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Derrubar a Amazônia não traz prosperidade para a maioria dos brasileiros

  • Defensores do desmatamento no Brasil argumentam com frequência que a derrubada da Amazônia é uma maneira eficaz de aliviar a pobreza. Este é especialmente o caso do governo Bolsonaro, cujo ministro do Meio Ambiente declarou na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 que “onde existe muita floresta também existe muita pobreza”.

  • Antes das eleições do próximo domingo, um grupo nosso liderado por Darren Norris, da Universidade Federal do Amapá, decidiu ver o que os dados dizem sobre as ligações entre desmatamento e pobreza na Amazônia.

  • Não encontramos associação entre a perda florestal e esses indicadores econômicos. Os índices para municípios com menos de 40% de cobertura florestal em 1986 não foram diferentes daqueles de municípios semelhantes com mais de 60% de cobertura florestal de 1986 a 2019.

  • A descoberta sugere, portanto, que “o desmatamento não gera necessariamente sistemas de produção de alimentos ou levar ao alívio da pobreza”, como escrevemos.

Defensores do desmatamento no Brasil argumentam com frequência que a derrubada da Amazônia é uma maneira eficaz de aliviar a pobreza. Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente, por exemplo, declarou na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 que “onde existe muita floresta também existe muita pobreza”, sugerindo que a cobertura florestal está inversamente relacionada ao bem-estar humano. No entanto, evidências sólidas para apoiar essa afirmação raramente são oferecidas.

Antes das eleições do próximo domingo – que coloca em confronto direto Jair Bolsonaro, que presidiu um aumento acentuado do corte de árvores na Amazônia, e Luiz Inácio Lula da Silva, que supervisionou uma queda acentuada no desmatamento -, um grupo nosso liderado por Darren Norris, da Universidade Federal do Amapá, decidiu ver o que os dados dizem sobre as ligações entre desmatamento e pobreza na Amazônia. Especificamente, queríamos ver se os argumentos apresentados pelos defensores do desmatamento resistem ao escrutínio.

Fire near the Manicoré River in Amazonas state in August 2022. Photo © Christian Braga / Greenpeace
Incêndio próximo ao Rio Manicoré, no estado do Amazonas, em agosto de 2022. Foto: Christian Braga / Greenpeace

Para isso, analisamos a mudança florestal e os indicadores econômicos de quase 800 municípios que cobrem quase 5 milhões de hectares na Amazônia brasileira de 2002 a 2019. Usamos o salário médio, a existência de planos de saneamento e a conectividade com a internet como indicadores econômicos para avaliar essa questão. Não são dados abrangentes, mas são medidores importantes de desenvolvimento econômico.

Não encontramos associação entre a perda florestal e esses indicadores econômicos. Os índices para municípios com menos de 40% de cobertura florestal em 1986 não foram diferentes daqueles de municípios semelhantes com mais de 60% de cobertura florestal de 1986 a 2019. A descoberta sugere, assim, que “o desmatamento não gera necessariamente sistemas de produção de alimentos ou levar ao alívio da pobreza”, como escrevemos.

Figure 3 from the paper. Economic indicators and forest cover change. Comparison of three economic indicators among forest cover classes. Annual trends from 2006 to 2019 (A to C) and GAM partial plots (D to F) of three economic indicators, row wise top to bottom: agriculture Gross Value Added per capita, Gross Domestic Product per capita and salaries (expressed as a proportion of the annual minimum salary value). These indicators are compared among a subset of 357 municipalities with contrasting proportions of natural forest cover. Municipalities are grouped into three forest cover classes using percent of natural forest cover in 1986 as a reference level (“low”: less than 40%, “medium”: more than 60% in 1986 but less than 50% in 2019 and “high” more than 60% in 1986 and 2019).
Indicadores econômicos e mudança da cobertura florestal. Comparação de três indicadores econômicos entre as classes de cobertura florestal. Tendências anuais de 2006 a 2019 (A a C) e gráficos parciais GAM (D a F) de três indicadores econômicos, de cima para baixo: Valor Agregado Bruto Agrícola per capita, Produto Interno Bruto per capita e salários (expressos em proporção do valor do salário-mínimo anual). Esses indicadores são comparados entre um subconjunto de 357 municípios com proporções contrastantes de cobertura florestal natural. Os municípios são agrupados em três classes de cobertura florestal usando percentual de cobertura florestal natural em 1986 como nível de referência (“low”: menos de 40%, “medium”: mais de 60% em 1986 mas menos de 50% em 2019 e “high ” mais de 60% em 1986 e 2019 [detalhes na seção de Métodos]).

Portanto, a afirmação do governo Bolsonaro de que os brasileiros na Amazônia não podem escapar da pobreza sem derrubar florestas não parece ser um argumento válido baseado apenas em dados econômicos.

Aqui não são avaliados os serviços ecológicos prestados às comunidades locais por florestas saudáveis ​​e produtivas. A consideração desses benefícios, que muitas vezes são subvalorizados, diminuiria ainda mais o argumento dos defensores do desmatamento.

Blackwater oxbow lake, rainforest, and a whitewater river in the Amazon. Photo by Rhett A. Butler.
Lago de águas negras, floresta tropical e um rio de águas brancas na Amazônia. Foto: Rhett A. Butler.

O artigo, intitulado “Cortar árvores não constrói prosperidade: sobre a contínua dissociação do desmatamento da Amazônia e do desenvolvimento econômico no Brasil do século 21”, será publicado em breve na revista Tropical Conservation Science. Uma versão de pré-impressão pode ser lida em português aqui.

CITAÇÃO:

Darren Norris, Terciane Sabadini Carvalho, Angela M. Guerrero, Maria Isabel Sobral Escada, Ane Alencar , Liz Kimbrough, and Rhett A. Butler. “Cutting down trees does not build prosperity: On the continued decoupling of Amazon deforestation and economic development in 21st century Brazil”, Tropical Conservation Science (outubro de 2022). doi.org/10.31223/X51S8P

Nota: Rhett Butler foi cofundador da revista Tropical Conservation Science em 2008, mas entregou o controle e toda a gestão da revista em 2016. Ele não tem qualquer influência na submissão da revista ou nos processos editoriais.

 

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