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Investigação liga cadeia de fornecimento de frango na Europa a abusos aos direitos indígenas no Brasil

  • Nova investigação estabeleceu uma ligação entre as redes de supermercados, fast food e marcas de comida para pets da Europa com a fazenda Brasília do Sul, de 9.700 hectares, que se tornou sinônimo de abusos aos direitos indígenas no Mato Grosso do Sul.

  • Brasília do Sul abrigava um grupo de indígenas Guarani-Kaiowá, que foi expulso à força nos anos 1950 para abrir caminho ao desenvolvimento agrícola.

  • De acordo com o relatório, a gigante do fast food KFC e os supermercados Sainsbury’s, Asda, Aldi e Iceland, no Reino Unido, bem como a ração para animais vendidas na Alemanha pelas redes Lidl, Aldi, Netto, Edeka e outras grandes varejistas, são fabricadas com o frango alimentado pela soja produzida pela Brasília do Sul.

  • Delara Burkhardt, relatora-sombra do Grupo de Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, disse que as descobertas da reportagem mostram por que a UE precisa de regras contra o desmatamento “importado” e pediu que o consentimento livre, prévio e informado para o uso e conversão das terras faça parte da futura norma anti-desmatamento da UE.

Nos anos 1950, um grupo de indígenas Guarani-Kaiowá que vivia na comunidade de Takuara, no Mato Grosso do Sul, foi expulso à força da terra em que vivia há séculos para abrir caminho para o desenvolvimento agrícola.

Hoje, Takuara é conhecida como Brasília do Sul, uma fazenda de 9.700 hectares que se tornou sinônimo de abusos aos direitos indígenas no Brasil.

De acordo com uma nova investigação, Brasília do Sul é hoje uma grande produtora de soja e fornecedora do grão para grandes cooperativas e redes, entre elas a Lar Cooperativa Agroindustrial, uma das maiores produtoras de carne de frango do Brasil.

A investigação foi realizada pela Earthsight, um grupo ambientalista com sede em Londres, e o De Olho nos Ruralistas, que monitora o agronegócio no Brasil.

A companhia Westbrigde Foods, com sede no Reino Unido, foi indentificada como uma das maiores compradoras de frango marinado congelado da Lar e é fornecedora de produtos de frango para a gigante de fast food KFC e para as redes de supermercados Sainsbury’s, Asda, Aldi e Iceland, entre outros.

Entre 2018 e 2021, a Westbridge importou mais de 37 mil toneladas de frango marinado e congelado da Lar – cerca de um terço da quantidade que a empresa brasileira enviou aos EUA e ao Reino Unido durante o período.

Em resposta a perguntas feitas pelos investigadores em relação às descobertas da reportagem, tanto a Aldi quanto a Asda negaram que o frango fornecido pela Westbridge tenha qualquer ligação com Brasília do Sul, enquanto a Sainsbury’s declarou que o frango fornecido a eles não vem da Lar. Sainsbury’s e Aldi disseram que investigariam o assunto junto à Westbridge, acrescentando que estão comprometidos com o respeito aos direitos humanos em suas redes de fornecimento e buscando fornecedores de soja sustentável.

Mas as companhias do Reino Unido não são as únicas que foram ligadas a Brasília do Sul. Registros obtidos pela Earthsight e o De Olho nos Ruralistas mostram que o maior cliente europeu para os produtos de frango para ração animal é a Paulsen Food, com sede em Hamburgo, que comprou cerca de 14 mil toneladas de produtos entre 2017 e 2021. A Paulsen Food é fornecedora de produtos de frango para a Saturn Petcare e a Animonda Petcare, que fornecem ração animal para algumas das maiores varejistas da Alemanha.

A Mongabay entrou em contato com a Westbridge e a Paulsen, mas não recebeu uma resposta até o momento da publicação.

“Essas descobertas reforçam a necessidade de uma nova legislação secundária à Lei Ambiental do Reino Unido que inclua, da forma mais ampla possível, a proteção dos direitos indígenas à terra e abranja commodities chave, incluindo a soja e os frangos alimentados com soja”, diz Rubens Carvalho, chefe de pesquisa sobre desmatamento da Earthsight.

Em novembro passado, a Lei Ambiental do Reino Unido foi aprovada pelo Parlamento. A intenção é banir o uso de commodities ligadas ao desmatamento nas atividades comerciais do país quando entrar em vigor nos próximos cinco anos, mas não trata diretamente das violações aos direitos humanos associadas ao desmatamento.

Imagem: Earthsight/De Olho nos Ruralistas

Catástrofe ecológica

A Comissão Europeia também apresentou uma proposta de uma nova regulação para impedir o desmatamento e a degradação. Contudo, embora a proposta inclua a soja, ela não inclui o frango, permitindo que os importadores fiquem livres da obrigação de monitoramento.

“O caso dos Guarani-Kaiowá revelado por essa reportagem infelizmente ilustra por que precisamos que a UE estabeleça normas contra o desmatamento importado com urgência, não só pela natureza, mas também pelas pessoas. A grilagem e as violações aos direitos de propriedade, especialmente dos povos indígenas, são práticas comuns para conquistar teras para a produção agrícola – e também para os mercados europeus”, disse Delara Burkhardt, relatora-sombra do grupo dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu.

“É uma catástrofe ecológica e uma tragédia humana.”

Repressão

Burkhardt pediu que o direito internacionalmente reconhecido ao consentimento livre, prévio e informado para o uso e conversão das terras integre a futura legislação de combate ao desmatamento da UE.

Após a aquisição da Takuara pelo barão do gado Jacintho Honório da Silva Filho em 1966, os Guarani-Kaiowá fizeram inúmeras tentativas de reconquistar o acesso às suas terras ancestrais, sem sucesso.

“As tentativas dos Guarani-Kaiowá para recuperar suas terras foram brutalmente reprimidas, inclusive por meio de violentas expulsões e o uso agressivo dos tribunais para impedi-los”, diz a reportagem.

Em 2003, o líder Kaiowá Marcos Veron foi espancado até a morte quando trabalhadores da Brasília do Sul e pistoleiros contratados atacaram o acampamento que os indígenas tinham montado no território em disputa. Contudo, embora três pessoas tenham sido condenadas pelo ataque, ninguém jamais foi sentenciado pelo assassinato.

“Os direitos constitucionais dos Guarani-Kaiowá continuam sendo ignorados por um governo hostil, pela desigualdade no sistema judiciário e poderosos interesses de latifundiários”, disse a Earthsight.

O incidente de 2003 não foi o último ataque violento que o povo Guarani-Kaiowá enfrentaria. De acordo com a reportagem, o grupo expandiu a área que estava ocupando na Takuara de 300 para mais de 1.500 hectares. Isso resultou em seis noites consecutivas de ataques armados e um “cerco incansável feito por homens armados” em fevereiro do mesmo ano. Embora um juiz federal tenha ordenado a remoção da comunidade, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria Geral da República decidiram contra a expulsão dos Guarani-Kaiowá para evitar derramamento de sangue.

O povo Kaiowá de Takuara ainda espera pela resolução final do caso.

“O destino da comunidade depende de o governo federal cumprir a Constituição e garantir aos Guarani-Kaiowá os direitos exclusivos sobre suas terras ancestrais”, observa a reportagem.

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Imagem do banner: Dona Miguela, anciã da TI Guyraroká, em Caarapó (MS). Christian Braga/Farpa/Comisión Interamericana de Derechos Humanos.

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