O interesse em explorar TIs cresceu após a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Enquanto nos dois anos anteriores o patamar médio de pedidos era de 50 requisições em TIs ao ano, desde a posse de Bolsonaro ele mais do que dobrou, chegando a 117,3 a cada 12 meses. Na comparação com seus antecessores imediatos, Michel Temer, Dilma Rousseff e Lula, Bolsonaro lidera em novos pedidos feitos à ANM nos dois primeiros anos de mandato.

Não é para menos; além de ser defensor de garimpeiros, o ex-militar já chegou a dizer que “cada vez mais, índio é ser humano igual a nós” — o que levou lideranças indígenas a denunciarem o presidente por crime de racismo.

Em fevereiro de 2020, seu governo apresentou ao Congresso o Projeto de Lei 191/2020, que prevê a possibilidade de exploração de minérios em terras de povos indígenas. Única representante indígena na Câmara, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) se insurgiu contra a proposta legislativa, apontando ser inconstitucional e representar uma agressão aos povos nativos.

“O texto do PL 191 praticamente tenta reescrever o art. 176 da Constituição — isso é um absurdo! Tenta restringir o usufruto exclusivo e permanente [dos indígenas], garantido pela Constituição como direito fundamental, o que significa que são cláusulas pétreas. Sua aprovação significaria avanço dos crimes ambientais e degradação que coloca em risco a vida dos povos indígenas”, discursou a deputada na tribuna.

O projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, cruza a localização de requerimentos protocolados na ANM com informações georreferenciadas dos perímetros de terras indígenas da Amazônia em um mapa. A iniciativa conta também com o perfil-robô @amazonia_minada no Twitter, que acompanha em tempo real os registros e tuíta quando  um novo pedido de mineração é protocolado dentro de uma área protegida da Amazônia.

Projetos de lei e declarações inflam número de requerimentos

A apresentação do PL 191/2020 pelo governo Bolsonaro representou um crescimento imediato de casos, um interesse também influenciado por outros fatos relacionados à mineração em TIs: como em junho, quando ocorreu uma sessão do STF em julgamento sobre demarcação dessas terras; ou em agosto, quando o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles defenderam publicamente a mineração em áreas protegidas.

Em anos anteriores, momentos de alta em pedidos também coincidem com movimentações importantes do Congresso Nacional para regulamentar a atividade em áreas protegidas. O caso mais emblemático é o de 1996, quando foram protocolados 731 requerimentos dentro de TIs, recorde absoluto e um patamar que nunca mais foi repetido. Naquele ano, um projeto de lei do então senador Romero Jucá (PFL-RR) que previa a legalização da mineração em TI foi aprovado no Senado e encaminhado para a Câmara.

Curiosamente, em 2008, terceiro ano em que houve grande volume de pedidos —116 casos—, coincide com um parecer de uma Comissão Especial da Câmara, indicando a aprovação do PL de Jucá. O parecer foi publicado na metade de 2008 e 65,5% dos pedidos do ano foram feitos entre julho e dezembro, portanto depois dessa movimentação no Congresso Nacional. Esse PL segue em tramitação, e a movimentação mais recente é de 2019.

Já o PL de Bolsonaro não teve nenhum encaminhamento ao longo de 2020. Apesar disso, no final de setembro, o governo publicou no Diário Oficial o Programa Mineração e Desenvolvimento, que cita em um de seus artigos a meta “promover a regulamentação da mineração em terra indígena”. Na mesma época, a deputada Joênia Wapichana apresentou um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos desse trecho do programa do MME.

A Constituição de 1988 determina que o Congresso Nacional autorize cada pedido de mineração incidente sobre terras indígenas. Foi proposital, porque assim, seria necessário mais do que um gesto burocrático para iniciar a exploração. A análise do InfoAmazonia, entretanto, revela que o texto legal não reduziu o interesse por essas áreas. Pelo contrário. Das atuais 3285 requisições ativas, 2440 (74%) foram feitas após a aprovação da carta magna brasileira.

“A Constituição é bem clara quando trata que a possibilidade de aprovação de mineração em terras indígenas pelo Congresso é uma exceção e que tem ainda que atender o interesse nacional. Mas o que o atual governo busca é transformar isso em regra. Isso provoca o aumento de pedidos de mineração nessa terras e é mais uma ameaça a esses povos, que já sofrem com altas de desmatamento, queimadas e invasões. E este ano ainda têm que enfrentar a covid-19”, afirma Tiago Moreira dos Santos, antropólogo do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas, do Instituto Socioambiental (ISA).

Os requerimentos de mineração representam uma ameaça real a áreas protegidas, especialmente na Amazônia Legal, onde estão 98% das TIs já reconhecidas do Brasil. É em grande parte graças a esses territórios que a floresta segue em pé. Mas isso pode mudar se o projeto de Bolsonaro for adiante. Pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calculam que a mudança pode significar uma devastação na Amazônia do tamanho da Venezuela, além de trazer um prejuízo econômico de 5 bilhões de dólares ao ano pela perda dos serviços prestados naturalmente pela floresta — especialmente na absorção de gases de efeito estufa, que contribuem para o equilíbrio climático do planeta.

Requerimentos conferem “aparente legalidade”, informa MPF

Um dos problemas apontados pelo Ministério Público Federal sobre os pedidos de mineração em áreas indígenas é que, embora seja atualmente impossível minerar nessas regiões, o fato de haver um protocolo ativo na ANM confere “aparente legalidade” a atividades de garimpo irregular. Uma posição que foi acatada pelo juiz federal substituto Felipe Gontijo Lopes, em sentença de agosto de 2020 que determinou o cancelamento de processos minerários incidentes sobre terras indígenas na região de Santarém, no oeste do Pará, Estado que concentra quase a metade dos requerimentos em terras indígenas este ano:

“Estes requerimentos de pesquisa minerária e permissão de lavra, mesmo não deferidos, trazem turbação e intranquilidade aos indígenas, já que são usados como instrumento para a ‘aparente’ legalidade da exploração. Na medida em que a ANM não os indefere, fomenta a irregular expectativa de preferência, malferindo, assim, o dever estatal de proteção das comunidades indígenas, em especial de suas terras”, escreveu o magistrado.

O MPF sustenta que esses pedidos sequer deveriam tramitar na agência, um entendimento que foi acolhido pela Justiça e resultou no indeferimento e exclusão de processos minerários em estados como Amazonas, Roraima, Amapá, e, mais recentemente, em Rondônia, além da região oeste do Pará.

Consultada pela reportagem, a Agência Nacional de Mineração diz que não há restrição para protocolar pedidos, mas assegurou que aqueles situados em terras indígenas não prosperam. “Qualquer um pode requerer, mas ao verificar inconformidades, esses requerimentos serão declinados”, informou o órgão, através da assessoria de imprensa. A afirmação contradiz os dados da própria agência, que registra mais de 80 processos nos quais a ANM deu prosseguimento ao trâmite, concedendo títulos de pesquisa e inclusive autorizando a retirada de minérios.

Em nota, a Funai reconhece que a exploração mineral em terras indígenas é uma atividade ilegal. No entanto, a fundação também afirma que o PL 191/2020 “deve ser amplamente discutido no âmbito do Congresso Nacional, a fim de que o texto final contemple lei as necessidades de todos os segmentos envolvidos.”

Imagem do banner: Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama realiza operação de combate a garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no Pará. Foto: Felipe Werneck/Ibama. 

Esta reportagem faz parte do Amazônia Minada, projeto especial do InfoAmazonia com o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center.

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