Uma aldeia Ashaninka incendiada, quatro indígenas mortos e um gravemente ferido após ser espancado é o saldo deixado, até o momento, pelo cerco criminoso às comunidades nativas da Amazônia peruana.
A presença do narcotráfico nas proximidades de aldeias indígenas aumentou desde o início da pandemia, o que levou a um crescimento no número de assaltos, roubos e sequestros nas comunidades, segundo líderes e especialistas.
O Ministério da Justiça peruano registra 11 ativistas mortos desde 2020, mas esse número difere dos registros de instituições e organizações civis. Enquanto isso, o Mecanismo Intersetorial, que prevê a proteção de defensores de direitos humanos, tem problemas orçamentários e não está presente em todas as áreas de conflito.
Poucos membros da comunidade haviam permanecido em Alto Oshirani na tarde em que suas casas, feitas de troncos e folhas, foram destruídas por uma multidão de invasores armados com tochas. Através de frestas e janelas, apenas algumas mulheres e crianças viram como aquela recém estabelecida aldeia Ashaninka, localizada na zona de amortecimento da Reserva Comunal El Sira, se transformava em cinzas. Assim que começou, fugiram aterrorizados e sem rumo. No dia do ataque, 10 de abril de 2022, a maioria das famílias de Alto Oshirani estava em suas fazendas e no centro de saúde do distrito de Iparía, na região de Ucayali, na Amazônia peruana. A preocupação havia levado os indígenas ao posto de saúde para saber o estado do chefe da comunidade, Nilson Vargas, que havia sido atropelado na noite anterior por uma motocicleta que desapareceu no meio da escuridão.
O ataque rendeu ao líder uma fratura na perna esquerda e um grave ferimento na cabeça. Por essa razão, foi levado imediatamente ao hospital Pucallpa. Ele ficou internado por dez dias sem poder falar. Já recuperado, o homem de 52 anos, com voz agitada, conta que há cinco meses vem sendo ameaçado pelos habitantes de Hatunrumi, povoado não indígena vizinho de Alto Oshirani. Nilson Vargas não tem certeza se as intimidações levaram ao acidente que sofreu, mas não duvida da relação entre elas e o ataque de abril contra sua aldeia. Ele já havia sido avisado. Em 11 de dezembro, a casa comunal de Alto Oshirani foi derrubada e incendiada. Enquanto tentavam salvar as madeiras caídas, conta o líder, vários moradores de Hatunrumi surgiram gritando que os indígenas estavam invadindo seu território e que, se não saíssem, haveria um ataque ainda mais feroz à comunidade.
“Foi aí que começaram a disputa e as ameaças”, diz Vargas, ainda convalescendo.
Assim como a situação atual, o surgimento da comunidade de Alto Oshirani também foi conturbado. Os membros do povo Ashaninka viviam antes em um setor chamado 23 de Setembro, perto da comunidade Kukama de Sharara. O vice-presidente da Organização dos Povos Ashaninka de Iparía (Orpadi), Hilder Pérez, explicou à Mongabay que Sharara conseguiu uma autorização para expandir seu território e, por isso, passou a ocupar grande parte do setor 23 de Setembro. Foi quando começou o conflito que resultou na retirada dos Ashaninka em direção à ravina Oshirani. Daí o nome da comunidade Ashaninka fundada em 2019 – e ainda sem reconhecimento legal. Alto Oshirani é uma das 22 comunidades de Iparía filiadas à Orpadi. O processo legal iniciado pelo líder para o reconhecimento da terra indígena está parado desde o início da pandemia no Peru.
De onde se recupera, Nilson Vargas conta que o Ministério da Agricultura confirmou que o local onde fica a comunidade Alto Oshirani estava vazio. Ele solicitou 5.040 hectares desse território ancestral para sua comunidade. Uma área que, garante Vargas, não chega nem ao limite da vila Hatunrumi. No entanto, as 65 famílias Ashaninka que vivem em Alto Oshirani sofrem assédio diário dos habitantes da vila. Como também aponta Hilder Pérez, que parafraseia as ameaças: “Tomem muito cuidado, vocês estão se metendo onde não devem. Era o que diziam”. O vice-presidente da Orpadi conseguiu a concessão de proteção a Nilson Vargas e outros membros da comunidade que sofreram ameaças. Porém, alguns dias depois, suas casas foram queimadas em Alto Oshirani. Dezenove delas foram totalmente destruídas e sessenta Ashaninka permanecem desabrigados até hoje, confirma Hilder Pérez.
“Como é possível que alguém tenha dado o território para essas pessoas? Ninguém se importa com quem nasceu e cresceu lá”, critica o dirigente da Orpadi.
Em carta enviada ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a Defensoria Pública relatou o grave risco enfrentado pela comunidade de Alto Oshirani e seu líder. A defensoria pediu a ativação do Mecanismo Intersetorial de proteção aos defensores de direitos humanos para Vargas e sua família. Até agora não houve resposta. Ao contrário, o advogado da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos (CNDDHH), Mar Pérez, informou à Mongabay que Alto Oshirani permanece desprotegido e que na quinta-feira, 28 de abril, houve uma nova tentativa de ataque à comunidade. Fredy Vásquez, coordenador da Ecosira, organização indígena que administra a reserva indígena El Sira, detalha que o ataque não se concretizou porque a Orpadi prontamente mobilizou um grupo de membros da comunidade para proteger Alto Oshirani.
“Parece que eles queriam começar outro incêndio porque algumas casas já haviam sido levantadas. Eles voltaram para trás no meio do caminho”, conta Fredy Vásquez.
O caso de Alto Oshirani é apenas um indício do altíssimo grau de vulnerabilidade em que se encontram as comunidades nativas, suas lideranças e habitantes. A violência contra os povos indígenas se intensificou nesses primeiros quatro meses de 2022, e não faz mais distinção entre lideranças, pessoas comuns e a população como um todo. A ambição pela reserva indígena é implacável. Líderes e especialistas consultados para esta reportagem confirmaram que as facções de narcotraficantes, garimpeiros e grileiros estão à espreita, mas também a delinquência comum que alimenta o crime organizado.
Em outubro de 2020, o Ministério da Justiça peruano criou o Cadastro de Situações de Risco para Defensores de Direitos Humanos, que inclui principalmente defensores indígenas de seu território. A ferramenta faz um mapeamento completo de ameaças e atentados. Até o momento, foram registrados 171 casos, segundo os dados oficiais enviados à Mongabay, dos quais as ameaças à segurança pessoal e familiar, a violência (física, sexual e psicológica) e os casos de bens e meios de subsistência são os mais frequentes.
Faces da violência
De acordo com um registro elaborado pela Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos, 14 defensores do território e do meio ambiente foram assassinados desde o início da pandemia. Destes, dez eram membros de comunidades indígenas. A lista não inclui Jesús Antahua Quispe, Nusat Benavides de la Cruz e Gemerson Pizango Narvaez, indígenas Ashaninka assassinados em 22 de março em Puerto Inca (Huánuco). Tampouco inclui Ulises Rumiche, coordenador da organização Povos Originários Amazônicos do Município de Pangoa, assassinado em 19 de abril. Conforme explicou Mar Pérez, a CNDDHH registra casos que constituem retaliação pelo trabalho em defesa dos direitos humanos e não aqueles que são atribuídos a crimes comuns. Quanto ao que aconteceu com os três membros da comunidade de Puerto Inca e Ulises Rumiche, especifica a advogada, uma investigação aprofundada deve ser realizada para determinar o motivo desses crimes.
A hipótese levantada até o momento pela Federação de Comunidades Nativas de Puerto Inca (Feconapia) é de que os três membros da comunidade Ashaninka morreram nas mãos dos sequestradores de uma comerciante do povoado de Puerto Zúngaro. O cacique Fernando Carpio, presidente da Feconapia, comenta que puderam constatar que os membros da comunidade viram os criminosos, reconheceram a comerciante e foram executados por isso. Jesús Antahua e sua esposa, Nusat Benavides, junto com Gemerson Pizango, ajudante do casal, estavam entrando na plantação de mamão, na comunidade indígena de Santa Teresa, quando foram mortos a tiros. Eles não haviam sido ameaçados pelo narcotráfico. O que há de concreto até agora, aponta Carpio, é que as comunidades de Puerto Inca são afetadas pelo narcotráfico, a mineração ilegal e o tráfico de terras. Perigos acarretam outro risco crescente.
“Pessoas de todos os lugares vêm para ‘trabalhar’ nisso e se dedicar ao crime. Antes era na cidade, mas agora também acontece contra os membros da comunidade. Há assaltos, roubos, sequestros (…) Temos medo de sair e andar por aí”, comenta Fernando Carpio.
Mar Pérez afirma que o triplo homicídio é uma situação muito diferente do que ocorreu em Alto Oshirani. A advogada justifica dizendo que em Puerto Inca a violência afeta um povo envolvido na defesa coletiva de seu território. “Eles são defensores dos direitos humanos e sofreram a destruição de seus meios de subsistência”, acrescenta. A comunidade de Alto Oshirani denunciou os responsáveis pela invasão de suas terras e pela queima de suas casas. Os moradores indígenas afetados pela invasão afirmam que o grupo de agressores que vive em Hatunrumi é formado por pessoas do vale dos rios Apurímac, Ene e Mantaro e liderado pela ex-subprefeita de Iparía, Aydé Pampañaupa. Ela nega as acusações e, em contrapartida, declara que sempre se identificou com o trabalho das comunidades nativas.
Embora ainda não tenha ocorrido em Alto Oshirani, o narcotráfico já penetrou na maioria das comunidades Ashaninka de Iparía, constata Hider Pérez com medo. Outro líder da Orpadi conta que foi ameaçado em sua própria comunidade, Alto Shatanya, pelo trabalho de liderança que realiza. “Eles sempre nos acusam de informar a polícia”, diz ele. O flanco aberto dos povos indígenas nessa parte da Amazônia peruana é, em muitos casos, a falta de títulos de suas terras. De fato, algumas comunidades nativas de Iparía nem ao menos são reconhecidas. “E eles aproveitam para dizer que essas terras não pertencem a ninguém”, relata Pérez. Em seguida, faz uma breve revisão de sua memória e aponta que, além do Alto Shatanya, as comunidades de Nueva Fortaleza, Flor de un Día, Parantari, Esperanza e Santa Rosa são as que mais sofrem com o narcotráfico em Iparía.
Em suma, para a advogada da CNDDHH, há toda uma dinâmica de violência em torno dos povos indígenas baseada na maior presença de atores estrangeiros e nas economias ilegais que eles desenvolvem. Uma situação que se agravou com a retirada do Estado durante os meses mais duros da pandemia de covid-19. Mas o pano de fundo — comenta a representante da CNDDHH — é sempre a disputa por território. “Isso é o que está por trás de todas as formas de violência nas comunidades”, afirma.
Floresta em estado de emergência
O coordenador da organização Povos Originários Amazônicos do Município de Pangoa, Ulises Rumiche, foi morto com um tiro na cabeça quando passava pela rodovia que liga Pangoa a sua comunidade, San Antonio de Sonomoro. Ele estava a caminho de sua casa, de noite, depois de preparar a Mesa Técnica de Desenvolvimento Territorial e Descentralização do Vale dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro, na qual no dia seguinte (20 de abril) iria se reunir com uma delegação do governo. Em meio à profunda incerteza que invadiu a região, a União Ashaninka Nomatsigenga do Vale de Pangoa (Kanuja), a Central Ashaninka do Rio Tambo (Cart), a Central Ashaninka do Rio Ene (Care) e duas outras organizações indígenas alertaram em nota escrita que membros e lideranças comunitárias são vítimas da insegurança em seus territórios e que têm sido assassinados sem que haja possibilidade de fazer nada devido ao descaso do Estado.
A polícia não determinou a motivação do crime. No entanto, existem várias hipóteses sobre o trágico desfecho de Rumiche. O presidente da Cart, Fabián Antúnez, explicou à Mongabay que uma das hipóteses está associada a uma questão política e outra à possível vingança perpetrada por pessoas de fora da comunidade de San Antonio de Sonomoro. “A estrada cruza seu terreno, e o dono não permitia que ninguém que ele não conhecesse passasse por lá”, detalha. Como líder da organização Kanuja, Ulises Rumiche foi um tenaz defensor do território indígena contra a crescente presença de narcotraficantes e madeireiros ilegais. Há dois meses, destaca Antúnez, a incursão de redes de drogas aumentou acentuadamente nas comunidades nativas dos distritos de Rio Tambo e Pangoa.
Algumas das imagens mais cruéis dessa investida do narcotráfico chegaram à Fabián Antúnez no Rio Tambo. Há quinze dias, passando pelas ilhas de Impamaquiari e Santa Rosita de Shirintiari, o presidente da Cart viu o cadáver de um homem com pés e mãos amarrados, vendado e com um buraco de bala na nuca. Segundo Antúnez, havia no corpo um pedaço de papel, coberto por mica, com a inscrição: “Os dedos-duros morrem”. Na semana seguinte, acrescenta, a corrente do Tambo arrastou outros mortos com sinais de enforcamento e tiros. O líder Ashaninka afirma que as comunidades nativas dessa parte da Amazônia estão no centro de um fogo cruzado entre facções do tráfico de drogas. Eles roubam e matam uns aos outros, comenta, numa guerra para ganhar território.
Devido à aparência dos homens assassinados, Fabián Antúnez descarta que sejam membros da comunidade indígena. “Tudo isso traz uma mensagem. Se o Sr. Rumiche foi morto aqui, não seria de se estranhar que o mesmo acontecesse com a gente”, alerta. Em busca de um paliativo para a crise, a Cart emitiu uma declaração de emergência: a partir de 12 de maio, nenhum veículo poderá trafegar entre 18h e 5h pelas 48 comunidades filiadas à organização indígena ou pelo Rio Tambo. Os comitês de autodefesa monitorarão e pararão os barcos que violarem a disposição. A Cart considerará suspeitos de transporte de drogas os veículos que trafegarem fora do horário estabelecido.
“Os rios Ene, Perené e Tambo são a via usada pelos narcotraficantes para chegar facilmente a Atalaya, depois a Urubamba e Puerto Maldonado”, descreve com preocupação o presidente da Central Ashaninka do Rio Tambo.
Também com evidente angústia, o coordenador da Associação Regional dos Povos Indígenas da Floresta Central (Arpi), Cline Chauca, destaca que o cultivo de coca e o tráfico de drogas ganharam força na maioria das comunidades sob sua responsabilidade durante os meses de imobilização obrigatória por conta da pandemia. Por defender os territórios, continua o coordenador, membros e líderes das comunidades têm sido vítimas de sequestros e atentados. O mais recente foi contra o ex-subprefeito de Puerto Bermúdez, Cornelio Sharisho, da etnia Ashaninka. Segundo informações da Arpi, no dia 1º de abril, Sharisho foi contatado por familiares de Luis Tapia, líder indígena do povoado Alto Lorencillo II que está sequestrado há sete meses. Eles contaram que um homem os havia visitado para dizer que Tapia estava vivo e que o ex-subprefeito deveria ir a Alto Lorencillo II “para resolver o problema”, segundo a Arpi.
Como autoridade, Sharisho acompanhou o caso do desaparecimento de Luis Tapia desde o início. O presidente da Associação de Nacionalidades Ashaninka do Vale do Pichis (Anap), Abner Campos, disse à Mongabay que Tapia ocupou o cargo de representante distrital no Alto Lorencillo II, povoado onde vivem colonos indígenas e não indígenas localizado em uma área com forte presença do narcotráfico. “Ele era um líder justo e lutava pelo território”, afirma o diretor da Anap. No mesmo dia em que os parentes de Tapia o contataram, o ex-subprefeito viajou de Puerto Bermúdez para o povoado e lá — relata Campos — foi brutalmente espancado por dois indivíduos. Sharisho se preparava para deitar-se quando foi atacado. As últimas notícias que a Arpi e a Anap tiveram sobre ele é que seu rosto estava bastante ferido e que, devido à gravidade das lesões, ele seria operado.
Os líderes de ambas as associações indígenas concordam que o crime organizado ganha cada vez mais espaço nas comunidades devido ao descaso e morosidade do Estado em protegê-las. Mar Pérez, da CNDDHH, destaca que essa situação de insegurança não diminuiu nem mesmo com o Mecanismo Intersetorial de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, ferramenta do Ministério da Justiça que neste mês completa um ano de vigência. Diferentemente do instrumento anterior (Protocolo de Proteção), o Mecanismo Intersetorial envolve a atuação de sete ministérios e da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Vida sem Drogas (Devida). No entanto, para o jurista da organização civil Direito, Meio Ambiente e Recursos Naturais (DAR), Carlos Quispe, ainda não há nenhum caso que permita reconhecer que a aplicação do mecanismo é efetiva.
Mais do que isso, até agora ninguém foi considerado culpado pelos assassinatos de defensores perpetrados durante a pandemia. “Uma situação de impunidade aproveitada por quem pratica atividades ilícitas”, comenta Quispe.
Problemas do Mecanismo Intersetorial
Diferente da lista da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos, o Ministério da Justiça estabelece que houve 11 assassinatos de defensores cometidos desde o surto de covid-19 no Peru. Além disso, há três casos que ainda estão sendo investigados para determinar se ocorreram em um contexto de defesa de direitos humanos. Em registro processado até 26 de abril de 2022, o Ministério da Justiça indica que recebeu 31 pedidos para acionamento do mecanismo, dos quais 23 foram aceitos, 5 foram descartados e 3 estão em estudo. O diretor geral do escritório de Direitos Humanos da região, Edgardo Rodríguez, disse à Mongabay que a maioria dos pedidos de ativação do mecanismo vem de defensores ambientais e indígenas. Também chegaram a seu escritório 19 alertas de risco iminente.
O objetivo do mecanismo é eliminar o perigo de ataque aos defensores por meio da intervenção de todos os setores envolvidos. Depois do registro de alerta, a análise deve ser feita em um prazo de 15 dias para determinar se existe de fato uma situação de risco e se é necessária a ativação da ferramenta para que a pessoa receba proteção ou, se necessário, seja transferida. Edgardo Rodríguez, no entanto, explica que se o caso for grave, seu gabinete avisa imediatamente a polícia e monitora a situação até que seja resolvida. “Mas muitas vezes não temos apoio para o acompanhamento, alguém no local para nos dizer se a polícia chegou ou não”, diz o funcionário.
O assessor legal da DAR sustenta que o Ministério da Justiça não dispõe de pessoal nem de capacidade econômica para responder a situações que exijam esforços imediatos para o monitoramento ou o acompanhamento dos processos. E isso, acrescenta, se traduz no não cumprimento de prazos. A Divisão de Direitos Humanos do Ministério da Justiça informou à Mongabay que quatro pessoas compõem a equipe de coordenação do mecanismo e que o orçamento anual alocado é de cerca de 200 mil soles peruanos (cerca de US$ 53.500). Devido à pandemia, os fundos que o escritório tinha para viagens e outros esforços foram suspensos. Hoje, recorre-se à cooperação internacional, organizações não governamentais e ministérios vinculados à execução do mecanismo para esses fins. “Se o Estado está comprometido com a proteção, deve alocar recursos para trabalhos como esse”, afirma Mar Pérez.
Outro problema que Carlos Quispe, da DAR, menciona é que o mecanismo está voltado apenas para os defensores, e as estratégias de intervenção do Ministério da Justiça se reduzem a conceder garantias pessoais ao envolvido ou seu deslocamento da comunidade. “O problema subjacente não está sendo resolvido. Um líder indígena é quem recebe a ameaça, mas o risco pode recair sobre qualquer membro da comunidade ou mesmo sobre o grupo inteiro”, explica o especialista. Quispe ressalta ainda que até o momento não há um protocolo de atuação da polícia no âmbito do mecanismo.
O diretor Edgardo Rodríguez afirma que uma das prioridades de seu escritório é consolidar uma estratégia preventiva que envolva a participação de aliados nas comunidades, ou seja, uma rede de atores locais que possam denunciar o que está acontecendo em suas localidades. “E não só nós, mas também o Ministério Público, a polícia e o governo regional correspondente”, acrescenta. A Divisão de Direitos Humanos do Ministério da Justiça aponta que essa rede seria formada por pelo menos 10 aliados das comunidades da Amazônia e da região andina. Porém, para concretizar esse projeto, o diretor reconhece que ainda é preciso obter mais recursos. Sua equipe está se trabalhando para isso.
“O Estado não está presente na região, não conhece os atores, estamos retraídos. A estratégia preventiva vai ter que ser com as comunidades”, comenta Rodríguez.
Até o momento, são 171 defensores que constam como pessoas em perigo, junto com seus familiares, no Cadastro de Situações de Risco para Defensores de Direitos Humanos. Com relatórios obtidos até 4 de março de 2022, o Ministério da Justiça elaborou uma tabela detalhando o tipo de ataque ou ameaça contra os defensores incluídos no cadastro. Os números dos ataques ou atentados somam mais de 171 porque alguns dos casos incluem mais de um evento violento. Assim, são registradas 148 ameaças à segurança pessoal e familiar; 52 agressões (físicas, sexuais ou psicológicas); 26 casos de destruição de bens ou meios de subsistência; 9 tentativas de homicídio; 8 difamações ou ataques à honra; 7 casos de assédio e hostilização; e 4 estigmatizações ou mensagens de ódio.
Em meio às tarefas pendentes de uma ferramenta que não foi totalmente consolidada, a onda de violência continua invadindo as comunidades.
Imagem do banner: Os processos de 171 defensores foram incluídos no Cadastro de Situações de Risco do Ministério da Justiça. A maioria dos pedidos de proteção são de membros de comunidades indígenas. Foto: Enrique Vera.
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Nota do editor: A Mongabay Latam recebeu financiamento da ONG holandesa Hivos – Todos os Olhos na Amazônia para realizar uma série de artigos sobre a situação dos povos indígenas no Peru, Equador e Brasil. As decisões editoriais são tomadas de forma independente e não com base no apoio dos doadores.