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Organização usa WhatsApp e Facebook para rastrear traficantes ilegais de animais silvestres

  • A Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) vem recebendo elogios e prêmios internacionais por sua abordagem inovadora no sentido de rastrear e combater o comércio ilegal de espécies brasileiras no mundo.

  • A organização usa as redes sociais para rastrear as vendas e a movimentação de animais para fora do Brasil, para depois entregar os dados às autoridades. Em 2019, denunciaram 3,5 milhões de anúncios em ferramentas como WhatsApp e Facebook.

  • Entre os milhões de animais brasileiros capturados, vendidos, revendidos e transportados, estima-se que apenas um em cada dez chegue vivo aos consumidores brasileiros e estrangeiros. Os demais, arrancados de suas moradas, famintos e sofrendo abusos, morrem no trajeto.

 

A ararajuba (Guaruba guarouba), espécie amazônica, tornou-se uma das visadas pelo tráfico por conta de sua cor. Foto: Renctas/divulgação.

“O tráfico de animais silvestres é uma verdadeira tragédia para a biodiversidade do Brasil”, diz Dener Giovanini, cofundador da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), na base da organização em Alter do Chão (PA). “O número de espécies em extinção no Brasil cresceu exponencialmente em pouco mais de 20 anos. Eu não tenho medo de afirmar que, hoje, qualquer espécie silvestre pode ser vítima de tráfico.”

A Renctas é tida como uma das organizações mais inovadoras na luta contra o comércio ilegal de animais silvestres — segundo Giovanini, foi a primeira no Brasil a fazer uso sistemático da internet como ferramenta de combate ao tráfico. Fundada em 1999, depois que Giovanini recebeu uma bolsa de três anos da fundação Ashoka, com sede nos Estados Unidos, a Renctas se destacou ao ajuizar a primeira ação na Justiça relacionada ao uso da internet por traficantes de animais no país. Em seu primeiro ano, a organização identificou quase 6 mil anúncios de venda ilegal de animais nas principais plataformas de comércio eletrônico. Em 2019, relatou um número impressionante de 3,5 milhões de anúncios desse tipo de comércio nas redes sociais.

“Esses dados provam, infelizmente, que estávamos certos em nossas preocupações iniciais, todos aqueles anos atrás”, diz Giovanini. “A internet é o grande aliado dos caçadores ilegais, e é a nova fronteira na guerra contra os traficantes de animais silvestres.” Claramente, o anonimato e o alcance global que as redes sociais proporcionam as tornam ideais para esse comércio, mas é por meio delas também que a Renctas chega aos criminosos.

Dener Giovanini, cofundador da Renctas. Foto: Renctas/divulgação.

Com o tempo, a Renctas passou a ser reconhecida por seus esforços não apenas para rastrear as atividades dos traficantes em redes sociais como Facebook e WhatsApp, mas também por ajudar comunidades em regiões onde a caça ilegal é um problema grave, desenvolvendo fontes de renda alternativas, como o ecoturismo, e promovendo a conscientização de lideranças locais sobre os efeitos danosos que o tráfico pode ter sobre a biodiversidade. A Renctas repassa regularmente os dados que coleta sobre o tráfico de animais silvestres às autoridades, segundo Giovanini. Nos mais de 20 anos desde a sua fundação, a equipe treinou cerca de 7 mil membros de órgãos públicos envolvidos em inspeções ambientais.

“A Renctas prestou importantes serviços ao mundo da biodiversidade, realizou incríveis parcerias com a Polícia Federal e aumentou a conscientização sobre o tráfico de animais silvestres no Brasil”, afirma José Sarney Filho, que foi duas vezes Ministro do Meio Ambiente e deu a Giovanini a Medalha do Mérito Legislativo por seus esforços.

Em 2001, a Renctas publicou seu Primeiro Relatório Nacional sobre o Tráfico de Animais Silvestres, um documento inovador que, entre outros dados, revelou que os traficantes extraíam, na época, cerca de 38 milhões de espécimes animais da natureza a cada ano, somente no Brasil – sem contar peixes tropicais ou invertebrados. Essa cifra terrível incluía 1 milhão de jacarés capturados ilegalmente todos os anos no Pantanal, cujas peles eram contrabandeadas para países vizinhos, onde eram beneficiadas e enviadas, com documentação falsa, para outros países.

Equipe da Renctas em ação de resgate de animais vítimas do tráfico ilegal. Foto: Renctas/divulgação.

A metodologia de pesquisa na internet, usada pela organização para espionar esse comércio, recebeu mais reconhecimento em 2003, quando Giovanini ganhou um prêmio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e foi elogiado pelo órgão por sua “abordagem inovadora de combate ao tráfico ilegal de animais, [que] se tornou um modelo não apenas para a América Latina, mas também para o resto do mundo em desenvolvimento”. A justificativa do prêmio parabenizava a organização, observando que “soluções criativas para um dos maiores negócios ilegais do mundo só podem ter sucesso se a causa fundamental – ou seja, a pobreza – também for combatida”.

Já no início, a Renctas identificou a internet não apenas como um canal importante para o tráfico, mas também como um meio de detectá-lo ao longo de sua obscura cadeia de fornecimento. Winthrop Carty, ex-diretor associado do Centro Ash para Governança Democrática e Inovação, da Escola de Governo Kennedy da Universidade de Harvard, foi coautor de um estudo sobre a organização em 2006.

“A Renctas era radicalmente diferente de qualquer outra organização que eu já tivesse visto: eles faziam crowdsourcing antes de o termo existir ou ser muito conhecido”, diz Carty. “Por meio de seu mecanismo de denúncia cidadã pela internet, eles conseguiam agregar dados para revelar e compreender a cadeia de fornecimento global do tráfico ilegal de animais, e depois usar essas informações não apenas para fazer cumprir a lei, mas também para gerar mudanças nas políticas. Na época, início dos anos 2000, isso era impressionante. Foi um casamento fascinante entre ativismo, tecnologia e governo, em escala global.”

Hoje, a Renctas opera com uma equipe de apenas seis funcionários permanentes, em tempo integral, com sua sede principal em Brasília. A organização não recebe financiamento do governo brasileiro, mas continua trabalhando em biomas importantes, incluindo a Floresta Amazônica, além do Cerrado, que cobre mais de um quinto do território brasileiro.

A onça-pintada (Panthera onca) sofre com o tráfico de suas partes — como cabeça, ossos e patas —, exportadas para a China para uso medicinal. Foto: Renctas/divulgação.

Giovanini diz que a Renctas coletou não apenas mais de 3 milhões de mensagens relacionadas ao tráfico de animais no Facebook e no WhatsApp, mas também dados de cerca de 200 organizações dedicadas à atividade, somente este ano. “Tem de tudo que você imaginar”, diz ele. “Tudo, de ovo de tartaruga a mico-leão.” O mesmo relatório publicado pela Renctas em 2001 detectou que 40% das cerca de 400 quadrilhas de contrabandistas de animais no Brasil também estão envolvidas no tráfico de drogas e outras atividades criminosas.

Dos milhões de animais retirados do Brasil todos os anos, a Renctas estima que apenas cerca de um em cada dez chegará ao consumidor final – o restante morrerá durante a captura ou em trânsito, sofrendo o choque de ser arrancado de seu habitat natural, passar fome e sofrer abusos. A Amazônia e o Cerrado são os biomas preferidos dos traficantes brasileiros, diz Giovanini, com primatas, répteis, anfíbios, felinos e insetos entre os grupos mais visados. Ele cita especialmente o exemplo das delicadas borboletas brasileiras, capturadas para decorar tampas de poliuretano de vasos sanitários.

Giovanini diz que sua pesquisa mais recente encontrou duas espécies que são particularmente procuradas: o coleirinho (Sporophila caerulescens), um pequeno pássaro canoro de bico amarelo que habita os campos e savanas da América do Sul, e o macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus), encontrado em toda a bacia amazônica. “Nós vimos muitos deles sendo negociados nesses grupos na internet”, diz ele. “Se o tráfico continuar, pode devastar suas populações”.

Coleirinho (Sporophila caerulescens). Foto: Dario Sanches/CC BY-SA 2.0.

Mais recentemente, a Renctas tem procurado fortalecer sua colaboração internacional no combate aos crimes contra a fauna. Sergio Henriques, presidente do Grupo de Especialistas em Aranhas e Escorpiões da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e pesquisador do Instituto de Zoologia de Londres, tem trabalhado com a organização para monitorar o comércio de aranhas pela internet no Brasil, principalmente as tarântulas do gênero Typhochlaena.

“O trabalho concreto da Renctas é o que permite a pesquisadores internacionais como eu entender com muito mais precisão a realidade desses desafios da conservação”, diz Henriques. “Eles foram muito acessíveis desde o primeiro dia, e mostraram uma preocupação e um compromisso com a conservação de todos os animais silvestres, independentemente da aparência ou do tamanho.”

No entanto, Henriques teme que uma “falta de financiamento incapacitante” complique o trabalho da organização e possa impedir seu sucesso futuro. “Eu realmente considero que a Renctas tem todas as condições para testar várias abordagens, enfrentar questões científicas não respondidas, realizar mais trabalhos de conservação e, de modo geral, tratar de muitos outros problemas em uma escala maior, se receber financiamento adequado”, conclui.

À frente de seu tempo: em uma manifestação organizada pela Recntas em 2005, 15 anos antes da covid-19, crianças usam máscaras para alertar como o comércio ilegal de animais silvestres pode desencadear pandemias. Foto: Renctas/divulgação.

A organização prefere manter sua independência e sua distância em relação ao governo brasileiro, por isso continua limitando suas fontes de financiamento. “A Renctas não aceita nenhum recurso financeiro do governo brasileiro, pois nossa independência é uma prioridade para nós”, afirma Giovanini. “Somos financiados por doações, e realmente precisamos desse apoio para continuar o nosso trabalho.”

Imagem do banner: Macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus), espécie ameaçada pelo tráfico. Foto: Renctas/divulgação.

Um macho (abaixo) e uma fêmea (acima) de coleirinho (Sporophila caerulescens), bastante procurados por comerciantes e colecionadores ilegais de animais. Essas frágeis aves tropicais têm poucas chances de sobreviver à jornada desde seu habitat no Cerrado brasileiro até consumidores nos Estados Unidos, na União Europeia e em outros lugares. Foto: nickathanas em Visualhunt/CC BY-NC-SA.

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