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Pacto aposta na regeneração natural para reflorestar 15 milhões de hectares da Mata Atlântica

  • Com 1 milhão de hectares de mata restaurada, o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica pretende recuperar 2 milhões de hectares até 2025 e 15 milhões de hectares até 2050, de acordo com mapeamento que aponta áreas prioritárias do bioma.

  • Uma das apostas do Pacto são as áreas com alto poder de regeneração natural, para diminuir os custos da restauração. Já o reflorestamento por plantio de mudas é uma alternativa para fomentar a cadeia de empregos em grandes propriedades de terra.

  • Em parceria com 300 proprietários rurais, a Associação Ambientalista Copaíba, membro do Pacto, plantou 700 mil mudas em 600 hectares e já produziu mais de 3 milhões de mudas em seu viveiro.

  • Para participantes do Pacto, a equidade de gênero é um aspecto a ser monitorado em projetos de restauração; participação das mulheres tem aumentado.

Aos 6 anos de idade, Ludmila se mudou com a família para o nordeste do estado do Amazonas. Seu pai era geólogo e foi trabalhar na construção da Usina Hidrelétrica de Balbina na década de 1980. Foi naquela época que a menina entrou num igarapé e tomou seu primeiro banho de floresta. Hoje, Ludmila Pugliese de Siqueira, coordenadora nacional do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e gerente de restauração da Conservação Internacional (CI-Brasil), diz que está na sua conta restaurar o que o pai ajudou a deixar debaixo d´água.

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica pretende reflorestar 15 milhões de hectares até 2050. O número veio de uma análise de áreas potenciais para restauração florestal, publicada em 2011, que identificou trechos prioritários do bioma, entre eles Áreas de Preservação Permanente (APP), Reservas Legais, zonas próximas a Unidades de Conservação e regiões com ocorrência de espécies endêmicas ou ameaçadas, além de territórios com baixa aptidão para a agropecuária.

Com base em imagens de satélite, um artigo publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation mostra que, entre 2011 e 2015, cerca de 740 mil hectares de Mata Atlântica foram restaurados no Brasil. Até 2020, o Pacto estima já ter alcançado 1 milhão de hectares, atendendo ao compromisso estabelecido com o Desafio de Bonn, que foi lançado em 2011 pelo governo da Alemanha e pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) com metas globais de restauração. Até 2025, ano que representa a metade da Década de Restauração de Ecossistemas da ONU, o Pacto tem como objetivo dobrar o número da restauração da Mata Atlântica para 2 milhões de hectares.

“Para 15 milhões de hectares, a gente sabe que falta muito. Mas, acreditamos que essa vai ser uma curva exponencial”, diz Ludmila. “Isso é uma projeção que a gente faz, pensando que, quanto mais reflorestado estiver um ambiente, mais facilmente vai acontecer a regeneração natural. Ou seja, quanto maior a matriz florestal, mais a gente vai ter esse potencial de regeneração”.

Viveiro de mudas em Socorro (SP), projeto da Associação Ambientalista Copaíba, um dos membros do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. Foto: Associação Ambientalista Copaíba/divulgação

Diminuir custos

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica surgiu em 2009 e congrega 300 membros, entre eles ONGs, institutos de pesquisa, empresários, órgãos públicos e proprietários de terra. O movimento apoia a restauração florestal nos 17 estados brasileiros que abrigam a Mata Atlântica, colaborando com referenciais teóricos sobre restauração, identificando áreas estratégicas e auxiliando no monitorando aspectos ambientais, sociais e econômicos da restauração.

Focar em áreas com alto poder de regeneração natural para diminuir os custos da restauração é uma das apostas do Pacto, caminho que já havia sido apontado como eficaz para as florestas tropicais em um estudo de dezembro de 2021, que teve entre seus autores Pedro Brancalion, vice-coordenador do movimento.

“O Pacto tem focado muito nessas áreas com alto potencial de regeneração natural porque um dos gargalos que a gente tem na restauração é o custo com mão de obra, sementes e insumos que vêm de fora”, diz Ludmila. “Então, quando a gente consegue identificar essas áreas, elas normalmente são áreas prioritárias para atuar e baratear os custos”.

Trecho regenerado naturalmente em área do estado de São Paulo estabelecida como prioritária pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. Foto: WWF/divulgação

Por questões históricas de ocupação do solo, a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil, concentrando cerca de 70% da população e do PIB nacional. Segundo a SOS Mata Atlântica, restam apenas 12,4% da floresta original.

“Por um lado, a gente tem mais dificuldade de ter a regeneração natural por causa do nível de degradação”, explica Ludmila. “Por outro lado, a gente tem um maior desenvolvimento da cadeia da restauração na Mata Atlântica porque a restauração no Brasil começou na Mata Atlântica. A Floresta da Tijuca [no Rio de Janeiro] foi historicamente o primeiro local onde se fez restauração.”

Segundo o Pacto, a regeneração natural é uma boa estratégia para as Unidades de Conservação e para os pequenos proprietários, que podem agregar o sistema agroflorestal (SAF). Para os grandes proprietários de terra, o plantio total com aumento mais rápido da vegetação pode ser a alternativa certa para fomentar a cadeia de empregos da restauração.

Em parceria com o MapBiomas, o movimento conta com um sistema de monitoramento online para visualizar os remanescentes florestais e as áreas em processo de recuperação.

Plantio de mudas para reflorestamento em área prioritária do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. Foto: WWF/divulgação

Cicatrizar o rio

Para seguir adiante com os objetivos de restauração, o Pacto conta com membros que alavancam projetos locais de reflorestamento. É o caso da Associação Ambientalista Copaíba, batizada em homenagem a uma árvore (Copaifera langsdorffii) utilizada para aliviar inflamações, graças a suas propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e cicatrizantes.

“A gente deu o nome de uma árvore da mata ciliar para a instituição que tinha como objetivo fazer esse trabalho de recuperação do rio”, conta Flávia Balderi, secretária executiva e uma das fundadoras da Associação Ambientalista Copaíba. “A gente fundou a Copaíba para começar a plantar nas margens do Rio do Peixe com o objetivo de mudar a situação ambiental de Socorro e depois esse sonho cresceu e se ampliou para a bacia do Camanducaia”.

Criada em setembro de 1999 em Socorro, interior do estado de São Paulo, por quatro adolescentes que começaram a questionar a cor barrenta do Rio do Peixe, a Copaíba – membro do Pacto e também do Conservador da Mantiqueira – atua hoje em 19 municípios com o objetivo de restaurar a mata ciliar e Mata Atlântica da bacia hidrográfica do Rio Camanducaia (sub-bacia do Rio Piracicaba) e da bacia hidrográfica do Rio do Peixe (sub-bacia do Rio Mogi-Guaçu), localizadas no sul de Minas Gerais e leste de São Paulo, com abrangência de 281 mil hectares.

Em parceria com 300 proprietários rurais, já foram plantadas cerca de 700 mil mudas em 600 hectares que estão em processo de restauração. “O nosso viveiro já produziu mais de 3 milhões de mudas, não só para os nossos projetos, mas também a gente comercializa as mudas e isso ajuda a manter o trabalho institucional”, diz Flávia.

Entre as 130 espécies produzidas no viveiro para a restauração está a própria copaíba, árvore que atrai abelhas, contribuindo com os projetos de meliponicultura na região, que foi historicamente submetida a ciclos econômicos agropastoris e conta apenas com 17% da vegetação nativa.

Rio do Peixe, em Socorro (SP), em 2005, antes do projeto de reflorestamento, e em 2020. Foto: Associação Ambientalista Copaíba/divulgação

Mulheres na restauração

Desde a gerência do viveiro até a secretaria executiva, a Copaíba é constituída predominantemente por mulheres. “O fato de eu e a Ana, que é minha irmã, sermos fundadoras da Copaíba e estarmos à frente do trabalho institucional proporcionou que outras mulheres se aproximassem do trabalho e estivessem na liderança”, diz Flávia. “O diferencial da Copaíba é que as mulheres não estão só na produção, mas também na liderança da restauração, do viveiro, da comunicação e do financeiro.”

Também no campo a participação das mulheres vem aumentando. “A gente percebe o aumento do número de proprietárias mulheres que estão tomando a decisão pela propriedade, estão querendo fazer a restauração”, diz Flávia.

Autora de um artigo que sugere a equidade de gênero como um dos aspectos a serem monitorados em projetos de restauração, Ludmila diz que “o homem está mais focado na produtividade da propriedade e as mulheres têm interesse na perpetuidade das condições ambientais, em ter uma propriedade que seja saudável, em permitir a quantidade e qualidade de água e a segurança alimentar”.

“Ter inclusão e diversidade é fundamental. A heterogeneidade faz parte do processo da natureza e todas as instituições deveriam se beneficiar disso. Também é importante que a restauração siga esses modelos naturais”, conclui Ludmila, que pesquisa a perspectiva de gênero na restauração.

Na Associação Ambiental Copaíba, o desejo de cicatrizar a mata ciliar persiste. “O trabalho de recuperar os 600 hectares de mata que a gente fez até agora é muito pequenininho perto do tamanho da degradação que a gente encontra na Mata Atlântica como um todo e nessa região também”, diz Flávia. “Ainda está no nosso sonho mudar a cor do Rio do Peixe.”

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Imagem do banner: Plantio de mudas em viveiro do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. Foto: WWF/divulgação

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