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Garimpeiros brasileiros intensificam a invasão de terras Yanomami na Venezuela

  • Comunidades indígenas Yanomami na Venezuela estão sofrendo com as crescentes invasões dos garimpeiros brasileiros.

  • Uma das áreas mais impactadas é a Reserva da Biosfera do Alto Orinoco-Casiquiare, uma área protegida de quase 8,5 milhões de hectares que abriga cerca de 15 mil povos indígenas, diversos mamíferos e répteis ameaçados e mais de 500 espécies de plantas endêmicas.

  • Relatórios de grupos de conservação e direitos humanos dizem que os garimpeiros estão trabalhando em conjunto com funcionários venezuelanos.

No sul da Venezuela, as cabeceiras de alguns dos maiores rios do país atravessam partes remotas da Floresta Amazônica perto da fronteira com o Brasil, onde povos Yanomami, Ye’kwana e outras comunidades indígenas vivem há centenas de anos. Durante a maior parte de sua história, os Yanomami sobreviveram sem muito contato do mundo exterior, confiando nas práticas tradicionais de caça, pesca e cultivo.

Contudo, nas últimas décadas eles sofreram com a crescente invasão de garimpeiros brasileiros, que cruzam a fronteira com maquinaria pesada para extrair ouro e outros minerais. O resultado tem sido o desmatamento generalizado, a poluição dos principais rios e as violações dos direitos humanos contra as comunidades indígenas. Estes problemas parecem estar piorando, de acordo com um relatório do SOS Orinoco, um grupo de defesa ambiental venezuelano.

“A atividade de mineração ilegal está aumentando a um ritmo alarmante, e os impactos ambientais estão se tornando mais aparentes”, alerta o relatório. “A ação injustificável dos garimpeiros representa uma ameaça à vida e à segurança do povo Yanomami”.

As cabeceiras de alguns dos maiores rios da Venezuela estão localizadas no estado venezuelano do Amazonas. Foto: SOS Orinoco.

Devido ao isolamento da área e ao risco que representa para os forasteiros que tentam pesquisá-la, é quase impossível saber exatamente quantos garimpeiros se mudaram para o local ou quão ruim foi o desmatamento. Mas a SOS Orinoco disse acreditar que poderia haver milhares de garimpeiros trabalhando lá.

Uma das áreas mais impactadas é a Reserva da Biosfera do Alto Orinoco-Casiquiare, uma área protegida de quase 8,5 milhões de hectares localizada no estado venezuelano do Amazonas, no sul do país. É o lar de cerca de 15 mil povos indígenas, diversos mamíferos e répteis ameaçados, além de mais de 500 espécies de plantas endêmicas.

“Anteriormente, as operações de mineração eram muito pequenas”, aponta o relatório. “Mas neste momento, áreas desmatadas, leitos de rios alterados e a formação de lagoas são visíveis em imagens de satélite, assim como a evidência do uso de monitores hidráulicos para remover o solo”.

Uma história de violência

As comunidades Yanomami ocupam ambos os lados da fronteira entre a Venezuela e o Brasil. No lado brasileiro, elas vêm combatendo a atividade minerária desde pelo menos a década de 1970, quando a construção de uma rodovia cortando o território trouxe pessoas de fora e doenças para as comunidades. Os garimpeiros começaram a cruzar a fronteira, confrontando a lei e entrando em conflito com as comunidades Yanomami na Venezuela durante os anos 1990 e início dos anos 2000.

Quando a Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquiare foi fundada em 1993, o governo venezuelano lutou para proteger a área da presença dos garimpeiros, em alguns casos prendendo-os e destruindo seus campos.

Entretanto, eles não conseguiram implementar uma vigilância mais sistemática da área que poderia ter evitado várias mortes em massa. No ano da fundação da reserva, os garimpeiros mataram 16 indivíduos Yanomami em uma tentativa de exterminar uma vila. Incendiaram casas Yanomami, forçando-os a se mudarem.

Crianças Yanomami na Venezuela. Foto: SOS Orinoco.

“Enquanto a situação continuar, o impacto vai piorar, não só em termos de meio ambiente, mas também de direitos humanos”, disse Olnar Ortiz, coordenador nacional dos Povos Indígenas do Fórum Penal, uma ONG que ajuda vítimas de perseguições injustas na Venezuela.

Sob o ex-presidente Hugo Chávez, e mais recentemente seu sucessor, Nicolás Maduro, o governo fechou os olhos para o desmatamento e as violações dos direitos humanos por garimpeiros em Alto Orinoco-Casiquiare. Em alguns casos, parece encorajá-lo.

Em 2016, o governo Maduro anunciou que estava abrindo atividades extrativistas mesmo em ecossistemas sensíveis que haviam recebido proteção ambiental. Uma área no centro da Venezuela, conhecida como Arco Mineiro do Orinoco, recebeu maior atenção da comunidade internacional devido à rápida destruição ecológica que está ocorrendo pelas  mãos de grupos criminosos e militares. A Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquiare, cerca de 600 quilômetros ao sul do arco mineiro, recebeu menos atenção apesar de sofrer uma situação semelhante com os garimpeiros.

“Nas montanhas e ao longo da fronteira brasileira, os garimpeiros que ocupam os territórios Yanomami chegaram a sobrevoar a área com drones para a exploração do ouro”, disse Ortiz.

Hoje, muitos Yanomami que trabalham e vivem nas minas sofrem de câncer e outras doenças como resultado do mercúrio e de outros produtos químicos tóxicos que são usados para extrair ouro, revela o relatório. Com o aumento do desmatamento e a poluição dos rios, está se tornando mais difícil realizar práticas tradicionais de caça e cultivo.

Crime, corrupção e políticas ambientais fracas

Como o Alto Orinoco-Casiquiare é tão isolado e de difícil acesso, os garimpeiros brasileiros não precisam competir com grupos guerrilheiros e gangues como poderiam no Arco Mineiro do Orinoco. Mas eles operam com impunidade semelhante e, em alguns casos, com ajuda de funcionários do governo, ainda de acordo com o relatório do SOS Orinoco.

Muitos garimpeiros entram na área com helicópteros e aeronaves leves, limpando a floresta para abrir espaço a helipontos, pistas e uma base de operações. Em troca desses serviços, a guarda nacional supostamente recebe uma parte dos lucros.

“É uma rede muito organizada”, disse Martin, membro da SOS Orinoco que preferiu permanecer anônimo, à Mongabay. “Estes não são garimpeiros espontâneos”. Eles não são ‘aventureiros’ nem nada parecido. Esta é uma indústria que opera de forma muito, muito eficiente – e com apoio político”.

Muitos Yanomamis que trabalham nas minas sofrem de doenças como resultado do mercúrio. Foto: SOS Orinoco.

As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas da Venezuela não responderam a um pedido de comentários para esta reportagem.

O ouro venezuelano é supostamente transportado de volta ao Brasil a pé ou de helicóptero. Uma vez no Brasil, ele é lavado na cadeia de abastecimento legal. Cerca de 30% das exportações de ouro do Brasil são extraídas ilegalmente, de acordo com um relatório de 2021 da Universidade Federal de Minas Gerais. Mas é impossível rastreá-lo.

Como o governo venezuelano não persegue os garimpeiros, o fardo recai inteiramente sobre o Brasil. Há aproximadamente 27 mil Yanomami vivendo no lado brasileiro da fronteira, numa reserva de 9,7 milhões de hectares. Milhares de garimpeiros continuam trabalhando na área com pouca ou nenhuma resposta das autoridades.

Enquanto os tribunais no Brasil ordenaram ao governo que tomasse algumas medidas contra a mineração ilegal de ouro, o presidente Jair Bolsonaro também afrouxou muitas proteções ambientais e emitiu decretos para aumentar a mineração no Brasil, sugerindo que não haverá nenhuma supervisão adicional sobre a entrada de ouro proveniente da Venezuela em breve.

“Quando o ouro venezuelano chega ao Brasil, é quase impossível para as autoridades brasileiras determinar sua verdadeira origem”, disse Martin. “O que deveriam fazer é deter a operação dos garimpeiros no Brasil para impedi-los de entrar na Venezuela.”

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Imagem do banner: Povo indígena no Amazonas, Venezuela. Foto: SOS Orinoco.

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