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Líder do povo Shuar é perseguido desde 2016 por se opor à mineração no sul do Equador

  • O equatoriano José Esach é um indígena Shuar e um dedicado defensor do meio ambiente. Ele foi perseguido em 2016 por se opor à mineração e teve que se esconder por dois anos. Em 2021, foi novamente incriminado por fazer frente à nova exploração de mineração em sua comunidade.

  • Seu advogado acredita que a presença de mineradoras em território Shuar alimenta o risco que Esach enfrenta. Apesar disso, desde 2021 Esach é presidente do Comitê de Defesa Territorial da Reserva Florestal Kutukú-Shaimi, uma área que abriga grande biodiversidade e já apresenta 58% de sua extensão sob algum tipo de concessão.

*Esta reportagem foi realizada pela aliança jornalística entre a Mongabay Latam e a revista digital La Barra Espaciadora, do Equador.

José Esach é sorrateiro como uma onça. Ele fala devagar, em tom suave e doce, mas seus amigos o respeitam e seus adversários o temem. Na província de Morona Santiago, no sul da Amazônia equatoriana, criou-se um mito em torno desse homem corpulento e de 1,75 metro de altura: que ele é corajoso, está armado até os dentes e não tem medo de puxar o gatilho. Nelly Wampash, sua esposa, ri e explica que o mito foi alimentado por familiares e amigos para espantar quem buscava a recompensa por sua captura. O Ministério Público Municipal de Gualaquiza apontou Esach como uma das pessoas mais procuradas da província por sua participação no caso Nankints, quando em 2016 um grupo de indígenas Shuar ocupou, em ato de resistência, o acampamento do projeto de mineração San Carlos Panantza, sob concessão da empresa chinesa Explorcobres S.A. (EXSA). Apesar desses eventos terem ocorrido há seis anos, as ameaças contra sua vida continuam latentes.

“Sou um homem da floresta desde pequeno”, conta José Esach numa manhã de maio de 2022, em sua casa. Ele vive numa construção de madeira na comunidade Yaap, a 20 quilômetros da fronteira com o Peru e onde o calor parece ter encontrado refúgio. Trata-se da comunidade mais ao leste de Morona Santiago, a cerca de 12 horas de carro de Quito e muito perto da fronteira. Esach, que completa 46 anos este mês, aprendeu a caçar e pescar quando criança, sabe fazer zarabatanas e lanças e já percorreu as cordilheiras do Kutukú e do Cóndor a pé. Ele é um homem “muito enraizado nos costumes”, afirma sua esposa.

Além disso, José é o primeiro presidente do Comitê de Defesa Territorial da Reserva Florestal Kutukú-Shaimi, criado em 17 de maio de 2021. A floresta ocupa 311.500 hectares e está localizada na Cordilheira do Kutukú, um braço da Cordilheira dos Andes. “Estamos falando de uma das áreas de maior biodiversidade do Equador, um dos hotspots de biodiversidade do mundo”, destaca Paola Maldonado, geógrafa da Fundação Aldeia e integrante do Consórcio Ticca no Equador, uma organização não governamental que apoia povos indígenas e comunidades tradicionais. Foram registradas na região 480 espécies de aves, 51 de mamíferos, 81 de anfíbios e 41 de répteis. Por isso, o Estado equatoriano a declarou Reserva Florestal em 1990.

José Esach no abandona su lucha ambiental. Es el primer presidente del Comité de Defensa Territorial del Bosque Protector Kutukú Shaimi, creado el 17 de mayo de 2021. Armando Prado.
José Esach não abandona a luta ambiental. É o primeiro presidente do Comitê de Defesa Territorial da Reserva Florestal Kutukú-Shaimi, criado em 17 de maio de 2021. Foto: Armando Prado.

No entanto, o próprio Estado delineou mais de 50 áreas sob concessão para mineração na região, as quais se sobrepõem a 58% da superfície da floresta, segundo dados de Carlos Mazabanda, coordenador do Programa Todos os Olhos na Amazônia, uma iniciativa que busca frear o desmatamento e a degradação da Floresta Amazônica por meio da defesa dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Ainda segundo Mazabanda, nenhuma dessas concessões cumpriu o mandato constitucional de consulta prévia, livre e informada. “Essas concessões preveem o desenvolvimento de projetos de mineração de grande porte, atualmente operados pela mineradora EcuaSolidus S.A., subsidiária da canadense Aurania Resources, e estão em fase avançada de exploração”, diz um relatório para uso interno do programa. Os indígenas Shuar criaram o Comitê com o objetivo de combater o avanço da mineração na floresta, que eles preservam há cerca de sete mil anos. Essa é, precisamente, a principal bandeira de combate de José Esach.

Um dos mais procurados

Em 2016, a resistência antimineração fez de Esach uma das pessoas mais procurados pelo Ministério Público do Município de Gualaquiza, onde se localizava a comunidade Nankints do povo Shuar, obrigando-o a caminhar sem comida e sem provisões por várias semanas pelas matas das cordilheiras de Kutukú e Cóndor. Depois, teve que viver escondido na floresta por dois anos. Alejandra Yépez, coordenadora de comunicação da ONG Amazon Watch Ecuador, reconhece a força espiritual que Esach teve para enfrentar essa perseguição, e também dá crédito à sua esposa, que o apoiou mesmo sendo perseguida.

Tudo começou assim: em 11 de agosto daquele ano, Nankints, uma comunidade de 11 famílias indígenas Shuar, foi violentamente despejada para dar lugar à mineradora chinesa Explorcobres S.A. (EXSA). “Em Nankints, as casas foram destruídas, desapareceram com elas, passaram o trator por cima e ainda montaram acampamentos, agora [para] a empresa”, conta José Esach. Os líderes Shuar denunciaram o abuso em diferentes instâncias, até mesmo para a ONU, mas ninguém ofereceu nenhuma solução para o drama social que viviam. “Me convidaram para fazer pressão, analisar, dialogar, estabelecer prazos para que se retirassem, mas nunca nos escutaram”, lembra o líder. Desde os 19 anos envolvido na luta pelos direitos ambientais, Esach já ocupou diferentes cargos de gestão em nível comunitário e participou de organizações da sociedade civil. Em 20 de novembro de 2016, várias dezenas de Shuar assumiram o controle de La Esperanza, o acampamento da mineradora em Nankints. Porém, de madrugada, foram surpreendidos por policiais e militares que os expulsaram.

Nelly Wampash, esposa de José Esach fue uno de sus principales apoyos durante los dos años de persecución. Foto: Armando Prado.
Nelly Wampash, esposa de José Esach, foi uma de suas principais apoiadoras durante os dois anos de perseguição. Foto: Armando Prado.

“O acampamento está localizado em terreno adquirido pela empresa há vários anos, e suas atividades foram reiniciadas recentemente, quando ações judiciais da empresa, depois de anos de litígio, permitiram às autoridades competentes ordenar o despejo de invasores ilegais”, declarou a empresa EXSA à agência de notícias AFP por meio de comunicado oficial. No entanto, o povo Shuar reivindica seu direito de posse sobre a terra ancestral, que, segundo eles, lhes foi retirada por diferentes processos colonizadores, como a Reforma Agrária de 1950.

Em 14 de dezembro do mesmo ano, o povo Shuar voltou a La Esperanza, mas dessa vez encontraram dezenas de policiais e militares armados. “Essa foi a pior parte. Vidas foram perdidas ali”, lamenta Esach. No confronto, um policial morreu e, diante do ataque da força pública, os Shuar fugiram.

Fuente de agua en el bosque amazónico de la provincia de Morona Santiago. Foto: Armando Prado.
Cachoeira na Floresta Amazônica da província de Morona Santiago. Foto: Armando Prado.

Esach pulou no Rio Zamora com a ajuda de uma corda que usou como cipó. “A coisa ficou feia. O governo [de Rafael Correa] decretou Estado de Exceção por 60 dias e nos colocaram [entre] as pessoas mais procuradas, havia até recompensa [pela captura]”, relata.

Nessa mesma época, Esach foi chamado para testemunhar pela morte do policial. “A atuação do Ministério Público foi curiosa, porque não havia processos abertos contra certas pessoas, apenas as chamavam para depor”, explica Tarquino Cajamarca, ex-defensor público de Morona Santiago e agora advogado de Esach. Ou seja, quando os convocados a depor compareciam, seu depoimento era usado para abrir um processo legal e solicitar sua prisão.

No total, 31 processos foram abertos para o caso Nankints, mas, segundo Cajamarca, o Ministério Público não conseguiu coletar provas e os processos foram fechados. Atualmente, há um julgamento ativo no caso, no qual 11 pessoas, incluindo o líder Luis Tiwiriam, foram acusadas de ataque e resistência. O advogado realizou os procedimentos para que os réus recebessem anistia, argumentando que suas ações eram uma resposta à necessidade de resistir e repudiar as operações de mineração sem consulta prévia, mas o pedido ainda aguarda a decisão de um juiz. José Esach acredita que o risco que enfrenta não acabará enquanto as mineradoras permanecerem em território Shuar e enquanto o Estado agir para defendê-las em detrimento de sua comunidade.

Dois anos de perseguição

Depois que José Esach entrou na lista dos mais procurados, embrenhou-se na floresta da Cordilheira do Cóndor. Ele caminhou por duas semanas pelas montanhas e conta que sobreviveu bebendo a água pura que brota da cordilheira. “É por isso que ele diz que água é vida. Você pode não comer, não ter uma cama, mas se tiver água, consegue viver”, garante sua esposa Nelly Wampash. Após dias de travessia, chegou à comunidade Maikiuants do povo Shuar, onde o ajudaram e o alimentaram, e então continuou com sua viagem improvisada.

Naquela época, Nelly Wampash e Alejandro, seu filho, agora com 12 anos, moravam em Sevilla Don Bosco, uma comunidade nos arredores de Macas, capital da província de Morona Santiago. Wampash, que faz artesanato Shuar, começou a receber visitas de pessoas se passando por clientes e perguntando sobre seu marido. Ela tentou agir com calma, mas a tensão era crescente.

En el 2021 José Esach fue criminalizado nuevamente por oponerse a la minería. Foto: Armando Prado.
Em 2021, José Esach foi novamente incriminado por fazer frente à mineração. Foto: Armando Prado.

No final de 2016, Esach chegou à mata localizada a cerca de 200 metros daquela casa para ficar perto de sua família. “Eu mesma quase morri, porque achava que iam descobrir, sentia que todo mundo estava olhando, como se tivesse uma câmera me seguindo o tempo todo”, conta a mulher. O líder se instalou na floresta com uma tenda de plástico e dormiu em uma rede por quatro dias. Wampash deixava comida para ele apenas à noite e guardou segredo até o momento em que Esach teve que sair novamente.

Na última noite, Alejandro veio se despedir de seu pai, que começaria um longo caminho, agora atravessando a Cordilheira do Kutukú. “Meus filhos são a razão da minha luta. Por eles eu dou a minha vida e por eles vou deixar este mundo. Mas eles vão ficar no nosso território, sem eles não há existência possível”, diz Esach, que tem outros cinco filhos já adultos.

Depois de caminhar cinco dias mata adentro, o líder Shuar chegou a Yaap, sua comunidade natal, e permaneceu escondido por dois anos em uma cabana no meio da floresta. Durante esse tempo, Nelly Wampash sofreu assédio e perseguição daqueles que queriam descobrir o paradeiro de seu marido. Mas ela não cedeu, pois temia nunca mais vê-lo, como aconteceu com a família de José Tendetza. Líder Shuar, Tedetza foi assassinado em 2014 por lutar contra a mineração em Tundayme, comunidade localizada a 100 km em linha reta ao sul de Yaap.

A perseguição aos poucos foi diminuindo. Tarquino Cajamarca explica que isso se deve à mudança de governo. Segundo ele, quando Rafael Correa deixou o poder em maio de 2017, a perseguição aos defensores ambientais diminuiu e a proteção policial e militar que a empresa tinha também foi reduzida. Ao mesmo tempo, embora seja verdade que a EXSA retomou o controle do acampamento, suas operações estão paralisadas desde 2016 devido a constantes confrontos com os habitantes locais.

Agora José Esach vive no centro de Yaap, junto com sua família, e voltou a ser um líder ativo e de destaque. “Mas não estou livre dos problemas territoriais, sempre há tentativas de [extrativismo]”, afirma.

José Esach con su familia. Foto: Armando Prado.
José Esach com sua família. Foto: Armando Prado.

A ameaça da mineração se aproxima novamente

Em janeiro de 2021, Esach foi novamente incriminado, mas dessa vez por expulsar, com o apoio de sua comunidade, a empresa mineradora EcuaSolidus. É que, em fevereiro de 2017, o governo de Rafael Correa entregou 42 licenças de exploração para a empresa. O povo Shuar rebate a acusação apontando que as licenças novamente foram concedidas sem cumprir o mandato constitucional de consulta prévia.

O projeto Ciudades Perdidas – Cutucú, da EcuaSolidus, “consiste em uma floresta contígua a 42 licenças de exploração minerária, que se estendem de norte a sul por 92 km e de leste a oeste por mais de 45 km em sua dimensão mais ampla. Cada licença abrange uma área entre 4.869 e 4.950 hectares. No total, as propriedades ocupam uma superfície de 20.764 hectares”, segundo o relatório técnico publicado no site da Aurania Resources. O documento ainda indica que a exploração se concentra em jazidas de ouro, prata, cobre, molibdênio e pórfiro — um tipo de rocha utilizada na construção civil.

Na Reserva Florestal Kutukú-Shaimi vivem cerca de 8 mil pessoas, organizadas em três associações Shuar e compostas por 22 comunidades. Uma delas é a Yaap, comunidade natal de Esach. Em 2018, após a oficialização das concessões, representantes da empresa chegaram ao local para fazer estudos e conquistar os moradores locais com presentes e promessas, conta Esach. “Percebemos que eles estavam ganhando adesão de muitos elementos nossos [membros da comunidade]. Fomos ameaçados e nos organizamos. Para nós, o território é a nossa casa compartilhada, é o nosso habitat, é o que nos dá tudo”, afirma o líder.

Al fondo se aprecia la comunidad de Yaap, donde vive el líder shuar José Esach. Foto: Armando Prado.
Vista da comunidade Yaap, onde mora o líder José Esach. Foto: Armando Prado.

Há cerca de dois anos, as três associações Shuar realizaram assembleias e reuniões nas quais rejeitaram a mineração e estabeleceram ações para impedir a entrada de funcionários da empresa — por exemplo, o controle de vias de acesso. As associações emitiram resoluções proibindo a entrada da empresa, mas nem todos na comunidade cumpriram com o acordo, diz Esach. O líder acrescenta que os documentos eram divulgados através das redes sociais para que os trabalhadores da EcuaSolidus também fossem informados.

José Esach, um dos personagens de maior destaque da resistência, foi acusado em janeiro de 2021, junto com outras 15 pessoas, de paralisar os serviços públicos por meio do fechamento de estradas.

“Há uma tentativa de desmobilizar a luta e a resistência criminalizando os indivíduos de maior destaque”, argumenta o advogado Tarquino Cajamarca. O fundamento do pedido de anistia que está tramitando atualmente, explica, foi demonstrar que houve perseguição de certas pessoas em um contexto de resistência coletiva, “violando o artigo 57 da Constituição, que determina a consulta prévia, livre e informada nos casos de exploração de recursos não renováveis em territórios indígenas.

No dia 17 de maio de 2021, a comunidade Yaap finalmente expulsou EcuaSolidus de seu território. Um pequeno avião pousou na pista da comunidade Yaap com um representante da empresa, dois técnicos e Mesías Nayap, representante da região de Logroño, à qual pertence a comunidade Shuar.

A comunidade convocou as autoridades estaduais, entre elas a então governadora Adriana Jaramillo, para garantir que EcuaSolidus não voltasse a atuar no território. Segundo Esach, Jaramillo assinou um documento, junto com um representante da empresa de aviação comercial que chegou com os passageiros da mineradora, comprometendo-se a não transportar pessoal ou equipamentos da empresa para o local. “Esperamos que o acordo seja respeitado, embora saibamos que não é suficiente. Pelo que ouvimos até agora, eles retornarão quando terminarem as análises pendentes”, acrescenta o líder.

Durante uno de los días de persecución Nelly Wampash le llevaba comida a escondidas a José Esach. Foto: Armando Prado.
Durante os dias de perseguição, Nelly Wampash secretamente levava comida para José Esach. Foto: Armando Prado.

Desde aquele episódio a empresa não retornou ao território, mas a comunidade teme possíveis represálias tendo em vista experiências anteriores. A EcuaSolidus decidiu não comentar o desentendimento entre seus funcionários e os membros da comunidade, mas a Aurania Resources Ltda. segue divulgando suas descobertas em solo Kutukú através de suas redes sociais. “A Aurania informa que foi descoberto um nível elevado de #prata-zinco em um afloramento de 2,7 quilômetros em Tiria-Shimpia”, publicou a empresa em sua conta no Twitter, no dia 21 de maio de 2021, quatro dias após o incidente.

Além disso, há pouco tempo, no dia 6 de maio, a Aurania Resources retuitou uma postagem do Ministério da Produção do Equador que dizia: “O ministro @pradojj e a vice-ministra @lorenakonanz receberam Keith Barron, diretor executivo da Aurania Resources, geólogo com mais de 38 anos de experiência, que apresentou suas intenções de investimento no setor de mineração”. Esse tipo de mensagem é o que aumenta o medo de Esach e da comunidade Yaap em relação à volta de atividades de mineração em seu território.

Embora o caso de fechamento de estradas já esteja arquivado e os envolvidos no caso de Nankints talvez recebam anistia, as ameaças continuam latentes. “Não importa quando, os defensores sempre serão perseguidos pelo governo, pelas empresas, pelas autoridades que defendem as empresas”, afirma o advogado Cajamarca.

Imagem do banner: José Esach esteve escondido na floresta de Morona Santiago entre 2016 e 2018. Foto: Armando Prado.

Nota do Editor: A Mongabay Latam recebeu financiamento da ONG holandesa Hivos – Todos os Olhos na Amazônia para realizar uma série de artigos sobre a situação dos povos indígenas no Peru, Equador e Brasil. As decisões editoriais são tomadas de forma independente e não com base no apoio de doadores.

 

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