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MPF cita investigação da Mongabay em nova ação contra empresas de óleo de palma

Os líderes indígenas Uhu Tembé e Lúcio Tembé ao lado de tratores apreendidos da empresa de óleo de palma Biopalma. O maquinário foi usado para derrubar dendezeiros a poucos metros da Aldeia Indígena Yriwar, na Reserva Indígena Tembé, no Pará, em 11 de novembro de 2019. Foto: Karla Mendes/Mongabay.

  • O Ministério Público Federal afirma que usará as denúncias de uma investigação publicada recentemente pela Mongabay como evidência para responsabilizar uma empresa de óleo de palma pela contaminação da água em uma Terra Indígena (TI) na Amazônia.

  • Procuradores da República recorreram em 26 de março contra uma decisão que negou uma perícia judicial sobre a contaminação da água por agrotóxicos pela Biopalma na TI Turé-Mariquita, no Pará.

  • A investigação da Mongabay, que durou 18 meses e foi publicada em 12 de março, revelou evidências dessa poluição, bem como casos semelhantes envolvendo duas outras grandes empresas de óleo de palma, o que aparenta ser um padrão em toda a indústria quanto ao desrespeito pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.

  • A investigação também denunciou o desmatamento de florestas nativas para o cultivo de dendezeiros, conforme mostram estudos baseados em imagens de satélite que jogam por terra as afirmações das empresas e do governo de que a monocultura da palma foi implantada apenas em terras previamente desmatadas.

Procuradores da República afirmaram que usarão uma investigação publicada recentemente pela Mongabay sobre a contaminação da água por uma empresa de óleo de palma em uma Terra Indígena (TI) como evidência em sua batalha judicial para responsabilizar a empresa.

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com um recurso em 26 de março contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) emitida esta semana, depois de sete anos. A decisão, de 22 de março, negou o pedido do MPF, apresentado em 2014, para produção de antecipação de prova, por meio uma perícia judicial, sobre a contaminação de agrotóxicos pela Biopalma, maior produtora de óleo de palma do país. A perícia visava investigar a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na zona de produção da Biopalma no município de Tomé-Açu, na TI Turé-Mariquita e áreas adjacentes.

“Nós não nos conformamos com a situação que foi exposta [na decisão],” disse à Mongabay o procurador da Republica Felício Pontes Júnior no dia anterior à interposição do recurso.

Ele afirmou que as revelações da investigação da Mongabay serão incluídas na batalha judicial como um elemento-chave para contestar o argumento do TRF-1 de que a perícia judicial poderia ser feita posteriormente, no curso de um processo regular contra a Biopalma, sem nenhum prejuízo. Em sua decisão, o TRF-1 citou a ausência de “perigo da demora” sobre o assunto.

“Para nós é claro que existe perigo porque se trata de agrotóxico”, disse Pontes Júnior. “E agrotóxicos na Amazônia podem ser levados pela chuva, principalmente pelas enxurradas que existem frequentemente … Então, por conta disso, por acharmos que a prova é necessária, nós vamos recorrer”.

Monocultura de palma de óleo no município de Tomé-Açu, no Pará, em 11 de novembro de 2019. Imagem de Karla Mendes/Mongabay.

Em 12 de março, a Mongabay publicou os resultados de uma investigação de 18 meses sobre a cadeia produtiva do óleo de palma no país que revelou evidências de contaminação da água não apenas na TI Turé-Mariquita pela Biopalma, mas também em outras TIs e comunidades quilombolas, além de danos a ribeirinhos e pequenos agricultores.

Além da Biopalma, há também denúncias de contaminação da água contra a Belem Bionergia Brasil (BBB) e a Agropalma, o que aparenta ser um padrão em toda a indústria quanto ao desrespeito pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Todas as empresas negaram as acusações, incluindo a Agropalma — única empresa brasileira certificada pela Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), principal esquema de certificação mundial de sustentabilidade de óleo de palma.

O relator convocado, juiz federal Rafael Paulo Soares Pinto, também argumentou que, por ser tratar de uma ação cautelar proposta em 2014, “não mais existiria interesse do MPF em produzir prova em sede de cautelar” porque foi “esvaziado seu objeto, em razão do decurso de tempo”.

O procurador da República Felipe Moura de Palha e Silva considerou esse argumento “absurdo”.

“A demora foi deles”, disse Silva à Mongabay. “Eles demoram uma vida para julgar e depois dizem que demorou muito e que não tem mais interesse em produzir a perícia… Parece que o processo tem um fim em si mesmo e não em resolver a vida das pessoas que estão lá sendo envenenadas”.

Os procuradores da República afirmam que, caso o recurso feito ao TRF-1 seja negado novamente, eles entrarão com um recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ), incluindo a investigação da Mongabay. Pontes Júnior explicou nesta sexta-feira que a investigação da Mongabay não pôde ser incluída no recurso interposto hoje porque o TRF-1 alegaria “fato novo” e não aceitaria a inclusão de novas provas.

Em outra frente para fechar o cerco à Biopalma e provar a contaminação da água e danos causados por agrotóxicos usados na monocultura da palma, Silva disse que o MPF também avalia entrar com uma nova ação contra a Biopalma, que também incluirá a investigação da Mongabay como prova dos danos às comunidades locais.

À medida que a indústria do óleo de palma se expande no Brasil, a ameaça de contaminação da água se tornou uma preocupação crescente. Quando a Biopalma deu início ao plantio de dendê na área da Turé-Mariquita em 2010, os moradores nos relataram que sentiram uma onda misteriosa de sintomas crônicos, debilitantes e às vezes fatais: dores de cabeça, coceira, erupções cutâneas e bolhas, diarreia e problemas estomacais. Alguns moradores relataram até mesmo ocorrências de câncer e mortes causadas pela contaminação da água.

Os relatos dos impactos dos agrotóxicos usados na monocultura do dendê nas comunidades indígenas e tradicionais ganharam força com um estudo de 2017 que detectou três agrotóxicos (dois deles normalmente listados entre os usados no cultivo de dendê) nos principais igarapés e poços artesianos usados pelo povo Tembé na Turé-Mariquita.

Quando estava em campo, a equipe da Mongabay também sentiu os efeitos dos agrotóxicos logo após inalar o odor do que exalava das palmeiras: tosse, falta de ar, náuseas e dores de cabeça.

Além da revelação de evidências de contaminação da água, a investigação da Mongabay também trouxe à tona o desmatamento de florestas nativas para plantações de dendezeiros, por meio de estudos baseados em imagens de satélite que jogam por terra as afirmações das empresas de que a monocultura da palma foi implantada apenas em terras previamente desmatadas.

Áudio relacionado: ouça a repórter da Mongabay, Karla Mendes, debatendo essas questões, além da pesquisadora Sandra Damiani e do procurador da República Felício Pontes Júnior no podcast da Mongabay (em inglês):

A ausência de uma zona de amortecimento em torno das TIs e cursos d’água nas áreas de produção de dendê é outro problema grave. Os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais são protegidos pela Constituição Brasileira e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Constituição também estabelece que todos os brasileiros têm direito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Mas, na prática, a legislação do estado do Pará para a monocultura da palma ignorou esses compromissos. Durante a visita da Mongabay à Turé-Mariquita, testemunhamos como as plantações de dendezeiros foram estabelecidas a poucos metros das aldeias. Uma das usinas da Biopalma e uma de suas plantações ficam ao lado do Rio Acará, sem nenhuma zona de amortecimento, com aprovação do governo do Pará, segundo documentos aos quais a Mongabay teve acesso.

Imagem do banner: Os líderes indígenas Uhu Tembé e Lúcio Tembé ao lado de tratores apreendidos da empresa de óleo de palma Biopalma. O maquinário foi usado para derrubar dendezeiros a poucos metros da Aldeia Indígena Yriwar, na Reserva Indígena Tembé, no Pará, em 11 de novembro de 2019. Foto: Karla Mendes/Mongabay.

Karla Mendes é editora e repórter investigativa da Mongabay no Brasil.  Twitter: @karlamendes

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