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Desmatamento está afetando a produção de milho no Cerrado

Foto: Cleverson Beje/FAEP

  • Novo estudo detectou mais um entre os já muitos impactos do desmatamento no Cerrado: alterações no clima.

  • A perda de vegetação nativa tem provocado aumento de temperatura no bioma, que afeta diretamente a produção de milho, uma das principais commodities da região.

  • Pressão internacional e compromisso sério do mercado, que ainda resiste em preservar o Cerrado, podem ser o caminho para parar o desmatamento.

Um novo estudo da Dartmouth College, nos Estados Unidos, detectou mais um entre os já muitos impactos do desmatamento no Cerrado: alterações no clima. Segundo a pesquisa, a perda de vegetação nativa — que já alcança metade do Cerrado — tem provocado aumento de temperatura no bioma, que por sua vez afeta diretamente a produção de milho, uma das principais commodities da região.

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, lavoura que depende quase que integralmente do regime de chuvas e de temperaturas adequadas para o seu desenvolvimento. O que leva a um paradoxo: o mesmo agronegócio que promove o desmatamento já está começando a ver sua produção prejudicada pelos impactos que causa ao meio ambiente.

No estudo, publicado na revista Nature Sustainability, os pesquisadores testaram diferentes cenários de uso da terra em várias partes do Brasil, usando o padrão climático observado de 2000 a 2015. Em todos eles, os resultados indicam um futuro difícil para os produtores.

Seis cenários foram analisados: o Cerrado antes do desmatamento; desmatamento em 2016; vegetação do Cerrado substituída por lavoura exclusiva de soja e por lavouras integradas de soja e milho; vegetação da Amazônia no Arco do Desmatamento substituída por lavoura exclusiva de soja e por lavouras integradas de soja e milho.

Milharal fiscalizado durante a Operação Shoyo Matopiba, em abril de 2018, quando o Ibama e o Ministério Público Federal aplicaram cerca de R$ 100 milhões em multas por plantio ilegal de grãos em áreas embargadas no Cerrado de quatro estados: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.

Todos os cenários revelaram um aumento no número de dias ao longo do ano com noites acima de 24 graus Celsius (consideradas “noites quentes”), tidas como limite para o cultivo bem-sucedido do milho. Acima disso, a colheita pode ser danificada. Dependendo do cenário, o estudo identificou de oito a trinta noites quentes a mais por ano em relação ao período anterior o desmatamento. Na prática, a produção de milho caiu entre 6 e 8%.

No Cerrado, um clima mais quente implica redução nas taxas de evapotranspiração — a capacidade da vegetação de reciclar a água de volta para a natureza. Com isso, o equilíbrio de água e energia é afetado seriamente, em especial durante períodos importantes de desenvolvimento da colheita. Como o milho é muito menos resistente ao calor que a soja, as previsões não são boas.

Isso cria uma situação em que todos perdem, alerta Stephanie Spera, uma das autoras do estudo. Segundo ela, o resultado do desmatamento afeta a própria intenção de colocar o Cerrado abaixo, que é a produção de commodities. “Nada pode ajudar mais do que interromper o desmatamento e preservar o que resta do Cerrado”, afirma.

A pesquisadora lembra que é comum chamar o Cerrado de “floresta invertida” em termos de armazenamento de carbono — um estoque estimado em 13,7 bilhões de toneladas, dois terços escondidos debaixo do solo, na forma de raízes profundas capazes de absorver a água acumulada em camadas subterrâneas. Isso permite que a vegetação continue a evapotranspirar mesmo na estação seca, o que ajuda a dar início à estação chuvosa.

“Seria importante manter o máximo de vegetação nativa intacta para que o sistema fique o mais estável possível em termos de carbono, equilíbrio de água e equilíbrio de energia”, afirma Spera.

Outra solução efetiva e inteligente para os produtores, aponta o estudo, é melhorar a produtividade nas áreas já desmatadas e plantar uma cultura de cobertura durante a estação seca.

Mudanças no uso da terra entre 2000 e 2019 em um trecho de Cerrado no sul do Piauí. As áreas claras são terras agrícolas. Fonte: Nasa/Stephanie Spera.

Iniciativas que surgiram nos últimos anos com esses objetivos, porém, não receberam o apoio necessário. O Manifesto do Cerrado, por exemplo, lançado em 2017, pede que as empresas que compram soja e carne do Cerrado, assim como os investidores que atuam nesses setores, adotem compromissos para eliminar o desmatamento e desvincular suas cadeias produtivas de áreas recentemente desmatadas.

Embora tenha obtido o apoio formal de mais de 60 organizações, o Manifesto encontra grande resistência de empresas que realmente são responsáveis pelas commodities no Cerrado, como Bunge, Cargill, Amaggi e ADM.

Apenas 3% de todo o Cerrado está em áreas de proteção integral e o Código Florestal é leniente com a devastação no bioma, exigindo apenas 35% de áreas preservadas dentro da propriedade — enquanto na Amazônia são 80%.

Uma moratória da soja para o Cerrado, nos mesmos moldes daquela aplicada na Amazônia, poderia evitar a conversão direta de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa em terras agrícolas nos próximos 30 anos — uma área maior que a da Bélgica.

“É preciso haver um grande incentivo financeiro, com toda a União Europeia se recusando a comprar soja do Brasil, por exemplo, para que grandes traders sintam qualquer pressão para mudar”, afirma Spera.

Imagem do banner: Plantação de milho no Paraná. Foto: Cleberson Beje/Faep.

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