Indicadores como PIB per capita, saúde e educação não têm alteração significativa para quem vive nos municípios onde se explora ouro e diamante na Amazônia Legal.
A mineração também deixa um rastro de destruição socioambiental, elevando o desmatamento nos lugares onde se instala.
Alternativas baseadas na bioeconomia, no extrativismo e na tecnologia aplicada à floresta são um caminho possível.
Imposto pago pela mineração tem vida breve, sugado pela má gestão, pela falta de transparência e pela corrupção.
Uma análise dos indicadores sociais e econômicos de munícipios da Amazônia Legal onde houve exploração de ouro e diamantes mostra que a mineração não trouxe desenvolvimento humano para a população.
Os dados, revelados em novo estudo do Instituto Escolhas, adicionam uma nova camada para a discussão sobre se a mineração, afinal, causa ou não impactos positivos nas cidades em que atuam.
O argumento do “desenvolvimento econômico” é sempre usado em todos os projetos do setor mineral para justificar a implantação de um novo empreendimento, ignorando os custos socioambientais que durarão por décadas.
A análise do Escolhas, baseada em score de propensão a partir de diversos indicadores processados por um software, ajuda a mostrar que os supostos benefícios ocorrem por um tempo muito limitado, deixando a população na mesma situação de antes, com problemas crônicos a resolver e sem entregar o que prometeram.
“O nosso estudo confirma que a extração do ouro e dos diamantes não consegue quebrar uma dinâmica econômica baseada na usurpação dos recursos naturais da região, deixando um rastro de pobreza e destruição ambiental”, afirma Larissa Rodrigues, coordenadora da pesquisa.
Na metodologia, foram selecionados todos os municípios da Amazônia Legal onde a extração de ouro e diamantes ocorreu entre 2005 e 2016. Esses municípios, 73 no total, foram então comparados com outros da mesma região onde não houve atividade minerária. Os resultados mostram que os efeitos sobre indicadores como saúde, educação e PIB per capita são breves, deixando de existir entre três e cinco anos.
Para Carlos Alberto Manso, da Universidade do Ceará e coordenador técnico do estudo, é importante que a gestão pública seja avaliada com dados concretos e transparência para que a sociedade tenha ferramentas para analisar os motivos do seu desenvolvimento ou estagnação.
“Estamos num país em recessão, com desafios sociais gravíssimos. Não há margem para erro. Tem que monitorar e avaliar. Estudos como esse contribuem como instrumento de transparência e pressão que melhoram a qualidade do debate”, diz Manso.
Empregos ruins e desmatamento em alta
O mau resultado vale até para os índices de emprego e renda. Na última década, os salários do setor mineral diminuíram de 5 salários-mínimos na média para 4,4 em 2019. Além disso, a indústria extrativa mineral é uma das que menos emprega ao longo da cadeia produtiva. Para cada 100 empregos diretos no setor, são gerados 86 empregos ao longo da cadeia. Muito abaixo de setores como a indústria de transformação, que transforma matérias-primas em produtos finais, por exemplo: esta gera 480 empregos a cada 100 diretos.
No caso do desmatamento, os resultados do estudo confirmaram que a extração de ouro e diamantes elevou a perda florestal nos municípios pesquisados. O desmatamento atribuído somente a essa exploração, de modo isolado, foi confirmado estatisticamente a partir de dois anos de exposição à atividade — é o tempo mínimo para que seja observado um impacto no município. Após o início da mineração, os impactos do desmatamento duram até sete anos.
Segundo o Escolhas, esta análise estatística pode complementar o que é fornecido pelo Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma análise via satélite que passou a disponibilizar o recorte de mineração a partir de 2015.
O Deter mostra que, nos últimos 5 anos, a mineração desmatou 405 km2 na Amazônia Legal, o equivalente a 40,5 mil campos de futebol. Os registros dispararam a partir de 2019 e 2020, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência, e avançou sobre unidades de conservação.
Alternativas possíveis para a Amazônia
Além de mostrar que o ouro e o diamante não mudam a realidade local, o estudo do Escolhas amplia a discussão sobre a necessidade de alternativas econômicas para a mineração, a pecuária, a soja, a madeira e outras commodities exploradas na Amazônia.
É o caso da bioeconomia, baseada em produtos locais sustentáveis e negócios inovadores que mantêm a floresta em pé, estudada e defendida por pesquisadores respeitados como Carlos Nobre. Como exemplo, o valor anual da produção de grandes vetores de desmatamento como carne e soja é de R$ 604 por hectare. No caso do açaí, cacau e castanha, chega a R$ 12,3 mil.
O que se observa nesse conjunto de cidades mineradoras analisados pelo Escolhas, diz Larissa Rodrigues, é a dinâmica de boom e colapso. “A atividade minerária gera receita para as empresas e depois colapsa, vai embora. Essa dependência acaba não deixando espaço para alternativas que são persistentes e capazes de gerar desenvolvimento, ancorada no conhecimento e desenvolvimento tecnológico”, afirma Rodrigues.
O potencial da floresta em pé ainda é desconhecido, mas pesquisas têm se esforçado para tentar mensurar a riqueza gerada. O estudo “Changes in the Global Value of Ecosystem Services” do pesquisador Robert Constanza, da Universidade Nacional da Austrália, estimou que a Amazônia rende ao Brasil cerca de US$ 1,83 trilhão por ano em valor bruto. Quase R$ 10 bilhões por ano na cotação atual do dólar.
A mesma lógica se aplicaria a outros biomas brasileiros, como o Cerrado, acredita Larissa Rodrigues. “É preciso gerar valor de produtos que são sustentáveis, com tecnologia, inseridos na dinâmica cultural e econômica da região, para que ganhem em escala, gerem mais renda e tragam benefícios duradouros”, diz a coordenadora da pesquisa.
Corrupção, subsídios e aprimoramento da ferramenta
Há que se considerar que os pesquisadores não levaram em conta ainda outros fatores importantes e difíceis de ser mensurados, como a corrupção, o uso indiscriminado e o desvio de dinheiro público do imposto gerado pela mineração — a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que todo município minerador recebe e que, com a vida útil finita da mineração, um dia acaba.
Pesquisa permanente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra, por exemplo, que, no caso de Canaã dos Carajás, no Pará, que recebe centenas de milhões de reais de CFEM, a falta de transparência e a má gestão impedem que o imposto da mineração seja revertido para o bem estar dos moradores. 42% da população de Canaã dos Carajás vive em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Carlos Manso lembra que a metodologia desenvolvida permite ao Escolhas acrescentar indicadores ao longo do tempo e refinar a ferramenta. “Esse acompanhamento pode ser ampliado nos próximos anos e gerar dados atualizados para seguir avaliando o setor”, diz Manso.
Se colocarmos na conta os subsídios fiscais, as isenções e os incentivos que as mineradoras recebem, não presentes no recorte atual do Instituto Escolhas, é possível verificar que, além de não entregar o desenvolvimento prometido, a mineração ainda drena recursos dos estados e municípios, recebendo benefícios cumulativos pouquíssimo questionados e que contribuem para a desigualdade e a destruição ambiental.
Imagem do banner: mina de ouro em área do Parque Nacional do Jamanxim, Pará. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.