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Redução de emissões e desmatamento do REDD+ foi superestimada

Projeto Gosto da Amazônia leva chefs de cozinha do Rio de Janeiro até a Terra Indígena Paumari, no sul do Amazonas, para conhecer o manejo do pirarucu e seus impactos econômicos, sociais e ambientais na região. Os chefs criarão pratos com o pirarucu, o maior peixe de escamas de água doce do mundo, para contribuir com a introdução do produto no mercado do Rio de Janeiro.rrImagem de drone do rio Tapauá, próximo da aldeia Patauá.rrFoto Marizilda Cruppe/Divulgação

  • Estudo analisa 12 projetos voluntários do programa REDD+ (Redução das Emissões do Desmatamento e da Degradação Florestal) realizados na Amazônia brasileira.

  • Pesquisadores descobriram que as reduções do desmatamento e das emissões de carbono alegadas estavam bastante exageradas devido às bases de cálculo das taxas de desmatamento que não levavam em conta outras razões de sucesso na diminuição da perda florestal alcançadas pelo governo federal.

  • Para corrigir esse problema no futuro, os pesquisadores ressaltam a “necessidade de alinhar melhor o projeto – e a contabilidade do carbono em nível nacional”.

  • Sugestões para alcançar uma contabilidade de carbono mais confiável incluem: considerar apenas os anos mais recentes de desmatamento, usar modelos mais complexos que incluam o preço das commodities agrícolas, e comparar o desmatamento a áreas similares não envolvidas em projetos REDD+.

A redução nos níveis de desmatamento e emissões de carbono atribuídas a projetos na Amazônia brasileira certificados por um importante programa de compensação de carbono da ONU foi bastante superestimada, de acordo com novas pesquisas.

A análise de 12 projetos voluntários do programa REDD+ (Redução das Emissões do Desmatamento e da Degradação Florestal), que atuaram na maior floresta tropical do mundo desde 2008, revela que as reduções de perda florestal alegadas não correspondem às taxas de desmatamento por não contabilizar adequadamente esforços bem-sucedidos feitos pelo governo federal e outros programas.

A pesquisa, realizada por uma equipe internacional de cientistas e publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, conclui que “as metodologias aceitas para quantificar os créditos de carbono exageram os impactos na redução do desmatamento e na mitigação das mudanças climáticas.”

Usando vários conjuntos de dados públicos disponíveis sobre o desmatamento, entre eles o Prodes e o TerraClass (ambos operados pelo Inpe), e o MapBiomas (da ONG Observatório do Clima), a equipe analisou o desmatamento nos estados do Amazonas, Pará e Rondônia até 2017. Os pesquisadores usaram uma metodologia chamada controle sintético, por meio da qual compararam os níveis de desmatamento em áreas envolvidas no programa REDD+ com os níveis em áreas similares que não estavam envolvidas no programa. De acordo com as descobertas, o desmatamento cumulativo foi de fato maior em metade das áreas do programa REDD+.

“Em geral, os níveis de desmatamento foram superestimados porque eles consideraram que as taxas de desmatamento históricas, normalmente baseadas nos dez anos anteriores à implementação do projeto, continuariam nos dez anos seguintes”, diz Thales West, líder do estudo e cientista especializado em carbono florestal no Scion, o Instituto de Pesquisa Florestal da Nova Zelândia. “Essa é uma suposição forte.”

Em 2004, o Brasil lançou reformas bem-sucedidas na conservação para reduzir o desmatamento como parte do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Mas, de acordo com a pesquisa de West, os projetos voluntários do REDD+ não contabilizaram as reduções “de fundo” no desmatamento alcançadas pelas reformas nacionais e por outros fatores. “Quando isolamos esses impactos no nosso estudo, não descobrimos nenhuma evidência que sugira que os projetos REDD+ avaliados tenham contribuído significativamente para a redução do desmatamento nas áreas do projeto”, explica.

Dados do Inpe mostram o desmatamento entre 1º de agosto e 31 de julho. O ano de 2019 reflete os doze meses que terminam em 31 de julho e não incluem o desmatamento de agosto a outubro. No retângulo menor, a série histórica mostra a redução nos índices de desmatamento a partir de 2004 – de acordo com o estudo, o sucesso de alguns projetos voluntários do REDD+ foi superestimado em parte porque não levaram em conta os efeitos de uma série de programas do governo brasileiro que diminuíram o desmatamento ao longo do mesmo período. O aumento do desmatamento nos últimos dois anos preocupa cientistas e ambientalistas. Infográfico: Mongabay / Fonte: Inpe.

No início dos anos 2000, a taxa média de desmatamento na Amazônia brasileira foi de 19 mil quilômetros quadrados. Mas antes do lançamento dos primeiros projetos voluntários do REDD+ na região, em 2008, houve um grande esforço de prevenção ao desmatamento e as taxas foram reduzidas para cerca de 6 mil quilômetros quadrados em 2007. Entre 2004 e 2017, houve uma queda de 75% nos níveis de desmatamento, segundo o governo federal.

“É verdade que a maioria desses projetos superestimaram os números”, diz Philip Fearnside, ecólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Eles estão levando o crédito pelo que o projeto não fez. Isso prejudica todos os esforços para reduzir o desmatamento.”

De acordo com Fearnside, contudo, é importante distinguir entre os projetos oficiais do REDD+, que fazem parte da estrutura nacional, e os projetos voluntários, que permitem que ONGs e empresas privadas vendam créditos de carbono para companhias que desejam compensar seu impacto nas mudanças climáticas; o estudo analisou apenas projetos voluntários. Diferentemente de outros programas REDD+, ancorados na lei federal, os projetos voluntários são “descentralizados” e só estão sujeitos às regras estabelecidas pelo Verra, um programa importante de compensação de carbono antes conhecido como Padrão de Carbono Verificado (VCS, na sigla em inglês).

Apesar da distinção importante, Fearnside acredita que as bases para o desmatamento podem ser calculadas com precisão. “É importante perceber que é possível estabelecer bases que sejam razoáveis”, aponta. “Mas é preciso encontrar formas para [esses cálculos] serem institucionalizados.” Afinal, “temos de buscar todos os meios de reduzir as emissões. Se não fizermos nada nos próximos anos, será catastrófico.”

O macaco-barrigudo (Lagothrix lagotricha), espécie considerada “especialista da floresta”, tem sua distribuição restrita à porção noroeste da Bacia Amazônica. Como outros primatas que dependem das árvores da Amazônia para sobreviver, a intensificação do desmatamento seria fatal para sua sobrevivência. Foto: Hans Hillewaert/CC BY-NC-ND 2.0.

A maior parte da comunidade científica concorda que reduções significativas no desmatamento terão um papel crítico para manter o aquecimento global em 1,5 graus centígrados acima de níveis pré-industriais para evitar o colapso climático. De acordo com o World Resources Institute, as florestas podem fornecer quase um quarto da mitigação climática de melhor custo-benefício necessária até 2030, e, de todos os ecossistemas florestais, as florestas tropicais são as que armazenam a maior parte do carbono.

O REDD+ foi proposto inicialmente como um mecanismo de mitigação climática que reduziria as emissões de gases de efeito estufa pagando aos países em desenvolvimento para manterem suas florestas intactas em vez de cortá-las. Mas defensores e especialistas em política florestal alertaram no passado que a forma variável pela qual as reduções de emissões estão sendo calculadas – uma tarefa desafiadora – e a possibilidade de que essas reduções não sejam permanentes, podem enviesar os resultados e estabelecer um precedente ruim para futuros pagamentos do REDD+.

No ano passado, o Fundo Verde para o Clima da ONU (GCF, na sigla em inglês) aceitou a primeira proposta de pagamento baseada nos resultados do REDD+ do Brasil, pagando ao país por reduzir as taxas de desmatamento em 2014 e 2015. O GCF pagou US$ 96 milhões ao Brasil por cerca de 19 milhões de toneladas estimadas de redução de emissões, apesar dos alertas de críticos sobre as bases incertas segundo as quais as reduções no desmatamento foram calculadas.

“Acho que as implicações são muito sérias”, acrescenta West. “Pessoas e organizações compram créditos certificados pelo VCS desses projetos [REDD+] porque acreditam que estão compensando suas emissões de carbono, mas nossos resultados sugerem que não é isso que está acontecendo.”

Como consequência, os pesquisadores expressaram a “necessidade de alinhar melhor o projeto – e a contabilidade de carbono em nível nacional”, e ao mesmo tempo atingir um equilíbrio entre “controlar o risco do investimento em conservação e garantir a integridade ambiental das compensações pela emissão de carbono.”

Nenhum outro ecossistema florestal aprisiona tanto carbono quanto as florestas tropicais. A maior delas, a Amazônia, esconde paisagens praticamente intocadas em seu interior. Foto: Rhett A. Butler / Mongabay.

Algumas sugestões para realizar uma contabilidade de carbono mais confiável no futuro são: só levar em conta os anos mais recentes de desmatamento, usar modelos mais complexos que considerem o preço das commodities agrícolas, ou comparar o desmatamento com áreas similares que não estão envolvidas em projetos.

Andres Susaeta Larrain, da Escola de Recursos Florestais e Conservação da Universidade da Flórida, que não participou do estudo, concorda que as descobertas confirmam várias das críticas aos programas REDD+, mas faz uma ressalva: “Isso não significa que não vale a pena realizar os [projetos] REDD+. As descobertas sugerem  que certos programas REDD+ podem ter como meta reduzir as emissões de CO2 se forem desenhados e implementados de forma efetiva.”

“Não existe um método perfeito”, conclui West. “Mas [a contabilidade dos projetos de carbono] deve ser baseada em ciência, não em interesses políticos ou monetários – mesmo que isso implique aumentar a complexidade dos já complexos métodos de cálculo do REDD+.”

Imagem no Banner: Terra Indígena Paumari, no sul do Amazonas. Foto: Marizilda Cruppe.

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