, mostram documentos.

Em 2020, MadBrasil e Canoer foram multados novamente, desta vez em R$ 1,72 milhão por falta de licenças e por ocultarem a verdadeira origem da madeira em bancos de dados oficiais.

Os registros judiciais também revelam que os proprietários da Morro Alto foram multados em US$ 2,76 milhões em 2021 pelo Ibama por vários crimes ambientais. Uma das violações foi o desmatamento de quase mil hectares de floresta nativa na Terra Ituna-Itatá em março de 2021, em uma área não coberta por sua licença, violando as restrições de acesso a uma área onde vivem grupos indígenas isolados. Registros também mostram que 388,98 hectares dentro de Morro Alto foram embargados pela justiça.

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Casos na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará. Imagem cortesia de Flávio Reis / Earthsight

Embora a licença para construir Belo Monte só devesse ser aprovada após a demarcação de todas as terras indígenas afetadas pela represa, Ituna-Itatá ainda não recebeu oficialmente o status de proteção. “E as medidas de proteção que eram p[a]ra vir dos componentes de compensação ambiental nunca saíram do papel”, Ricardo Abad, analista de geoprocessamento do Instituto  Socioambiental (ISA) disse à Mongabay e à Eartsight em uma entrevista de vídeo. “As indenizações, a construção das bases de vigilância, que eram p[a]ra instalar, muitas delas não se concretizaram. A maioria foi quase como o pagamento de uma esmola p[a]ra algumas etnias que estão ali. Mas ações estruturais de desintrusão das áreas e promoção de vigilância e proteção territorial, não foram cumpridas”.

Mas a proteção total da área deve ser assegurada independentemente dessa etapa burocrática, dizem os grupos de direitos humanos. “A Constituição é clara. A partir do momento que a terra é reconhecida como terra indígena tradicional com base nos estudos da Funai, todos os títulos [privados] sobre ela são considerados nulos”, Cerqueira de Oliveira, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), disse à Earthsight em maio deste ano.

Duzentos e vinte e três pessoas, incluindo De Oliveira e Da Mota, utilizaram o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro obrigatório mas autodeclaratório para propriedades rurais, para reivindicar seus direitos fundiários sobre a Ituna-Itatá, de acordo com um relatório do Greenpeace que estima que quase 94% da reserva indígena já tenha sido reivindicada como terra privada.

Cerca de 22.000 hectares das florestas da Ituna-Itatá foram explorados desde 2011, ou 15% de sua área, de acordo com um relatório de janeiro do Coordenador das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA)  e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI). A análise de imagens de satélite da Earthsight também encontrou mais de 700 hectares desmatados dentro da Morro Alto desde 2017, levantando suspeitas se madeira extraída ilegalmente do local havia sido vendida para o mercado nacional e internacional.

A análise de imagens de satélite pelo ISA também detectou em março de 2019 que uma estrada foi construída ilegalmente no sul do território da Ituna-Itatá, onde se acredita que grupos indígenas isolados estariam localizados. Estimativas no relatório da COICA/OPI sugerem que 289 quilômetros de estradas foram abertas dentro da reserva, dos quais 220 quilômetros foram construídos em 2019. Linhas de energia elétricas e postes de iluminaçãopara novas casas também foram detectados na área em dezembro de 2021, segundo o ISA e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

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Hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu River, no Pará. Imagem cortesia de Bruno Batista / VPR (CC BY 2.0)

Abad diz que o ISA tem monitorado a região desde 2017 e fazia sobrevoos para detectar atividades ilegais na terra indígena. Mas ele diz que o ISA não tem mais sobrevoado a área porque o único piloto “mais ou menos confiável” com prestava serviços para  a instituição na área “estava envolvido com grilagem de terra dentro da TI Ituna-Itatá’.

Como outras áreas indígenas que não estão totalmente demarcadas, a Ituna-Itatá tem sido protegida por medidas temporárias que restringem o acesso de forasteiros por apenas seis meses. Esse período expiraria em agosto de 2022, mas a restrição foi prorrogada por mais três anos.

“Se os grileiros forem vitoriosos e conseguirem evitar a demarcação do território, será aberto um perigoso precedente capaz de promover o extermínio de mais de 100 grupos que vivem em isolamento em outras terras indígenas e sob a mesma condição no Brasil”, disse o Greenpeace em 2021.

Sem negar nossas constatações de irregularidades sobre os fornecedores do Pará, a Indusparquet declarou que tem políticas rigorosas para a seleção de fornecedores e coleta de documentos e que se dedica a aprimorar os mecanismos de avaliação de fornecedores. A empresa disse também que está implementando um departamento de conformidade para gerenciar e mapear riscos e que tem usando a ajuda de vários parceiros para fornecer avaliações de risco e melhorar a transparência.

Em uma declaração enviada por e-mail, a Semas informou que “mais de 260 CARs estão suspensos, cancelados ou em análise na Terra Indígena Ituna-Itatá” e que requereu ao Serviço Florestal Brasileiro, órgão gestor nacional do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) “modificações no sistema que impeçam a inscrição do CAR declarados por pessoas físicas em Territórios Indígenas”.

MadBrasil, Canoer, Oliveira e da Mota e não responderam aos pedidos de resposta.

Desmatamento na Terra Indígena Ituna-Itatá. Imagem cortesia de Hugo Loss / IBAMA.

Quem é o cliente dos Estados Unidos?

No caso do Paraná, a busca por bracatinga em União da Vitória foi provocada por um importador sediado nos Estados Unidos, disse Baggio durante sua audiência judicial em novembro de 2021. “A gente tinha feito alguns negócios de bracatinga, poucos negócios. Por solicitação de um cliente dos Estados Unidos, que gostou da madeira, nós fomos atrás [para]comprar mais bracatinga”.

Afinal, quem é esse cliente americano?

Encontramos evidências de que o comprador a quem Baggio se referia era a Floor & Decor, a maior cadeia varejista de pisos dos Estados Unidos, que esteve envolvida anteriormente em escândalos de madeira ilegal com a Indusparquet.

A análise dos registros de embarque pela Earthsight revela que a Floor & Decor vendeu pisos fabricados pela Indusparquet entre 2015 e 2019 e foi o maior cliente da empresa nos Estados Unidos no período.

Embora documentos judiciais mostrem que os réus no caso do Paraná acabaram por fornecer à Indusparquet apenas 35,64 metros cúbicos de bracatinga, bem abaixo do volume desejado de 250 metros cúbicos, novas pesquisas revelaram que o gigante do piso conseguiu obter uma quantidade maior de madeira para seu cliente.

A Earthsight também descobriu que Granatyr, o proprietário da serraria citado nos telefonemas grampeados, também comprou 10 metros cúbicos de bracatinga de um fornecedor de madeira que não foi citado no processo judicial. Em seu depoimento, Puzyna, que atuou como intermediário no negócio, afirmou que a bracatinga seria usada para produzir pisos de madeira.

A Indusparquet exportou 27.590 toneladas de pisos de madeira para os EUA entre janeiro de 2017 e agosto de 2022. Ao analisar dados de comércio exterior, a Earthsight descobriu que apenas poucas empresas americanas estavam importando pisos e produtos de madeira feitos de uma grande variedade de espécies produzidas pela Indusparquet nesse período.

Nenhuma das remessas de 2017 para a Floor & Decor ou qualquer uma das empresas americanas especificou as espécies. Também não há indicação de que a Floor & Decor tenha comprado diretamente madeira da Indusparquet e o nome do varejista desapareceu dos registros de embarque no final de 2019.

Floor & Decor's website
Reprodução do anúncio de “Bracatinga Merida” do site da Floor & Decor.

Com sede na Geórgia, Floor & Decor é um dos maiores varejistas especializados em pisos dos EUA, com vendas anuais de US$ 3,4 bilhões em 2021 e cerca de 90 lojas em todo o país. Até ser retirada dos registros de embarque, era também o maior cliente americano da Indusparquet, atrás apenas da subsidiária da Indusparquet em Miami, BRW Floors, que responde por mais da metade de seus produtos comercializados para os EUA.

No entanto, uma pista foi encontrada no site da empresa: um anúncio da “Bracatinga Merida“, um produto em sua linha de piso “Quest Exotic Hardwoods” — o mesmo produtoanalisado em um relatório da Earthsight de 2018 sobre as conexões entre Floor & Decor e Indusparquet. Pesquisas adicionais indicam que pode ser um dos dois únicos importadores americanos que listam especificamente um produto feito de bracatinga para venda em seu website.

Os registros de embarque expõem mais pistas: a Masterpiso — subsidiária da Indusparquet no Paraná — enviou 96 toneladas de piso de bracatinga para os EUA através de pelo menos quatro embarques para duas empresas de expedição de cargas. Embora o nome do consignatário final não tenha sido divulgado, a Earthsight descobriu que essas mesmas empresas de frete já haviam sido utilizadas como intermediárias pela Floor & Decor para suas importações brasileiras da Indusparquet.

Também foi encontrada a linha de pisos ”Bracatinga Merida” vendida exclusivamente pela Floor & Decor na descrição dos registros de embarque. Não havia nenhuma evidência de que a bracatinga processada pela serraria da Granatyr ou que Aleixo teria ajudado a fornecer estava entre os embarques recebidos pela Floor & Decor.

Embora os registros de embarque indiquem que a Floor & Decor parou de comprar produtos Indusparquet em novembro de 2019, o piso “Bracatinga Merida” continuou a ser anunciado no site da empresa até setembro de 2022, quando a Earthsight comprou uma caixa do produto, fabricado em 2019, no norte da Virgínia. Depois que a Monbagay e a Earthsight entraram em contato com a Floor & Decor para comentários, a página para esse produto desapareceu da página da empresa na internet.

Questionada especificamente pela Mongabay e Earthsight e a empresa é o cliente americano mencionado no processo judicial do Paraná, a Floor & Decor disse estar comprometida com as práticas de fornecimento responsável e que não adquiriu nenhum piso de fabricação brasileira da Indusparquet e suas afiliadas desde 2019. A empresa disse que sua última compra do produto “Bracatinga Merida” ocorreu em 2019, acrescentando que essa linha foi descontinuada desde então. A Floor & Decor disse que o produto agora não está disponível através de buscas em seu website, acrescentando que existe uma página residual do produto para ser encontrado em buscas na internet, que eles estão tentando resolver.

Made with Flourish

Outros compradores

Em abril de 2018, no mesmo mês em que a Indusparquet foi alvo das ações judiciais no Paraná e apenas um mês antes da Operação Pátio, as primeiras remessas da gigante do piso chegaram à arquirrival da Floor & Decor: Lumber Liquidators (agora LL Flooring), uma empresa que pagou a maior multa da história dos EUA (US$ 13 milhões) por comprar “sabidamente” madeira ilegal.

Apesar dos compromissos de conformidade assumidos em 2016 e de suas compras estarem supostamente vigiadas por auditores independentes e pelo Departamento de Justiça dos EUA, a LL Flooring começou a comprar da Indusparquet em abril de 2018, de acordo com a Earthsight.

Entre maio de 2018 e o final de seu período de fiscalização em outubro de 2020, a LL importou pelo menos 6,3 milhões de metros quadrados de piso Indusparquet, com um valor de varejo aproximado de US$ 6 milhões.

As compras do varejista de pisos fabricos da Masterpiso, subsidiária da Indusparquet no Paraná, continuaram até pelo menos outubro de 2021, essa investigação desvendou. As mercadorias incluíam produtos feitos com camadas superficiais de carvalho brasileiro (tauri) e cerejeira brasileira (jatobá), e vendidos sob os nomes da linha de produtos “Forest Hill”, “Esperanza”, “Bandera” e “Padre”.

Ao longo dos anos, apenas um dos quatro relatórios de auditoria exigidos pela investigação dos EUA foi disponibilizado ao público. Elaborado pelo escritório de advocacia Grant Thornton em maio de 2018, o documento não menciona o Brasil no período de janeiro de 2018 a maio de 2018.

A LL Flooring não respondeu aos pedidos de resposta.

Timber export to US
Imagem cortesia da Earthsight.

As exportações de piso da Indusparquet para os EUA chegaram a 6.234 toneladas — um aumento de 23% em relação a 2020 e 7% na comparação com 2019 — com um valor de varejo de cerca de US$ 50 milhões. Parte desse crescimento veio dos novos clientes da Indusparquet.

Em 2019, a empresa começou a vender para a Bison Innovative Products, com sede no Colorado, especializada em tacos para áreas externas. As mercadorias da empresa abrangem uma gama de espécies tropicais sul-americanas, incluindo ipê, cumaru, massaranduba e garapa. Os embarques até março de 2021 chegaram a 3.571 toneladas, de acordo com a análise da Earthsight.

Embora o nome Bison tenha desaparecido dos registros de embarque após esse período, um volume mensal quase igual foi vendido pela Indusparquet para os Estados Unidos até dezembro daquele ano para um comprador anônimo, com as mesmas descrições de mercadorias, e embarcado através do mesmo porto.

Em uma carta enviada por e-mail, a Bison apenas acusou o recebimento dos pedidos de resposta, dizendo que iria rever as informações fornecidas.

Em julho de 2019, a subsidiária americana BRW Floors da Indusparquet fechou um acordocom a empresa de pisos Fuzion, com sede em Dallas, para vender seus produtos em todo o Texas, Oklahoma, Louisiana, Arkansas, Mississippi e Tennessee ocidental, entre outros. Em 2021, a Indusparquet assinou um acordo de distribuição com a Galleher, um dos maiores fabricantes e distribuidores de pisos do país. Nem Fuzion nem Galleher responderam aos pedidos de respostas.

Além disso, a análise da Earthsight encontrou indícios de que a Indusparquet está fornecendo para a Menards, uma das três grandes lojas de materiais  de construção dos EUA, ao lado da Lowes e Home Depot. No site da Menards, há uma espécie tropical de piso de madeira maciça à venda com a marca BRW Floors, feita do que ela chama de “Pecan brasileiro”, o nome comercial americano comum para a espécie de árvore brasileira guaiuvira (Patagonula americana) que, como a bracatinga, cresce nos fragmentos remanescentes da Mata Atlântica.

A Earthsight comprou uma amostra desse produto em setembro, mas descobriu evidências de que ele foi fabricado no Paraguai, que também é coberto pela Mata Atlântica. Menards não respondeu ao pedido de resposta.

Fora de controle

Ao longo de vários anos, uma ampla gama de relatórios tem levantado bandeiras vermelhas sobre sistemas de controle do Brasil, com alertas de que não se pode confiar na comprovação da legalidade da madeira, considerando a escala da fraude no setor.

Em 2008, foi revelado que o banco de dados do IBAMA foi invadido por empresas madeireiras, que adulteraram informações que lhes permitiram lavar 1,7 milhões de metros cúbicos de toras ilegais no Pará, provavelmente o maior caso isolado de madeira ilegal da história.

Em 2014 e 2015, as fraudes sistemáticas dentro dos sistemas de rastreamento e garantia de legalidade da madeira do país foram expostas nos relatórios do Greenpeace. Um dos principais estudos de caso também foi realizado no Pará, onde uma única floresta licenciada foi utilizada para lavar cerca de US$ 7 milhões de ipê através de fraudes no sistema DOF. Em 2018, outro relatório do Greenpeace mostrou a “inadequação da documentação oficial como garantia da origem legal da madeira amazônica”.

Este ano, cerca de 10 milhões de metros cúbicos de produção de madeira amazônica foram rastreados pela primeira vez, de acordo com um relatório recente divulgado pelo Imazon. O Pará é o maior produtor de madeira processada do país, respondendo por 47% das toras exportadas da Amazônia. O estado também lidera a extração ilegal de madeira no bioma.

Através de um sistema chamado Simex, que cruza documentos oficiais de produção de madeira com imagens de satélite, o Imazon estimou que cerca de 70% da madeira extraída do Pará entre 2008 e 2020 apresentava alguma inconsistência com os registros oficiais, Dalton Cardoso, pesquisador do Imazon, disse à Mongabay e à Earthsight em uma chamada de vídeo.

Entre as inconsistências, explicou Cardoso, as mais comuns são a superestimação de espécies de alto valor comercial, áreas autorizadas em áreas já exploradas no passado e início da exploração madeireira antes da emissão das licenças.

Uma vez concluída a análise do Imazon, os dados são enviados para a Semas, mas eles geralmente não respondem, disse Cardoso. “Temos apontado onde há indícios de irregularidades desde 2008, mas até hoje ainda observamos a recorrência de inconsistências”.

A Semas não respondeu sobre o pedido de resposta para os questionamentos sobre as inconsistências.

Especialistas explicam como essas fraudes são generalizadas na indústria madeireira.

“A ilegalidade se dá em vários elos da cadeia. Ela pode ser dar em vários elos da cadeia”, Leonardo Martin Sobral, gerente florestal do Imaflora, uma organização sem fins lucrativos focada no manejo sustentável, disse à Mongabay e à Earthsight em uma videochamada.

No caso de superestimativa de espécies, explicou ele, ela é usada principalmente para lavar madeira extraída de áreas protegidas, incluindo terras indígenas. “Quando se trata de terra indígena, ela toda ilegal porque não tem autorização pra fazer o manejo florestal em terra indígena. E essa madeira, então, seguindo a cadeia produtiva, ela segue a cadeia produtiva com um documento. Só que a madeira em si, o produto físico, veio de uma outra área que não aquela que foi autorizada”.

Ele criticou a falta de dados e transparência da maioria dos estados, o que dificulta a rastreabilidade da cadeia de abastecimento e facilita as falhas no sistema IBAMA. “O sistema que temos hoje não é um sistema ruim… A gente tem um bom sistema, uma boa regulamentação, todo arcabouço legal, etc.”, diz. “Mas eu acho que o que mais falta é a operação em campo. É confrontar a documentação que está sendo emitida com a realidade do campo. Então, por exemplo, fiscalizações nos planos de manejo, fiscalizações nas serrarias, p[s]ra verificar o estoque que tem naquele pátio. Se o que ele tem no sistema, tá condizente com o que ele tem ali de estoque físico… Então, eu diria que é muito mais isso do que querer melhorar o sistema. O sistema por si só, ele é bom. Mas quando não tem fiscalização, é difícil de conseguir garantir”.

Uma das questões que torna mais difícil rastrear a origem da madeira, ele acrescenta, é quando a cadeia de fornecimento é muito complexa com vários fornecedores. “Se ele compra de um fornecedor, mas a cadeia desse fornecedor é gigante, complexa, isso vai tornar o trabalho dele, dos diligentes, muito mais difícil”.

Nos últimos seis anos, a Indusparquet recebeu madeira de 416 serrarias diferentes, de acordo com nossas pesquisas. Este número inclui apenas fornecedores em quatro estados brasileiros para os quais foi possível obter dados. E os bancos de dados dos estados do Pará e Mato Grosso — os maiores produtores de madeira do país — não estão integrados com o sistema central, aumentando o risco de fraude.

É por isso que Renato Morgado, gerente de Programas da Transparência Internacional – Brasil, destaca a necessidade de os compradores realizarem a devida diligência junto a seus fornecedores. “Além da exigência de toda a documentação legal, que ela[a empresa] tenha um sistema mínimo de verificação dos seus fornecedores. Isso é importante que [se] tenha para garantir, ou pelo menos ter uma segurança maior em relação à origem daquela madeira.

“Eu queria reforçar essa mensagem de que as empresas que estão comprando madeira — e não só as empresas — a gente como consumidor final também. A gente tem que se preocupar com a origem dela. Não é simplesmente ir ali e aceitar qualquer documento, qualquer fala de vendedor e sair comprando”, diz Sobral. “Então, principalmente, as empresas que compram num volume maior, é importante que eles tomem consciência de que é uma cadeia complexa. É uma cadeia que tem riscos. E que ele precisa tomar ações para minimizar esse risco”.

Satellite footage of Ituna Itatá Indigenous land
Imagens de satélite da Terra indígenas Ituna-Itatá registradas em dezembro de 2016, quando a terra era em sua maioria floresta, e em dezembro de 2020, quando ocorreu um desmatamento significativo. Imagem cortesia de Landsat / Copernicus.

Fraudes por corrupção

A corrupção é,  geralmente, um elemento-chave por trás da fraude no setor madeireiro, dizem os especialistas, especialmente porque muitas vezes há o envolvimento de funcionários públicos que não fazem o controle adequado e permitem a prática de atos ilícitos em troca do pagamento de subornos.

No caso do Paraná, o estado “perdeu o controle total” sobre a fiscalização ambiental, Mario Mantovani, que liderou a ONG SOS Mata Atlântica por 30 anos, disse à Mongabay em uma entrevista por telefone. “O Paraná agora é a favor do crime ambiental”, disse ele. Ele explicou que a região em torno de União da Vitória tem a maior taxa de desmatamento do estado. “E o que eles fizeram foi desmontar o órgão ambiental… Não tem mais fiscalização. Não tem mais nada”.

Houve “no mínimo, um conflito de interesses”, diz Morgado, da Transparência Internacional. “Espera-se que exista uma sindicância em âmbito administrativo para apurar, em âmbito administrativo, se houve o uso, o abuso do cargo para ganhos privados”.

O IAP não respondeu aos pedidos de resposta.

As absolvições em casos de corrupção e as recentes mudanças no arcabouço jurídico brasileiro têm incentivado os atores corruptos no setor, dizem os especialistas.

“O que a gente vive, de fato, é um momento de retrocessos no arcabouço legal e institucional anticorrupção. Isso vem acontecendo de forma muito veloz”, disse Morgado, referindo-se às recentes mudanças na lei de improbidade administrativa, entre outras. “Esse conjunto de retrocessos, eles claramente dão um sinal de que a corrupção vai ser tolerada e não vai ser punida. Então, isso deixa os agentes privados e públicos mais dispostos a praticar atos de corrupção”.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a nova lei que modificou a sistemática da prescrição na lei de improbidade administrativa não é retroativa para casos em andamento, o que foi visto por especialistas como um passo positivo e que poderia, potencialmente, mudar o status de casos em andamento onde a nova lei foi aplicada, como o caso do Paraná.

“Considerando que o STF entendeu que o novo regime prescricional não retroage, decisões em primeira e segunda instância que decidiram de forma contrária poderão ser questionadas e eventualmente revistas”, Morgado disse à Mongabay.

A corrupção é uma prática “muito comum” em pelo menos três etapas do processo no setor madeireiro, diz Morgado: conluio entre madeireiros e funcionários públicos para emitir licenças fraudulentas, não emissão de multas ou vazamento de informações sobre operações de inspeção e mudança de leis e regulamentos ambientais para tornar os crimes ambientais mais viáveis.

Machado, o procurador da República em Bauru, também destaca os obstáculos criados pela lei de abuso de autoridade recentemente aprovada. “Você está sempre preocupado se o que você está fazendo não pode gerar um abuso de autoridade. São vários problemas na lei de abuso de autoridade”, disse ele. “Se você coloca as autoridades que combatem a corrupção numa situação de vulnerabilidade, você torna o corruptor mais forte”.

Machado destaca a importância de se aplicar a lei anticorrupção para combater a impunidade e tornar as corporações responsáveis, pois “basta comprovar que houve um ato de corrupção” que beneficiou a empresa. A única forma de a empresa escapar das sanções, explica ele, é inverter o ônus da prova. “Ela tem que comprovar que ela não sabia. E que mais. Que ela tomou todas as providências possíveis para evitar que alguém praticasse ato de corrupção em nome dela”

Imagem de destaque: Samuel Bono/Earthsight.

Karla Mendes é editora e repórter investigativa da Mongabay no Brasil.  Twitter: @karlamendes

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