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Modelo lúdico e descentralizado de educação climática ganha força no Brasil

  • O Mural do Clima, um modelo de oficina pedagógica criado na França e replicado em mais de 50 países, está levando conhecimento científico a milhares de brasileiros sobre os impactos e possíveis soluções para a crise climática.

  • Sua principal ferramenta didática é um jogo de 42 cartas (versão adulta) ou 15 cartas (versão infanto-juvenil), que demonstra a relação de causas e efeitos das mudanças no clima.

  • A oficina normalmente é realizada em universidades, escolas do ensino médio e órgãos públicos. Um número crescente de empresas tem oferecido o Mural do Clima a seus colaboradores, para capacitá-los sobre as questões climáticas.

  • Em apenas três anos, a associação Mural do Clima já treinou 10 mil facilitadores de oficina e alcançou mais de 300 mil participantes ao redor do mundo.

Agropecuária. Combustíveis fósseis. Desmatamento. Elevação das temperaturas. Emissão de gases de efeito estufa. Incêndios florestais. Inundações. Secas. Esses são apenas alguns dos fatores implicados na complexa relação de causas e consequências da crise climática, de acordo com estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em Inglês).

Devido à complexidade do tema, inúmeras dúvidas têm surgido nesse contexto. Qual a ordem dos fatores e quantos mais existem? Como é possível resolver este problema? Por que a urgência?

Estas são algumas das dúvidas que a oficina Mural do Clima tem buscado sanar. Através de um jogo de 42 cartas, no qual cada carta representa um fator das mudanças climáticas, os participantes da oficina são orientados a descobrir a relação correta entre causas e consequências.

O modelo pedagógico — e a associação, originalmente chamada La Fresque du Climat — foi criado em 2018 por Cédric Ringenbach, um professor francês que testou o jogo com seus alunos, baseado nos fatos científicos levantados pelo IPCC.

Em apenas três anos, o jogo foi traduzido em cerca de 30 idiomas e, hoje, a oficina está sendo replicada por voluntários em mais de 50 países, inclusive no Brasil. O objetivo é levar este conhecimento científico a gradativamente mais pessoas, e mostrar que todos têm um papel tanto na causa quanto na solução da crise climática, diz Lucas Romao, engenheiro ambiental e um dos coordenadores do Mural do Clima no Brasil.

Educando a mente individual e coletiva

A oficina tem duração média de três horas e é dividida em três fases. Primeiro é a fase reflexiva, na qual os participantes jogam as cartas e obtêm um panorama das ciências do clima. A segunda é a fase criativa, que envolve desenhar os elos entre as cartas para aumentar o poder de visualização sobre as causas e consequências da mudança climática.

“Essa fase é muito impactante”, diz Romao. É quando os participantes percebem que as consequências são muito graves e vão além da esfera ambiental, tais como problemas de saúde, fome, pobreza, entre outras. Essas consequências já estão afetando bilhões de pessoas ao redor do mundo, como mostra o último relatório do IPCC. Em seguida à sensibilização, é iniciada a fase de debate sobre possíveis soluções em nível individual, coletivo ou setorial.

Segundo Fernanda Tibério, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo e uma das facilitadoras do Mural, esse modelo de educação climática é bastante didático, pois facilita a compreensão de um tema muito complexo. Além disso, é vantajoso para o Brasil, já que atualmente há poucos professores com formação em ciências climáticas no país.

Outra vantagem do Mural é permitir que os participantes, durante a fase de debate, “contribuam coletivamente com seus conhecimentos” sobre “que tipo de ações individuais são possíveis e quais ações coletivas são necessárias”, diz Tibério. Esse estímulo à inteligência coletiva tem levado até brasileiros que já conhecem bem o assunto a participarem do Mural.

“O que me motivou foi a vontade de ampliar meus conhecimentos socioambientais e fortalecer a minha rede de pessoas que lutam pela mesma causa”, conta Jaqueline Cortes, estudante de Relações Públicas na Universidade de São Paulo e embaixadora da ONG Folhas Que Salvam, que participou de uma oficina em 2021 através do programa Jornadas pelo Clima. “Tive a felicidade de encontrar pessoas de diferentes estados e experiências de vida que agregou muito à minha visão.”

O Jornadas pelo Clima é um dos programas oferecidos pelo Climate Reality Project Brasil, uma organização global de mobilização contra a crise climática, fundada por Al Gore nos Estados Unidos, que usa a oficina como ferramenta didática.

“Há uma diversidade enorme entre as pessoas que fazem [a oficina através das] Jornadas: temos alunos de todos os estados brasileiros, pessoas com diversos níveis de escolaridade e de gerações distintas. A aluna mais nova que tivemos tinha 14 anos e o mais velho, 81”, conta Renata Moraes, pedagoga e coordenadora regional da organização. “Incentivamos trocas entre essas pessoas, pois entendemos que há muito valor nisso.”

A oficina Mural do Clima normalmente é realizada na versão presencial, dentro de instituições de ensino, empresas ou órgãos públicos. Mas, esporadicamente, são oferecidas versões online. Foto: Mural do Clima Brasil/divulgação.

Capacitando profissionais e servidores públicos

No Brasil, o Mural do Clima está sendo principalmente dinamizado em universidades, escolas do ensino médio e em outras organizações educacionais. Entretanto, um número crescente de empresas  no país tem solicitado a realização da oficina internamente, para capacitar seus colaboradores sobre as questões climáticas. A empresa de consultoria ambiental I Care & Consult Brasil, por exemplo, oferece a oficina a todo novo colaborador, diz Romao.

Moraes, da Climate Reality Project Brasil, também nota essa tendência. “Estamos recebendo demanda de empresas que querem educação climática para vários níveis de gestão”, diz. Resta saber se as empresas irão de fato colocar em prática os aprendizados proporcionados pela oficina e se vão se comprometer com metas climáticas ambiciosas, alinhadas ao Acordo de Paris.

Alguns profissionais têm participado do Mural por iniciativa própria para levar conhecimento para seus locais de trabalho. Tassia Bozza, por exemplo, contou que fez a oficina para “conhecer outras metodologias de estudo sobre como as mudanças climáticas impactam vidas e estão interconectadas a fatores distantes”, a fim de incorporar esse conhecimento em seus trabalhos de Arquitetura e Urbanismo.

Já o setor público ainda não tem demonstrado muito interesse em educação climática. A nova diretora de Educação e Cidadania Ambiental do governo federal, por exemplo, não é especialista e nunca trabalhou com meio ambiente — o que levou recentemente a um manifesto conjunto entre mais de 60 entidades contra a nomeação, por alegarem que a profissional está despreparada para o cargo.

Embora alguns servidores de prefeituras, do Ibama e de secretarias do meio ambiente tenham participado da oficina, a proporção de participantes ainda é bem inferior à de outros setores. Por isso, facilitadores do Mural no Brasil e exterior têm se organizado para levar a oficina diretamente a esses profissionais através das conferências de políticas públicas.

Segundo Romao, mais de 200 facilitadores de diversos países foram à COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima realizada na Escócia em Novembro de 2021, para fazer o Mural chegar até políticos e servidores públicos. Agora, estão se organizando para levar as oficinas à Rio+30, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, prevista para ser realizada no Rio de Janeiro em 2022 (ainda sem data definida).

“É claro que em três horas [de oficina] não vamos conseguir mudar tudo, mas a ideia é colocar uma semente na cabeça das pessoas”, diz o coordenador do Mural no Brasil. “Nós consideramos que o conhecimento, a troca de informação, é o primeiro passo para uma ação climática efetiva — tanto individual quanto coletiva.”

Caminhando a passos largos

O crescimento do Mural do Clima tem sido exponencial. Em apenas três anos, de 2018 a 2021, a associação tornou-se internacional, tendo treinado cerca de 10 mil facilitadores de oficinas e alcançado mais de 300 mil participantes. No Brasil, hoje há cerca de 70 facilitadores espalhados pelo país e, pelo menos, duas mil pessoas já participaram de uma oficina.

Segundo Romao, o número de participantes vem dobrando a cada cinco meses. O segredo, ele revela: apresentar um modelo lúdico, ou seja, divertido e interativo de educação, além de possuir uma estrutura descentralizada, permitindo que qualquer pessoa que tenha participado de uma oficina previamente possa se tornar um facilitador.

A equipe internacional do Mural almeja atingir a meta de 1 milhão de participantes nas oficinas até o final deste ano. Para Romao, o objetivo não é apenas educar o maior número possível de brasileiros, mas também levar conhecimento sobre ciências climáticas a diversos tomadores de decisão e lugares do país.

“Quanto melhor compreendermos os problemas, maior a chance de entendermos nosso papel nos espaços coletivos de mudança”, enfatiza Tibério, a respeito da importância da educação climática e a potencialidade do Mural do Clima.

A próxima oficina online para o público brasileiro está marcada para o dia 22 de Abril, no Dia Mundial da Terra.

Imagem do banner: Realização de oficina do Mural do Clima. Foto: Mural do Clima/divulgação. 

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