Um vilarejo à margem do Rio Negro recebeu 132 painéis solares como parte de um projeto piloto que visa levar energia limpa e oportunidades econômicas a comunidades remotas na Amazônia.
O esquema promete um fornecimento confiável de energia para a comunidade de Santa Helena do Inglês, a 60 km de Manaus, em resposta aos cortes frequentes de energia que há muito tempo afligem o vilarejo e frustram os esforços para desenvolver fluxos de renda sustentáveis.
O fornecimento de energia solar está ajudando a comunidade – um antigo centro de extração de madeira, hoje dentro de uma reserva protegida – a gerar renda a partir da pesca e do ecoturismo, sem invadir a floresta.
Em uma pequena clareira na margem da floresta tropical, duas fileiras de painéis solares brilham ao sol do final da manhã. Em um galpão próximo, inversores zumbem baixo enquanto transformam a luz solar em eletricidade, alimentando uma igreja, uma escola e algumas dezenas de casas no vilarejo amazonense de Santa Helena do Inglês.
A energia solar também alimenta um freezer instalado na mercearia de Pedro Vidal de Mendonça, a poucos metros da margem do Rio Negro, a cerca de 60 quilômetros de Manaus, capital do estado. Mendonça guarda peixes recém pescados nesse freezer, congelando os suprimentos até que futuros compradores cheguem na vila de barco a motor.
“Quando perguntam: ‘Seu Pedro, você tem tucunaré?’ ‘Está ali!’”, diz Mendonça enquanto aponta para o freezer funcionando no fundo do quiosque de madeira. Ele vende o peixe por cerca de 50 reais cada. “É assim que ganho a vida”, diz ele com orgulho.
As coisas nem sempre foram tão simples em Santa Helena do Inglês, vilarejo ribeirinho que abriga cerca de 130 pessoas. Até alguns meses atrás, a energia muitas vezes era interrompida sem aviso. “Já ficamos 12 dias sem eletricidade aqui”, diz Mendonça, acrescentando que o blecaute ocorreu depois que uma árvore caiu sobre uma linha de transmissão no meio da floresta. Ele se lembra de rezar para que seu estoque de gelo não acabasse, para que não perdesse cerca de 800 reais em mercadoria.
Santa Helena do Inglês é um dos 19 vilarejos espalhados pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, uma grande área protegida que se estende por 103 mil hectares. Como acontece com a maioria dos vilarejos aqui, só é possível chegar até lá de barco, numa viagem de algumas horas passando por ilhas fluviais e trechos submersos de floresta.
Durante anos, a localização remota da comunidade significava que a eletricidade era esporádica e os blecautes eram frequentes, dizem moradores. Mas em junho de 2021 o vilarejo recebeu 132 painéis solares, 54 baterias de lítio e nove inversores híbridos, instalados como parte de um novo projeto com o objetivo de levar energia confiável e limpa para pessoas que vivem em lugares isolados do estado do Amazonas.
A esperança é que o esquema piloto melhore a vida das pessoas e abra caminho para o crescimento econômico sustentável, diz Virgílio Viana, superintendente da organização sem fins lucrativos Fundação Amazônia Sustentável (FAS), que financia o projeto em parceria com a fabricante brasileira de baterias de lítio Unicoba.
“Nossa visão é gerar prosperidade e oportunidades econômicas, enquanto a floresta é mantida em pé”, contou Viana à Mongabay. “Vemos isso como uma solução promissora. Podemos dizer que há caminhos para uma Amazônia verdadeiramente sustentável.”
Muito embora o Brasil seja um dos países mais ensolarados do mundo, a energia solar responde apenas por 2% da matriz energética do país, de acordo com dados do governo. A Amazônia, banhada por luz solar intensa durante a maior parte do ano, é vista pelos especialistas como um campo especialmente promissor para a produção de energia solar. A região também tem muito a ganhar: pesquisadores estimam que quase 1 milhão de pessoas na Amazônia brasileira ainda estejam fora da rede elétrica, dependendo de geradores ou vivendo no escuro.
Embora os preços altos tenham tornado a tecnologia solar inacessível no passado, a queda dos custos está tornando seu uso mais comum, mostram dados da Associação Brasileira de Energia Solar. Em alguns casos, ela pode oferecer economias em relação à dispendiosa logística de levar eletricidade convencional a partes distantes da Amazônia, argumentaram as partes interessadas num relatório de 2019.
A energia solar também pode eliminar os custos ambientais que costumam vir associados a conectar comunidades remotas da floresta à rede elétrica brasileira, diz Viana. As linhas de energia podem fragmentar as florestas, abrindo-as para a grilagem, destruindo o habitat natural e criando risco de incêndios, acrescenta.
“Tem todos esses impactos ambientais negativos”, diz ele. “E, além disso, por causa da localização dessas comunidades, o fornecimento de energia é instável, está sempre caindo.”
Para testar o potencial da energia solar na Amazônia, a FAS planeja instalar painéis em outras quatro comunidades no Amazonas, entre elas Boa Frente, na RDS Juma; Bauana, na RDS Uacari; e em uma aldeia indígena Munduruku no município de Nova Olinda do Norte.
Se esses programas piloto mostrarem resultados promissores, Viana espera que eles consigam fornecer um projeto testado para um esquema governamental de energia solar com amplo alcance na região. “É uma fonte de energia lógica e confiável, que não falha. Faz sentido para as comunidades da Amazônia.”
Transição para a sustentabilidade
Antes um centro de retirada ilegal de madeira, Santa Helena do Inglês só recentemente deu seus primeiros passos em direção à sustentabilidade.
Quando a família de Mendonça chegou há meio século, não havia nada além de floresta ali. Eles desmataram uma área para construir uma casa; pouco depois, outros foram chegando até que se criou o vilarejo. A comunidade vivia da pesca e da retirada ilegal de madeira, cortando e vendendo as variedades de árvores mais cobiçadas.
“Este campo de futebol aqui era tudo floresta. Nós derrubamos com nossas próprias mãos”, diz Mendonça, cuja família fundou o vilarejo quando ele tinha 12 anos de idade.
Mendonça diz que também ganhou a vida como madeireiro ilegal e, em determinado momento, até foi pego pela polícia e multado pelo crime. Mas isso não foi suficiente para que ele parasse. “Era meu meio de vida, era como eu alimentava meus filhos.”
Tudo isso mudou em 2008, quando as autoridades transformaram milhares de hectares de floresta ao redor de Santa Helena do Inglês em reserva protegida, com o objetivo de preservar a rica biodiversidade da área, que abriga espécies raras e ameaçadas, como o cachorro-vinagre (Speothos venaticus).
“Chegou o momento de pararmos”, diz Mendonça. “E foi difícil. Eu pensei comigo mesmo: ‘Meu Deus, como eu posso parar? Como vou viver, como vou sustentar a mim e a minha família?’”
Com a ajuda da FAS, a comunidade começou a expandir sua pequena indústria de pesca e a investir no turismo, numa tentativa de construir uma economia local mais sustentável. Em 2014, as mulheres da comunidade abriram uma pousada ecológica, uma construção de madeira pintada de verde limão e azul brilhante. Eles começaram a receber pequenos grupos de visitantes ansiosos por estar mais perto da natureza e experimentar a vida nesse canto da Amazônia.
Mas o fornecimento de energia instável era um problema. A energia chegou em Santa Helena do Inglês em 2012, dizem os moradores, com o programa Luz para Todos, uma iniciativa do governo federal para levar eletricidade a milhões de brasileiros rurais. Pela primeira vez, a água podia ser retirada do poço da comunidade com uma bomba elétrica, e os professores podiam dar aulas à noite, de acordo com os moradores.
Mesmo assim, o vilarejo sofria com quedas de eletricidade constantes devido à sua localização remota, diz Nelson Britto, presidente da comunidade. “Como Manaus é bem longe da nossa comunidade, as linhas de energia atravessavam a floresta. Então sempre que tinha uma tempestade e as árvores caíam, ficávamos sem energia.”
O fornecimento de eletricidade intermitente dificultou os esforços da comunidade para construir novos meios de subsistência. Os negócios na pousada foram especialmente atingidos, uma vez que as quedas de energia incomodavam os hóspedes, expulsando-os dali, diz Osiana Rodrigues de Mendonça, que agora administra a pousada.
“Eles foram embora muito bravos e nunca mais voltaram”, diz ela, olhando para o Rio Negro da varanda espaçosa da pousada. “Isso nos atingiu bastante, perdemos renda por causa disso. Porque precisamos de eletricidade para tudo: para fazer suco, fazer um bolo.”
Mas com o fornecimento de energia estável dos painéis solares, as coisas mudaram, diz ela. Congelada, a comida dos hóspedes não estraga mais. Ventiladores ajudam os visitantes a dormir à noite, amenizando o calor sufocante da Amazônia e afastando os enxames de mosquitos. Agora, os responsáveis pela pousada estão com grandes planos para a próxima temporada turística.
“Estamos muito esperançosos”, diz Osiana, confiante. Ela diz que está planejando melhorias, como uma nova área de descanso com redes para os visitantes. “Queremos ter mais resultados com a pousada, com certeza – queremos trazer mais turistas.”
O projeto de energia solar também pode ajudar a fortalecer a indústria de pesca local, que até agora fornecia uma renda apenas sazonal para os moradores, diz Viana. Sem os freezers, os pescadores eram obrigados a vender os peixes durante a temporada alta da pesca, quando há muita oferta e os preços, portanto, ficam mais baixos. Com o fim da temporada, a renda secava.
“No pico da temporada, o peixe vale 30 reais. Fora da temporada, o preço é dez vezes maior”, diz Viana. A FAS planeja ajudar os pescadores a comprarem freezers para que possam guardar seus pescados. Eles então podem checar os preços de mercado na internet e decidir quando vender, acrescenta. “Dessa forma, podemos dobrar ou triplicar a renda dos pescadores.”
Brito diz que levará tempo para que os impactos totais do projeto de energia solar sejam sentidos em Santa Helena do Inglês. Mas ele espera que o esquema tenha um impacto positivo – no vilarejo e além dele.
“É importante ter essa energia aqui na comunidade não só para melhorar a qualidade de vida das pessoas mas também para o planeta. Porque é energia limpa e não prejudica o meio ambiente.”
Para Mendonça, a energia gerada pelos painéis solares já é um divisor de águas. “Ela já fez uma grande diferença”, diz ele, apontando para os painéis. “Agora, desde que o sol esteja brilhando, sabemos que a energia não vai acabar.”
Imagem do banner: Nelson Brito, presidente da comunidade de Santa Helena do Inglês, em frente ao conjunto de painéis solares instalados no vilarejo em junho de 2021. Foto: Ana Ionova/Mongabay.