Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação são as áreas que mais contribuíram com a preservação e regeneração da Amazônia Legal nos últimos anos, aponta artigo.
Entre 2005 e 2012, a taxa média de perda de vegetação nativa dentro das Terras Indígenas foi 17 vezes menor do que em áreas não protegidas; em Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação, a taxa foi 6 vezes menor.
O estudo também mostra que territórios indígenas e quilombolas demarcados contribuíram de duas a três vezes mais para a regeneração da vegetação nativa entre 2012 e 2017.
O Brasil tem 722 Terras Indígenas. Dessas, apenas 487 foram homologadas. Somente na Amazônia, são mais de 300 territórios aguardando o processo de demarcação.
Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação são as áreas que mais contribuíram com a preservação e regeneração da Amazônia Legal nos últimos anos, aponta artigo publicado na revista científica Biological Conservation em março.
Enquanto nos Territórios Quilombolas e nas Unidades de Conservação as taxas de perda de vegetação nativa foram cerca de 6 vezes menores que em áreas não protegidas da Amazônia, nas Terras Indígenas tais taxas chegaram a ser 17 vezes menores. O período analisado compreendeu os anos entre 2005 e 2012.
No caso das Unidades de Conservação, a pesquisadora responsável pelo estudo, Helena Alves Pinto, do departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atribui as taxas de preservação da biodiversidade ao uso restrito dessas terras.
“As Unidades de Conservação têm uma série de restrições quanto às atividades. Em algumas unidades, por exemplo, são permitidas somente atividades de cunho educacional ou de pesquisa. Em outras, é permitido o extrativismo sustentável, mas não a agropecuária, por essa estar ligada ao desmatamento”, afirma Pinto.
O estudo analisou as taxas de preservação florestal de todas as Unidades de Conservação da Amazônia, tanto as de uso sustentável, como Florestas Nacionais e Reservas Extrativistas, como as de proteção integral, onde se enquadram, por exemplo, áreas com sítios naturais e Reservas Biológicas.
Em relação às Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, a pesquisadora destaca a importância da restrição de circulação de pessoas nas terras demarcadas.
“Estudos anteriores mostraram que, a partir do momento que um território indígena ou quilombola foi demarcado, começou a diminuir o desmatamento nessas terras. A principal explicação é porque a demarcação diminuiu o número de pessoas circulando dentro das áreas, restringindo a entrada somente a indígenas ou quilombolas”, diz a pesquisadora.
“Nosso estudo confirma que a demarcação ajuda a combater a entrada de invasores em Terras Indígenas e Quilombolas, e que esses povos preservam a biodiversidade”, explica Pinto.
Restauração dos ecossistemas
Mais que decisivos para a preservação, o estudo também mostra que territórios indígenas e quilombolas demarcados contribuíram de duas a três vezes mais para a regeneração da vegetação nativa entre 2012 e 2017.
“Fala-se muito em diminuir o desmatamento, mas só isso não basta mais para recuperarmos as funções da Floresta Amazônica. É fundamental começarmos a recuperar as áreas desmatadas, recuperar a vegetação nativa, recuperar o ecossistema como um todo”, afirma a pesquisadora da UFRJ.
Pinto dá como exemplo de ação regenerativa uma prática adotada por alguns povos conhecida como sistema de corte e queima.
“Esses indígenas cortam uma área pequena, de mais ou menos um hectare de floresta, queimam e plantam. Depois de um tempo, eles colhem e deixam a área, para que ela se regenere de forma natural”, descreve.
Um estudo liderado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), publicado em 2021 na revista Nature, alertou que, pela primeira vez, a Amazônia passou a emitir mais carbono do que consegue absorver, deixando de retirar da atmosfera 0,19 bilhões de toneladas de CO2 por ano.
O desmatamento tem comprometido a função da Amazônia de capturar e estocar carbono da atmosfera, principal vilão do aquecimento global. Prova disso, segundo os pesquisadores do Inpe, a área mais comprometida está no sudeste da floresta, na região do Arco do Desmatamento.
Em março, um novo estudo publicado na revista Nature Climate Change alertou que a Amazônia está se aproximando rapidamente do seu ponto de não-retorno — estágio em que a devastação transformará a floresta tropical em savana.
Invasões e desmatamento
O estudo liderado por Pinto analisou somente as Terras Indígenas já homologadas pela Funai e não separou os dados por unidade. “Olhamos para o mosaico de terras protegidas e já homologadas e comparamos com a sua área de controle”, diz.
Assim, o estudo não analisa quais são as Terras Indígenas homologadas mais preservadas da Amazônia.
Por outro lado, dados do Prodes/Inpe mostram que as Terras Indígenas mais desmatadas entre 2011 e 2021 foram as localizadas no Pará, estado que mais vem desmatando a Amazônia desde meados da década passada. São as TIs Cachoeira Seca, com 304 km2 desmatados em dez anos; Apyterewa, com 266 km2; e Ituna/Itatá, com 220 km2.
Vale ressaltar que o desmatamento explodiu nas três Terras Indígenas em 2019 e 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, anos em que as taxas de desmatamento ilegal bateram recorde em toda a Amazônia.
Um levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) sobre perda de vegetação na bacia do Rio Xingu publicado em 2021 mostra que essas três Terras Indígenas sofrem pressão de mineração ilegal, roubo de madeira e de grilagem. No interior da TI Apyterewa já existe uma vila de invasores, que pediram na Justiça recentemente a reversão da homologação da Terra Indígena para que a área pudesse ser explorada.
Quanto às Unidades de Conservação, a mais desmatada da Amazônia nos últimos dez anos também está no Pará. Trata-se da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, próxima à TI Apyterewa, que registrou 2.902 km2 de desmatamento entre 2011 e 2021, segundo dados do Inpe.
Ambos as reservas estão sobrepostas ao município de São Félix do Xingu, que tem o maior rebanho de bovinos do Brasil, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A Amazônia já perdeu 20% de toda a sua vegetação nativa. Sabemos que as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação mais afetadas são as próximas ao Arco do Desmatamento, uma área com expansão muito grande da agropecuária, o principal vetor do desmatamento na Amazônia”, diz Pinto.
Ameaças no Congresso
O Brasil tem 722 Terras Indígenas. Dessas, apenas 487 foram homologadas. Somente na Amazônia, são mais de 300 territórios aguardando o processo de demarcação, de acordo com dados do ISA. A entidade não inclui as Terras Indígenas de povos isolados.
A demarcação de Terras Indígenas é um direito dos povos originários do Brasil e deveria ter sido concluída pela Funai em 1993, de acordo com a Constituição Federal de 1988.
Um levantamento do MapBiomas publicado no ano passado já havia mostrado que as Terras Indígenas são os territórios mais preservados da Amazônia, apesar do avanço de invasores. O estudo analisou tanto as terras já homologadas (que finalizaram o processo de demarcação) como as que ainda aguardam o processo, e mostrou que, no período entre 1985 e 2020, apenas 1,6% da perda de vegetação nativa no Brasil ocorreu em Terras Indígenas.
Apesar de os dados mostrarem a importância da demarcação e da restrição de uso dessas territórios aos indígenas, dois projetos de lei em votação no Congresso Nacional pretendem abrir Terras Indígenas para grandes projetos de infraestrutura e mineração (PL nº191/2020) e frear o processo de demarcação das mais de 400 Terras Indígenas que ainda aguardam para serem demarcadas (PL nº490/2007).
Nenhuma Terra Indígena foi demarcada em todo o Brasil desde 2019, durante todo o governo Bolsonaro. Esta é a primeira vez, desde a redemocratização do país (1985), que um governo não demarca nenhum território indígena no país.
CORREÇÃO: Em 25/04/2022, informamos de modo equivocado as taxas de desmatamento entre 2011 e 2021 em algumas Terras Indígenas e Unidades de Conservação, onde constava um milhar a mais. Estes são os dados corretos: TI Cachoeira Seca: 304 km2; TI Apyterewa: 266 km2; Ituna/Itatá: 220 km2; Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu: 2.902 km2.
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2021/07/reconhecendo-os-verdadeiros-guardioes-da-floresta-uma-entrevista-com-david-kaimowitz/
Imagem do banner: Terra Indígena Pirititi, Roraima. Foto: Felipe Werneck/Ibama