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Força gravitacional do Sol e da Lua influenciam a atividade rítmica de plantas e animais

  • Estudo mostra indícios de que a gravidade que causa as marés está associada ao ritmo de organismos como plantas, crustáceos e corais.

  • Pesquisadores alertam que os ciclos gravitacionais não têm sido considerados nos chamados experimentos livres, aqueles que têm diversos fatores ambientais controlados em laboratório.

  • No universo dos efeitos gravitacionais, muitas práticas repetidas pela sabedoria popular, como a melhor época para cortar madeira ou plantar, não têm ainda comprovação científica.

Cristiano de Mello Gallep, engenheiro elétrico, estava num laboratório de biofotônica na cidade de Limeira, em São Paulo, trabalhando com sensores para medir a autoluminescência em organismos. Os experimentos com a germinação de sementes levavam dias e o pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) notou que variações na curva de crescimento da planta impossibilitavam uma comparação entre os testes quando feitos em dias diferentes ou até mesmo em horários diferentes.

“Aí, a gente foi atrás da literatura”, conta Gallep. “Parece meio óbvio depois que a gente descobre, mas o que varia todo dia, varia todo mês e varia também durante o ano é a gravidade que causa as marés, o efeito mais visível que todo mundo conhece”, diz o pesquisador, que ampliou os testes com outros tipos de sementes e agregou resultados obtidos em laboratórios parceiros, publicando um artigo em 2014.

Reanalisando aquelas informações e levando em conta outros dois estudos sobre o assunto, Gallep e o biólogo Daniel Robert, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, reuniram ampla bibliografia para mostrar em artigo recente evidências de que a atividade rítmica dos organismos está intimamente associada aos efeitos das forças gravitacionais do Sol e da Lua sobre a Terra.

Um dos estudos de referência para a pesquisa, publicado em 1965, mostrou que, num laboratório com as condições de água controladas e sem a influência das marés dos oceanos, crustáceos mantinham um padrão de comportamento e nado coerente com o tempo das marés do local próximo em que haviam sido coletados. O segundo estudo de referência, publicado em 1985, apontou a variação, também em laboratório controlado, da reprodução de colônias de coral de acordo com as alterações gravitacionais.

Estudo de 1985 já havia comprovado que o coral Pocillopora damicornis mantém seu ritmo de reprodução de acordo com as fases da Lua mesmo dentro de um laboratório de ambiente controlado. Foto: John Turnbull (CC BY-NC-SA 2.0).

No ritmo das marés

Dentro das paredes do laboratório de pesquisas científicas, as folhas das plantas balançam. E não há brisa do mar que consiga penetrar no ambiente de variáveis controladas. Em 2015, uma pesquisa já mostrava que os padrões de oscilação nas folhas de diferentes espécies estavam sincronizados com o padrão da maré local.

“Toda vez que a plantinha levantava ou baixava a folha coincidia com uma inflexão: a maré está subindo, a maré está descendo”, conta Gallep. “E mesmo as plantas que cresceram sempre na mesma luz controlada, sem ver o Sol, continuam fazendo isso.”

Pesquisadores e observadores atentos da natureza se ocupam háa séculos com ciclos e ritmos biológicos. O sueco Carlos Lineu, um dos mais importantes botânicos da história, previa já no início do século 18 os tempos de abertura e fechamento das pétalas de diferentes flores. Ao estudar em 1729 o impacto das condições de luz e escuridão sobre as plantas, Jean-Jacques de Mairan, astrônomo francês considerado um dos precursores da cronobiologia moderna, dizia que a planta sente o Sol sem o ver. Desde então, muito se ampliaram os conhecimentos sobre os mecanismos biológicos.

“Todo ser vivo oscila. A própria matéria oscila. Só que oscila em padrões temporais que escapam da nossa percepção”, diz Luiz Silveira Menna Barreto, coordenador do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da Universidade de São Paulo (USP), que não participou do estudo.

“Os autores resgataram essa possibilidade de que os ciclos gravitacionais sejam em parte determinantes da ritmicidade”, diz Menna Barreto sobre o artigo de Gallep e Robert. “No início da cronobiologia, o ciclo claro e escuro ambiental era o ciclo dominante e os ritmos chamados circadianos, que coincidem com a noite e dia, eram os ritmos mais importantes. Hoje não se aceita mais isso”.

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A lua certa

Ao apontar para a importância dos efeitos das forças gravitacionais, o artigo publicado no Journal of Experimental Botany adverte que essa variável não tem sido considerada nos experimentos científicos chamados experimentos livres, aqueles que têm diversos fatores ambientais controlados. Para além da constância da luz, umidade e temperatura, há outros padrões que impactam os organismos, como flutuações do campo geomagnético e o fluxo dos raios cósmicos. A própria maré gravimétrica não pode ser evitada em condições laboratoriais, mas a observação de um conjunto maior de variáveis pode fornecer informações mais ricas e estruturadas sobre os organismos em análise.

“Os autores dizem que essas ondas gravitacionais estavam presentes na Terra desde o início da vida e que persistem até hoje. Possivelmente os organismos têm uma história em relação a esses ciclos gravitacionais”, diz Menna Barreto, apontando para a necessidade de a Ciência incluir a história dos organismos em suas pesquisas. “Ao incluir a história dos organismos, você não vai mais dizer que o rato, um animal noturno, é um bom modelo para o estudo do sistema nervoso humano. Não é”, avalia.

Para Menna Barreto, também professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, a Ciência não é estática. “A Ciência não é dona da verdade, ela produz conhecimentos que estão sendo continuamente discutidos e superados. A Ciência é dinâmica”.

No universo dos efeitos gravitacionais, muitas observações não têm ainda comprovação científica. “Hoje a gente intervém de uma maneira tão artificial nas coisas que a gente já não vê os processos mais naturais. Não quer dizer que eles não existam e não quer dizer que eles sejam superstição também”, diz Gallep, ao lembrar que qualquer pessoa da roça sabe que tem a lua certa para pescar e a lua certa para cortar madeira. “As pessoas veem que um padrão funciona e continuam repetindo. Não foi uma besteira que alguém inventou, foi um fato observado. Só não se tem cientificamente ainda o processo detalhado”, conclui.

Imagem do banner: Francesco Gallarotti/Unsplash. 

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