No noroeste de Minas Gerais, mais de 40 produtores já trabalham com a metodologia agroecológica; a safra 2020/2021 rendeu mais de 5 toneladas de algodão.
Depois de implantado o projeto, a produtividade do algodão cresceu e a de espécies alimentares como açafrão e abóbora também.
Em cada hectare, 50% da área é destinada para o algodão em faixas de até 1 metro de largura; as culturas secundárias (gergelim) e terciárias (espécie alimentar) dividem o espaço restante.
Com o algodão agroecológico, fiandeiras locais resgataram a prática da tecelagem, parte da cultura tradicional do noroeste mineiro.
Em meio ao Cerrado do noroeste mineiro, os rios Urucuia e Paracatu são os principais recursos hídricos da região. Em torno deles, reúnem-se comunidades de agricultores que conquistaram suas terras ao longo de décadas de luta por reforma agrária. Um deles é Gaspar Gonçalves do Amaral, nascido, criado e assentado no município de Arinos.
“Nasci na roça mesmo, não foi nem em hospital”, orgulha-se o agricultor. Daquela época, se lembra que o algodão já era a principal fonte de sustento de sua família: seu avô era responsável pelo trabalho no campo e sua avó, tecelã.
Ele foi um dos primeiros produtores a topar o desafio de introduzir a metodologia do algodão agroecológico em suas terras, motivado por quatro razões principais: a valorização da cultura regional, a garantia de segurança alimentar, a geração de renda e o prazer de consumir alimentos “limpos e sem veneno”.
O primeiro contato ocorreu em dezembro de 2019, quando agentes do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) realizaram as primeiras oficinas na região. Gaspar e sua família – uma das 46 que ingressaram no projeto Algodão Sustentável no Cerrado, realizado em oito cidades da região – iniciaram em fevereiro de 2020 sua primeira safra.
“No primeiro ano a gente não colheu nem 200 quilos”, recorda Gaspar. “Agora, neste ano foi bastante expressiva, mais de 800 quilos”, completa. Somadas todas propriedades participantes, a segunda safra já supera as 5 toneladas de algodão.
Adubação verde e consórcio de culturas
Diretor de uma cooperativa local, Antonio Marcos engajou os agricultores a dedicarem apenas 1 hectare para o projeto e foi o responsável por orientar um a um as quatro etapas fundamentais: planejamento e preparo da terra; plantio; manejo; e colheita.
Dentro deste hectare, explica Antonio Marcos, 50% da área deve ser destinada para o algodão, que deve ser plantado em faixas de até 1 metro de largura, margeado por faixas com as culturas secundária (gergelim) e terciária (espécie alimentar da preferência do produtor, como abóbora, melancia, milho, açafrão, entre outras).
Em todas as etapas, a orientação é para o uso exclusivo de produtos não industrializados. No caso da adubação, os principais recursos são os resíduos animais e a compostagem de matéria orgânica. A calagem usa apenas calcário, pó de rocha e fosfato natural. E o controle de pragas envolve técnicas de diversificação de culturas e catação.
“Tem lugar que o algodão tá dando mais de 1 metro e meio de altura”, surpreende-se Haroldo Mendes Barbosa, produtor que está na mesma terra desde 1996 e nunca havia feito a correção do solo até então. “Acho que a grande vantagem é que foi feita essa adubação verde no solo. O solo tem que estar vivo pra planta ficar bonita.”
Garantia de alimentação saudável
A maior parte do trabalho foi desenvolvido já durante a crise sanitária provocada pelo coronavírus. “A pandemia foi um personagem importante nessa história”, conta Jessica Pedreira, assessora técnica do ISPN. “Em um cenário de perda de fonte de renda e agravamento da fome, o projeto contribuiu para o ganho de renda e para a segurança alimentar.”
Enquanto a produtividade do algodão cresceu três vezes nestes quase dois anos de práticas agroecológicas, espécies alimentares tiveram rendimento tão bom ou até melhor – há registros de que o açafrão tenha rendido até sete vezes mais.
“Eu plantei uma abóbora na minha área e ela deu mais de 13 quilos”, empolga-se o agricultor Josefino Ferreira dos Santos. “Achei tão bonita que fiquei olhando pra ela o dia todo, né?”
Para Haroldo Mendes Barbosa, o ganho na produção de algodão se tornou secundário: a principal vantagem é a diversidade de espécies alimentares, todas elas cultivadas “sem venenos”. A rotação de culturas tem ainda um efeito positivo de médio prazo, que é a melhoria da qualidade do solo. “A terra tem que ser viva, não adianta. Temos que deixar o solo melhor do que a gente encontrou”, filosofa o produtor.
Resgate da cultura do algodão
Tanto Gaspar quanto Haroldo têm a mesma memória da infância: o som das rodas de fiar. Uma tradição que se perdeu com o tempo, com motivações variadas, entre elas o ocaso da cultura do algodão na região, a industrialização do segmento têxtil e a baixa qualidade da matéria-prima (algodões trazidos de outros estados, produzidos em monocultura e com agrotóxicos, dão alergia nas fiandeiras).
Agora, elas, as fiandeiras, podem trabalhar com algodão sem veneno e se orgulhar de produzir com aquilo que é original de sua própria terra. Diva Maria dos Santos recorda com alegria de quando fiou com as próprias mãos os artigos de seu enxoval. Aprendeu o ofício com a mãe e já ensina a filha de 14 anos. “Quero que ela aprenda o fio, porque vai chegar o dia que não vou dar conta de fazer”, diz. “Ela gosta. É trabalhar para não deixar acabar [a cultura das fiandeiras].”