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Gigante da carne JBS promete desmatamento zero – daqui a 14 anos

Gado em fazendo do Mato Grosso. Foto: Rhett Butler.

  • A JBS, maior produtora de proteína animal do planeta, assumiu recentemente o compromisso de atingir desmatamento zero em sua cadeia de global de fornecimento até 2035. Ambientalistas argumentam que essa promessa é insuficiente.

  • Segundo o Rastreador de Desmatamento de Soja e Gado, da ONG Mighty Earth, a JBS tem a pontuação mais baixa entre as empresas rastreadas: 1/100. Suas concorrentes mais próximas, Minerva e Marfrig, têm pontuações de 46/100 e 40/100, respectivamente.

  • Sistemas de marcação e rastreamento para garantir transparência ao longo de toda a cadeia de fornecimento de carne bovina vêm sendo propostos há muito tempo, mas a JBS tem resistido a divulgar sua lista completa de fornecedores.

  • Nas condições atuais, o Brasil está perdendo cobertura florestal no ritmo mais acelerado em mais de uma década, e grande parte desse desmatamento é impulsionada pela indústria da carne.

A JBS, maior produtora de proteína animal do planeta, ganhou as manchetes em abril com o compromisso de atingir o desmatamento zero em sua cadeia global de fornecimento até 2035 e “emissões líquidas iguais a zero em 2040. O frigorífico brasileiro disse ser “a primeira grande empresa global do setor de proteína a estabelecer uma meta Net Zero”.

Mas, para observadores experientes do setor, esse anúncio não dá muitas razões para comemorar.

“A JBS acaba de prometer pelo menos mais 14 anos de destruição florestal”, disse Sarah Lake em uma entrevista. Lake é vice-presidente e diretora global para a América Latina da Mighty Earth, ONG internacional que promove campanhas ambientais.

De acordo com o Rastreador de Desmatamento de Soja e Gado da Mighty Earth – o primeiro do tipo – a JBS está vinculada a 42.538 hectares de terras que foram desmatados nos últimos dois anos, desde março de 2019, e metade dessa área é classificada como possivelmente ilegal (alguns tipos de desmatamento são legais no Brasil).

O rastreador da Mighty Earth conecta casos de grandes conversões do uso da terra aos principais frigoríficos e traders de soja, que até agora tinham escapado facilmente à responsabilidade pela destruição da floresta. Em parceria com a Aidenvironment, o rastreador classifica as empresas em uma escala de 100 pontos, sendo que 1 é a pior pontuação e 100, a melhor.

A JBS se diferencia por ter, de longe, a classificação mais desfavorável entre as 10 empresas rastreadas: apenas 1/100. As maiores empresas de carne bovina depois da JBS – Minerva e Marfrig, também brasileiras – têm pontuações de 46/100 e 40/100, respectivamente.

“O clima está mudando agora. As florestas estão queimando hoje. O fato de a JBS ter sentido a necessidade de fazer esse anúncio mostra que ela está sendo pressionada a agir, e o alcance irrisório da promessa demonstra a necessidade de mantermos essa pressão”, disse Lake, que tem doutorado em Sociologia Econômica e Ambiental pela Universidade do Colorado, em Boulder, com uma tese sobre a indústria de carne bovina.

A JBS foi fundada em 1953, em Anápolis, Goiás, por um açougueiro chamado José Batista Sobrinho. Alguns anos depois, Brasília, a nova capital, começou a ser construída a apenas duas horas de carro do matadouro de Batista.

Liderada por seus filhos, a JBS cresceu em ritmo impressionante. Hoje a empresa abate quase 35 mil animais por dia no Brasil. Sua receita global oscila entre 40 e 50 bilhões de dólares por ano, com as exportações representando 46% das vendas totais. Ano após ano, a JBS gera lucros para os acionistas ao canalizar o apetite de centenas de milhares de consumidores nos Estados Unidos, na Europa e na China para o saque dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta.

“Repetidas vezes, a JBS fez falsas promessas em relação à sua agenda de desmatamento”, disse Lake.

Em setembro de 2020, a empresa já havia ocupado as manchetes e conquistado simpatias ao anunciar um compromisso supostamente novo para enfrentar o desmatamento causado por seus fornecedores indiretos na Amazônia. Mas o anúncio apenas reafirmava um compromisso de 2009 – promessa que não foi cumprida na década seguinte.

“Embora prometam talvez salvar a Amazônia algum dia, a JBS e as outras grandes indústrias processadoras de carne bovina parecem dispostas a abater [as florestas] hoje, fazendo picadinho de suas promessas de sustentabilidade”, disse à Mongabay Daniela Montalto, do Greenpeace.

“Gostaríamos que a JBS divulgasse publicamente seus fornecedores”, afirmou Lake, da Mighty Earth.

A JBS diz que divulgar informações sobre sua extensa rede de 50 mil fornecedores comprometeria seus negócios. Mas especialistas do setor dizem que, em breve, essa abertura será uma norma do setor, esperada de todos os frigoríficos. “A JBS pode ajudar a inaugurar essa transparência ou obstruí-la”, disse Lake.

A JBS tem se envolvido repetidamente na chamada “lavagem de gado”, um procedimento pelo qual bezerros são engordados em terras recém-desmatadas ou dentro de reservas indígenas e depois transferidos para as chamadas fazendas legais, livres da mácula do desmatamento. Dessas fazendas, são vendidos para frigoríficos como a JBS, que podem alegar desconhecer a origem.

“Olhar apenas para seus fornecedores diretos e depois alegar que eles não promovem desmatamento ilegal é como se eu dissesse que não há desmatamento na mercearia da esquina e, portanto, minha alimentação é totalmente sustentável”, explicou Lake.

“Um dos principais desafios para monitorar toda a cadeia de fornecimento da pecuária, incluindo fornecedores indiretos, é a falta de informações disponíveis que permitam o rastreamento de todas as movimentações da cadeia de fornecimento no Brasil”, disse um representante da JBS à Mongabay no ano passado.

Essa falta de transparência pode ser muito conveniente para a JBS. Os ativistas apontaram que um sistema digital de marcação e rastreamento – como o que o Uruguai implementou com sucesso duas décadas atrás – deixaria clara a responsabilidade total, do parto dos animais ao matadouro. Outros propuseram um sistema menos oneroso, que usaria os registros veterinários conhecidos como GTAs para também rastrear fornecedores indiretos.

O fato de essas propostas não terem sido implementadas no Brasil pode ter algo a ver com o papel desproporcional do lobby da carne bovina no governo. Em 2017, o acionista controlador da JBS concordou em desembolsar 3,2 bilhões de dólares em uma das maiores multas já pagas por empresas no mundo, após admitir que subornara centenas de políticos, incluindo três presidentes.

Não é impossível parar o desmatamento. Na primeira década do novo milênio, a perda anual de florestas no Brasil diminuiu cerca de 80%. Vários fatores contribuíram para essa queda: fiscalização, monitoramento eficaz por satélite, pressão de ambientalistas e tendências macroeconômicas. É importante ressaltar que essa redução do desmatamento foi alcançada enquanto a economia do Brasil estava prosperando.

Sob o governo de Jair Bolsonaro, essa tendência se inverteu. Segundo dados de novembro de 2020, fornecidos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o país está perdendo floresta em ritmo acelerado em mais de uma década. Pelo menos 11.088 km2 de floresta tropical na Bacia Amazônica foram derrubados de agosto de 2019 a julho de 2020 – uma área equivalente a um quarto da Ilha de Marajó.

Imagem do banner: Gado no Mato Grosso. Foto: Rhett A. Butler/Mongabay.

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